À frente da PCr em Roraima desde 2006, padre Gianfranco Graziola, junto a poucos agentes, trabalha para pôr em práticas as prioridades traçadas na última assembleia, de 2011: a reorganização e consolidação da pastoral, a formação de novos agentes, a fortalecimento da pastoral de conjunto, e, mais recentemente, as capacitações em Justiça Restaurativa.
Nesta entrevista ao Site da PCr, o padre afirma que a pastoral mantém uma relação de respeito, mas de cobrança com o governo estadual para que cumpra a Lei de Execução Penal e combata a violação de direitos nos presídios, afirma que a superlotação carcerária não será revertida se não forem oferecidas novas possibilidades de vida às pessoas e lamenta que a sociedade ainda seja preconceituosa com o preso: “também em nosso meio cristão, falamos de pobres, mas os queremos ver longe de nosso mundo dourado, porque sua presença nos incomoda e questiona”.
O padre, que também é coordenador da Região Macro Norte da Pastoral Carcerária, ainda analisa o panorama do sistema carcerário nesta região do país, garantindo que a privatização de presídios não tem funcionado e que o sistema carcerário local “sofre do abandono e da ausência total da Defensoria Pública, do Judiciário e do Ministério Público nas cidades e, sobretudo nos interiores, onde seres humanos ficam retidos por meses a fios por infrações que poderiam ser tratadas de outra forma”.
Site PCr – Padre, como o senhor descreve o perfil da Pastoral Carcerária em Roraima?
Padre Gianfranco Graziola – A Pastoral Carcerária em Roraima é constituída por um pequeno grupo de pessoas que procuram ser fermento na massa. A Diocese de Roraima abrange todo o território do Estado sendo assim muito extensa geograficamente, mas tendo pouco mais de 400 mil habitantes, a maioria indígenas pertencentes a dez etnias diferentes e o resto é constituído por migrantes vindos, em sua maioria do nordeste, mas com significativas presenças de todos os Estados brasileiros. Embora a nossa realidade seja uma das menores do país quanto a números, isso não significa que não tenhamos as nossas dificuldades. Quando eu assumi a Pastoral em fins de 2006, ela estava quebrada, os agentes se tinham dispersado com a desculpa de que a coordenação teria assumido atitudes de denúncia que alguns dos agentes não teriam gostado.
Site PCr – E como foi possível reverter esse panorama?
Padre Gianfranco – Com paciência, fui consultar as pessoas, recebi algumas respostas negativas, mas nem por isso desanimei. Aos poucos, em dialogo com a coordenação nacional, foi construindo um projeto de Pastoral Carcerária ligado ao modelo de pastoral de conjunto. Hoje temos cerca de 15 a 20 agentes de pastoral coordenados pela Dona Maria da Conceição do Nascimento e pela Irmã Flora Peretto. A nossa ultima assembleia foi em 2011, aproveitando a coincidência com a assembleia da Macro Região Norte. As prioridades traçadas naquele tempo foram a reorganização da Pastoral, seu consolidamento, formação dos novos agentes e pastoral de conjunto. Ultimamente, abraçamos com todo o coração a proposta da Justiça Restaurativa, estando neste momento trabalhando a primeira parte da Escola de Perdão e Reconciliação – ESPERE, nas manhãs de sábado.
Site PCr – Além disso, o que mais tem se feito pela capacitação dos agentes da pastoral?
Padre Gianfranco – Logo no começo, programamos encontros a cada dois meses, um dia inteiro, sendo uma parte reservada à formação espiritual e outra à capacitação dos agentes, informes, etc. Nisso contamos com a colaboração da defensoria estadual e com varias outras pessoas que nos pudessem ajudar.
Site PCr – Como é o relacionamento da PCr Roraima com o governo estadual, especialmente com a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (Sejuc)? O trabalho da pastoral é respeitado?
Padre Gianfranco – A relação com o governo é de respeito e ao mesmo tempo de crítica e cobrança devido ao não cumprimento da Lei de Execução Penal, à violação dos Direitos Humanos e à tortura que existe e que é executada pelos próprios presidiários. A Sejuc sempre foi comandada por militares, ultimamente o secretário é um general do exército que entende o sistema carcerário como fosse um quartel e o dirige de mesma forma e por isso todos devem dizer “sim senhor”. Como a Pastoral tem outra maneira de entender e trabalhar, sente-se incomodado com ela ao ponto de ter escrito uma carta ao Bispo [dom Roque Paloschi], afirmando que a mesma atrapalha os seus planos. Apesar disso e dos entraves que de vez em quando coloca, a Pastoral é respeitada e temida porque sabem que o que acontece vai ecoar nacionalmente tanto mais que fomos parte convidada da Defensoria da União num processo movido pela mesma contra o Estado com referencia ao uso de dinheiro federal e a situação em que se encontram os estabelecimentos prisionais. Um tempo queriam a toda custa fazer a revista vexatória, mas a ultima resolução a respeito tem dado resultado e não tem tido problemas de maior. Atualmente, somos também considerados e é apreciada nossa presença pelo judiciário além das cordiais relações que temos com a Defensoria Pública Estadual.
Site PCr – No primeiro semestre do ano, os agentes penitenciários de Roraima se tornaram notícia: primeiro por terem sido empossados em março, depois por se negarem ao trabalho de polícia na segurança dos presídios. Como está a situação agora? Eles estão bem capacitados?
Padre Gianfranco – Sobre os novos agentes penitenciários, a grande dúvida que paira é a questão da formação humana e em Direitos Humanos: quