Mulher encarcerada: Menopausa, pré-natal e parto

 Em Artigos, Mulher Encarcerada, Notícias, Saúde no cárcere

Em entrevista a Pastoral Carcerária o Dr. Aurélio – Professor Associado da Disciplina de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP abordou temas como menopausa, pré-natal e parto, assuntos importantes se tratando da mulher encarcerada. Confira abaixo a entrevista:

Pré-natal e Parto:

O pré-natal é uma parte importante no preparo da mulher para o parto, principalmente para a mulher que nunca deu à luz. São várias informações e exames. Porém, uma das orientações mais importantes é em relação aos ditos sinais de alerta. Sendo quatro maiores sinais, sendo que um deles todas irão passar, e os outros três depende de cada mulher.

1 – Movimentação do bebê: Se a gestante sentir que a criança não está se mexendo, dentro de um período de 6 horas, deve ir para o hospital para realizar um exame de vitalidade fetal. Porque, nesse caso, há o risco da criança vir a morrer ou até já estar morta há algum tempo. 

2 – Sangramento vaginal: A princípio é sempre patológico, pode ser bem perigoso, principalmente no final da gravidez. Muitas vezes, é algo relacionado com a placenta, que pode estar numa posição inadequada, ou descolando do útero. Por isso, sangrou e, no final da gravidez, procure assistência médica rapidamente. 

3 – Perda de líquido: Se a bolsa rompeu, tem que ir para o hospital. Mesmo que a mulher fique em dúvida, por conta da umidade vaginal maior durante a gravidez, pode ser um corrimento ou até mesmo perda involuntária de urina, mas o médico tem de examinar, para se ter certeza. Isso porque quando se rompe a bolsa, o que chamamos de amniorrexe, a situação muda de figura. 

Principalmente quando ocorre longe do momento previsto para o parto, pois aumenta o risco de infecção uterina. No diagnóstico, a paciente terá que ficar internada, e talvez tenha que induzir o parto, mesmo no final da gravidez, não pode ficar nessa situação por muito tempo.

4 – Contrações: A mulher começa a ter endurecimento da barriga de forma rítmica, a cada 5 ou 10 minutos, é sinal de que começou o trabalho de parto, e ela tem que ir ao hospital. No geral, quando é mesmo trabalho de parto, a mulher sente contrações dolorosas e para ser internada, precisa ter dilatação do colo. Não há como a mulher saber se está ou não com dilatação, por isso, precisa passar por avaliação médica. Na dúvida, pode tomar um Buscopan e observar um pouco, se depois de uma ou duas horas, a situação se manter, o certo é ir para o hospital. 

Um sinal importante do trabalho de parto, é quando começa a ter dor no pé da barriga, que repercute nas costas, essa dor começa na frente passando para as costas, isso é típico de parto, quando começa a ter dilatação

E tem ainda outros sinais de alerta para quando a gestante tem algum outro problema de saúde. Uma complicação que merece bastante atenção é o surgimento de pressão alta e inchaço durante a gravidez  resultando evoluindo para o quadro de eclâmpsia, que é o aparecimento de convulsões, ou mesmo coma. Por isso, quando a gestante está com pressão alta, precisa ficar atenta a outros sintomas: dor de cabeça ou dor de estômago, a vista ficar com pontos brilhantes ou pontos escuros, náuseas e vômitos. Tais sintomas indicam que a pressão pode estar subindo mais e a mulher começa a ter risco até de vida

São orientações que precisam ser passadas para as mulheres, principalmente, para as que estão em privação de liberdade. É preciso ter alguma assistência médica ou de enfermagem. Porque partos tranquilos podem se tornar complicados de uma hora para outra. É preciso organizar a ida para o hospital/maternidade com antecedência. Isso é uma norma para qualquer pré-natal e  isso se aplica também à grávida encarcerada. É direito da mulher ter esse planejamento com segurança.

É bom reforçar que o trabalho de parto não é assim tão fácil de reconhecer num primeiro momento. É preciso observar durante um certo tempo, ver como ficam as contrações, por 1 hora, 2 horas e avaliar se está mesmo evoluindo. Para o trabalho de parto são duas coisas essenciais: contrações e modificação do colo. É um processo natural e contínuo. Às vezes, a mulher é internada meio às pressas e depois se vê que não era um trabalho de parto. Imagino a ansiedade de uma mulher privada de liberdade, está sozinha, muita coisa passando na cabeça. É comum virem as contrações por causa do medo, é inconsciente. A mulher não tem culpa de um possível falso trabalho de parto.

Como se evita isso? Uma boa orientação pré-natal, tendo acesso facilitado ao hospital, sabendo quais são as possibilidades mas na dúvida se é trabalho de parto ou não, tem de encaminhar para a maternidade. Lá eles podem avaliar melhor, se for trabalho de parto verdadeiro, ela fica. Se não for, volta e ao ser acolhida na observação, a mulher fica menos ansiosa, e o quadro se define.

Certamente, o momento mais difícil da gravidez inteira é o momento parto, o risco nesse momento é muito maior. Muitas crianças morrem no canal do parto, já perto de nascer, por isso, todo cuidado é pouco! A grávida tem que estar no hospital, porque é ali que ela e o bebê podem ser cuidados com mais atenção, frente a qualquer problema inesperado. 

O cuidado com o parto é uma questão de humanismo, de preservar a dignidade do ser humano num momento de fragilidade, de vulnerabilidade.. É desumano deixar essa mulher sem assistência nesse momento, o direito ao atendimento humanizado, em ambiente hospitalar, inclusive com a presença de acompanhante, é lei, todas mulheres têm esse direito e as encarceradas também. 

O recém-nascido 

Nos primeiros 3 dias, a criança costuma ficar com a mãe no hospital, é preciso cuidado porque tem toda uma adaptação da criança, além da questão da amamentação, identificação de hipoglicemia, hipotermia, e outras alterações. 

O ideal são 72 horas no hospital, porque a criança pode ter icterícia e precisa ser observada. Pode ser por incompatibilidade sanguínea do sistema ABO ou do Rh, entre a mãe e a criança, mas pode ser por outras causas também. Se a mãe for Rh negativo precisa ver se a criança é Rh positivo. Neste caso, precisa dar uma “vacina” para a mãe (Imunoglobulina anti-D), antes de sair do hospital, para não ter doença hemolítica do recém-nascido, por incompatibilidade Rh, no próximo parto. Essa é uma norma técnica que precisa ser seguida. 

No berçário, a criança já é vacinada contra hepatite e, também, toma BCG, depende um pouco da rotina em cada local mas tem que ser feito logo, porque não é bom que a criança fique andando em ambientes não protegidos, porque ela pode desenvolver a tuberculose e, quanto mais cedo for a infecção, mais grave será. 

Outra observação importante, é ver se a criança está se alimentando bem, através da amamentação. Os primeiros 3 dias são difíceis porque até o segundo dia a mãe só vai ter o colostro, que parece fraco, por ser mais claro e não parecer nada com leite, mas ele é super nutritivo para o bebê, pois tem muita proteína e muitos anticorpos no colostro, dando uma proteção adicional importante para a criança. O leite mesmo vem por volta do terceiro dia

Depois da alta a criança terá que ser assistida, na linha da puericultura (desenvolvimento integral da criança), receber as outras vacinas, ter controle de peso e das condições gerais, verificando se a amamentação está sendo suficiente para suprir a alimentação da criança, verificar se precisa de alimento complementar. O cuidado nos primeiros seis meses é muito importante. 

É nessa fase que o futuro da saúde da criança vai ser definido, por isso, a amamentação é tão importante. O bebê deve ser amamentado de forma exclusiva até os seis meses e de forma complementar até um ano de vida, o cuidado nesse momento vai ser fundamental para o futuro desse bebê. Se houver desnutrição nessa fase da vida, esse ser humano vai ter sérias complicações depois, com dificuldades no desenvolvimento neuropsicomotor e cognitivo.

Amamentação

A amamentação deve acontecer em ambiente mais tranquilo, porque o estresse pode diminuir a lactação; além dos ruídos tirarem a atenção da criança, dificultando o processo, podendo contribuir para o desmame precoce, e a amamentação deve ser, pelo menos, por 4 meses. O ideal é a amamentação exclusiva, só a mama, só alimento natural até 6 meses de idade.

Depois, pode continuar a amamentação por demanda mas, muitas vezes, é insuficiente, sendo necessário entrar com suplemento, papinha ou algum alimento leve, e isso vai evoluindo. 

Por isso, é importante que a criança fique com a mãe, porque não é só o aspecto nutricional, é sabido que a criança que amamenta no peito por mais tempo, fica mais segura emocionalmente. Quando se tira a criança precocemente da mãe, todo o processo de desenvolvimento fica comprometido.

Existe a teoria do choro que afirma que a tonalidade do choro pode demonstrar a necessidade de troca com algum ser humano, que a reconheça, quando a criança é largada, seu choro torna-se monótono. O choro de uma criança que quer contato humano é um sobe e desce do som – chora e para. O impacto do distanciamento da mãe é muito grande para a criança, a médica defende que, no mínimo até 1 ano a criança fique com a mãe, antes de ser encaminhada para outro ambiente, porque ela já está começando a andar e já tem outras demandas.

Até para a mãe é importante para todo o processo biológico do aleitamento quando o desmame acontece abruptamente, é um trauma para a mulher, e, também, pode trazer infecção nas mamas (mastite). Se for mesmo necessário interromper a amamentação, até por questões médicas (por exemplo, HIV), isso pode ser feito através do uso de alguns medicamentos, ou mesmo com o auxílio de enfaixamento mamário. Pode-se usar a Cabergolina, em dose única ou em 2 doses, quando sabemos que a mãe perdeu a criança, ou ela está doente, ou ainda, ela vai entregar a criança para guarda protegida/adoção, o médico faz a prescrição da medicação, devido à dor psíquica e para evitar uma possível infecção na mama, por acúmulo de leite. 

Não precisa ser um ginecologista para receitar esse medicamento, o médico generalista também pode fazê-lo. Este procedimento está no Manual do Ministério da Saúde de Assistência ao Parto. Essas informações são importantes para quem acompanha as mulheres, principalmente as privadas de liberdade. Precisa cobrar essa assistência, principalmente nos casos de separação precoce da criança da mãe.

Menopausa (climatério) 

O momento da última menstruação é chamado de Menopausa, o problema é que a mulher só sabe que aquele momento era a sua menopausa um ano depois do acontecido. A gente sabe que a menopausa aconteceu quando ela já ocorreu, porque ficou um ano sem menstruar. Alguns falam: estou há 3 meses sem menstruar, devo estar na menopausa mas pode ser menopausa ou não. Então deve-se esperar, porque pode ter ainda outra menstruação

Por isso, mais importante do que falar da menopausa é falar do Climatério, que é o período de sintomas que envolve a menopausa, tanto antes como depois. Embora a idade da menopausa varia de mulher para mulher, costuma acompanhar a idade da mãe da pessoa. Assim, se a mãe da paciente teve a menopausa com 50 anos, é bem provável que a sua filha tenha a sua menopausa com os mesmos 50 anos. 

O climatério engloba sintomas já antes dessa última menstruação (1 ano antes) até um ano depois do encerramento da menstruação. O climatério não é sempre igual para todas as mulheres, algumas não terão nenhum sintoma, outras terão muitos sintomas. No geral, os sintomas são leves na pré-menopausa, sendo maiores no primeiro ano pós-menopausa, e diminuindo aos poucos depois disso. 

Durante o climatério, a mulher pode experimentar uma série de sintomas, como sangramento irregular, ondas de calor (fogachos), alterações no humor, alterações no sono, secura vaginal, e diminuição da libido. 

Os fogachos são bem característicos dessa fase, ocorrem em salvas, durante o dia, mas são mais comuns à noite, quando incomodam mais, vem uma onda de calor de repente, pode ter a sudorese, e tudo passa rápido, para voltar depois de algum tempo. 

Outra coisa que se associa ao fogacho é a insônia, pois a qualidade do sono fica pior com as ondas de calor e ela não dorme direito. No outro dia, ela acorda e percebe que o sono não foi reparador e isso geralmente leva à irritabilidade. Outro sintoma é a secura vaginal além da vagina ficar mais seca, o tecido vaginal fica mais fino e mais sensível, às vezes, essa mudança vaginal propicia a ocorrência de corrimentos e de infecções vaginais. Com o tempo, as mudanças hormonais levam a mudanças mais sérias no tecido de contenção da vagina, do útero e da bexiga, podendo haver também perda urinária involuntária e até infecção urinária. O que acontece com a vagina também acontece com a pele do corpo, mas isso é a longo prazo, e muito mais intenso nas mulheres que fumam. É comum também haver alteração do humor: a mulher pode aumentar sua ansiedade e até ficar mais melancólica ou mesmo depressiva,tudo isso tem a ver com a qualidade de vida, que piora. 

Certamante, há dois aspectos a serem considerados: A questão hormonal, que ocorre concretamente para todas as mulheres, e o outro aspecto é mais psicossocial, ou seja, como essa mulher se sente ao perceber que sua vida reprodutiva está terminando e que a vida como um todo não é mais a mesma, isso é o mais difícil a ser encarado. 

Por outro lado, dá para mexer no aspecto hormonal, com a reposição hormonal. Afinal, se os hormônios (principalmente os estrógenos) estiverem em níveis mais elevados, com a reposição hormonal, a mulher fica com maior bem-estar. Outras questão que nos faz pensar na reposição hormonal é a questão cardiovascular, pois com a menopausa não há mais o efeito protetor do estrógeno sobre o coração, aumentando o risco de hipertensão, aterosclerose e infarto.

Algo que ocorre frequentemente no climatério é o aumento do colesterol e dos triglicérides, aumentando o risco de deposição do colesterol nos vasos sanguíneos e, com isso, levando ao infarto. Principalmente quando outros fatores de risco estiverem presentes, tais como tabagismo, estresse, obesidade, hipertensão e diabetes. aumento de peso.

