Em visita a São Paulo no começo de junho, padre Ivan Navarro, secretário executivo da Pastoral Carcerária do Chile desde o começo de 2014, conversou com o Site da PCr Nacional sobre a realidade carcerária daquele País, onde há 50 mil pessoas encarceradas. O sacerdote também traçou um panorama da questão prisional na América Latina e foi enfático: “o cárcere é o local para aonde vão aqueles que tiveram menos possibilidades em suas vidas, que são menos favorecidos, que sofrem as causas e consequências da desigualdade”. Abaixo segue a íntegra da entrevista.
Site PCr Nacional – Conte-nos um pouco sobre os trabalhos que a Pastoral Carcerária do Chile realiza.
Padre Ivan Navarro – Visitamos os cárceres e ajudamos as distintas coordenações das dioceses a realizar os trabalhos pastorais nas prisões. No Chile, há 17 milhões de habitantes e 50 mil pessoas nos cárceres, sendo que destes, 4 mil são mulheres. Vim ao Brasil para conhecer o trabalho da Pastoral Carcerária para poder complementar, ter novas ideias e fortalecer nosso trabalho no Chile. Visitei três cárceres, dois de mulheres e um de homens em São Paulo. Tive reunião com o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária e com outras pessoas da coordenação sobre o trabalho que a Pastoral realiza no Brasil.
Site PCr Nacional – Após essas visitas, quais as impressões do senhor sobre as unidades prisionais brasileiras?
Padre Ivan – O Brasil é um país maior, tem mais pessoas nas prisões em relação à quantidade de habitantes, há diferença nos modos de administrar os cárceres, os funcionários, os cárceres têm melhor estrutura que no Chile, mas também percebi superlotação. Escutei os homens e mulheres presas sobre seus problemas e dificuldades, sobre o que significa a privação de liberdade e vi que os temas são muitos similares aos que vivemos no Chile: mulheres com filhos, mulheres com parceiros ou esposos, mulheres que são separadas de suas famílias, o que leva a uma profunda solidão e a uma desvinculação com a sociedade. Também muitos homens estão sem contato com suas famílias. Muitos não conhecem e não sabem nada sobre o seu processo judicial, outros cumprem condenações além do período. Assim como no Chile, há, ainda, problemas com alimentação, com acesso à saúde e aos programas de reinserção social.
Site PCr Nacional – E o que achou da estrutura da Pastoral Carcerária no Brasil?
Padre Ivan – A Pastoral Carcerária do Brasil tem maiores desafios que os nossos, pois há mais pessoas nas prisões, o país é maior. Pareceu-me que aqui há maior reflexão teológica, mais materiais de formação para os agentes de pastoral, o trabalho é bem coordenado, ainda que isso, pelo que escutei, dependa também de cada estado, da realidade do cárcere e do coordenador local. A coordenação nacional ajuda, colabora, anima e isso, sem dúvida, fortalece o trabalho para as distintas realidades no Brasil.
Site PCr Nacional – Quantas pessoas estão envolvidas no trabalho da Pastoral no Chile?
Padre Ivan – É importante dizer, primeiramente, que a Igreja Católica tem uma missão: no Evangelho, Jesus diz que quando há uma pessoa no cárcere, lá está Ele. Isso a Igreja assumiu no Chile. Hoje em dia, participam padres, religiosas e leigos. Eles têm a tarefa de atender integralmente as pessoas, seja homem ou mulher. A evangelização pelo trabalho da Igreja evolui tendo como tarefa o desenvolvimento e o reconhecimento dos filhos de Deus. Nas prisões se reconhece o rosto de Jesus. A tarefa da Igreja Católica é extremamente importante e tremendamente relevante para que essas pessoas, que por estarem no cárcere vivem sozinhas e sem liberdade, possam se desenvolver e crescer, também sentindo que a Igreja se preocupa com eles para vivam em melhores condições humanas, para que sua dignidade como filho de Deus seja reconhecida com maior força pela sociedade. A Pastoral Carcerária do Chile tem de 500 a 600 pessoas que trabalham a nível nacional. As realidades das prisões são muito distintas e a realidade dos agentes pastorais que trabalham nos cárceres é muito diversa: depende muito da prisão, da quantidade de agentes de pastoral e do tipo de trabalho que fazem em cada cárcere. A coordenação nacional ajuda e dá orientação, fornece critérios para que o trabalho que se realiza no interior das prisões seja igual e para que a Igreja Católica tenha o mesmo discurso, as mesmas atividades e os mesmos objetivos, ou seja, uma visão única, mas respeitando a particularidade de cada cárcere e dos agentes pastorais.
Site PCr Nacional – As políticas carcerárias do governo chileno atendem às demandas existentes nas prisões do País?
Padre Ivan – O Estado chileno, através do Ministério da Justiça, administra a política penitenciária, que tem dois objetivos: manter a segurança das pessoas que são privadas de liberdade e favorecer programas de reinserção social. Acredito que ainda há muito a ser feito para melhorar a segurança e para ter mais programas que permitam uma melhor reinserção social das pessoas que estão nos cárceres. Falta uma maior preocupação política e de cidadania, bem como um melhor controle social para que as pessoas privadas de liberdade tenham a possibilidade de se reinserir na sociedade após cumprirem suas penas. Faltam melhores estratégias, politicas mais fortes e programas que sejam mais efetivos, para que os presos tenham maior espaço de dignidade humana, a fim de que, verdadeiramente, possam se ver fortalecidos para se reinserirem na sociedade e não voltar para a criminalidade, porque o que ocorre é que o cárcere é um espaço de vulnerabilidade, de pobreza, onde a dignidade humana é atropelada.
Site PCr Nacional – Essas situações são comuns em toda América do Sul?
Padre Ivan – Creio que sim. Quando vejo a realidade e comparo as situações do Chile e do Brasil, com aquilo que tenho escutado de pessoas de outros países, sem dúvida o cárcere é o local para aonde vão aqueles que tiveram menos possibilidades em suas vidas, que são menos favorecidos, que sofrem as causas e consequências da desigualdade. A falta de oportunidades levaram os que estão presos a cometer algum delito. Eu creio que hoje, no Chile, a maior pobreza do país está entre as pessoas que vivem no interior dos cárceres. Na América Latina, a maior pobreza está nos cárceres. Este é um continente muito desigual, que tem a cultura de castigar, de excluir, de marginalizar e de esconder aqueles que cometem algum delito. Dentro das prisões, acredito que haja muitas poucas possibilidades para a reinserção e existe pouca vontade política para trabalhar com essas pessoas para poder ajudá-las a reintegrar-se à sociedade. A Igreja Católica Latino-americana tem que se unir mais, relacionar-se mais, ter mais força e ser mais profética sobre as condições desumanas que há em muitos cárceres, para que haja mais respeito à vida, à dignidade das pessoas, aos direitos humanos, e para que o fato de ser preso não seja um castigo, em que se minimiza e se apequena a humanidade, mas sim que seja um momento digno para que eu tenha a possibilidade, se cometi um erro, de reparar esse erro e que a sociedade, uma vez que eu cumpra minha pena, me receba para que eu possa refazer a minha vida. Eis ai um grande desafio para a América Latina, para o qual a Igreja Católica deve ter uma voz mais profética.