Existe a questão óssea, a osteoporose, que, com a queda hormonal, tende a ocorrer nas mulheres, diminuindo o cálcio dos ossos, tornando-os mais frágeis e mais susceptíveis a fraturas. Com o tempo, sem o tratamento adequado, pode levar àquela postura arcada da mulher idosa, por conta da diminuição das vértebras.

Certamente, há alguns fatores de risco a serem considerados: o genético (familiares com osteoporose), a raça branca, o baixo peso, o sedentarismo e o tabagismo. Se tais fatores de risco estiverem presentes, a mulher deverá tomar mais cuidado e talvez a reposição hormonal se torne mais importante. 

Há também medicamentos, que não são hormônios, que podem ajudar a prevenir ou diminuir a osteoporose, como o o cálcio e a vitamina D. Uma orientação importante para a mulher que está entrando no período de climatério, é fazer mais exercício, que pode incluir as caminhadas ou mesmo exercícios com pesos, para ajudar a produzir mais massa óssea. 

É fundamental prevenir, para não ficar arqueada ou ter fratura de fêmur, que compromete muito a vida da pessoa, é importante passar pelo ginecologista ou mesmo um clínico geral, principalmente nessa fase da vida. A reposição hormonal pode ser o melhor caminho, mas é necessário que se passe por uma avaliação geral, com uma boa conversa sobre os prós e contras.

Ainda hoje há uma grande discussão sobre esse tema, da terapia de reposição hormonal, apesar dos benefícios cardiovasculares e osteomusculares, há um risco de câncer que deve ser considerado. Parece que o risco é pequeno e pode ser contrabalanceado pela administração concomitante de progesterona. O melhor caminho é o bom senso e que cada caso seja adequadamente avaliado. 

Exames de prevenção

As pessoas associam o Papanicolau como o único exame de detecção do câncer, e ele é fundamental no rastreio e na detecção do câncer de colo uterino, que já foi por muito tempo o câncer mais frequente nas mulheres brasileiras. Entretanto, esse tipo de câncer já diminuiu a sua frequência, e o câncer de mama avançou, sendo hoje o principal tipo de câncer feminino no Brasil. 

Quanto ao câncer de colo de útero já existe toda uma padronização de como fazer o rastreamento, a prevenção é essencialmente através do Papanicolau, ou também chamado de colpocitologia oncótica. A partir dos 25 anos de idade, a mulher deve fazê-lo anualmente, se dois exames consecutivos vierem normais, o intervalo de repetição passa a ser a cada 3 anos. Tal rotina segue até os 63-65 anos, quando pode ser interrompida, se houver alteração, precisa avançar a investigação por 2 exames básicos: Colposcopia e Pesquisa de HPV, o vírus que causa verruga genital. O HPV tem se tornado muito relevante pois tem se visto que ele está muito relacionado com o câncer de colo de útero, outro exame é a colposcopia, que analisa o colo do útero com uma lente de aumento para ver se tem alguma alteração.

Com tais exames, a detecção de câncer de colo uterino no início é muito alta, e o tratamento quando é no início é bastante seguro e resolutivo. Se o diagnóstico for no começo, a chance de cura é muito grande, pois demora vários anos para o câncer se espalhar pelo corpo. 

Então, se a mulher estiver fazendo o Papanicolau todo ano, ou na frequência indicada pelo Ministério da Saúde, o diagnóstico é mais rápido e o tratamento mais adequado e definitivo (cirurgias de pequeno porte ou em último caso, a retirada do útero).

No exame de prevenção do câncer de mama, o Ministério da Saúde indica que se comece a fazer a mamografia a partir dos 50 anos, com repetição a cada 1 a 2 anos. Outra opção que muitos indicam é o autoexame das mamas, em que a mulher faz a palpação da própria mama uma vez ao mês, depois da menstruação, para ver se tem algum nódulo ou caroço em sua mama. No geral, as mulheres conseguem perceber nódulos de menos de um centímetro e se sabe que o nódulo até 2 cm de diâmetro é plenamente tratável e, nessa fase, é bem possível que não seja necessária a complementação do tratamento com radioterapia ou quimioterapia, com cirurgias menores. É importante que se façam os exames com regularidade. 

Infelizmente, a mamografia não tem a cobertura desejada no Brasil, não estando disponível em cidades pequenas, já o Papanicolau é mais fácil, e a cobertura está por volta de 95%. Ainda faltam recursos para a saúde pública, principalmente para o rastreio do câncer de mama, e ainda muitas mulheres penam para conseguir fazer seu exame de mamografia.

Volatr ao topo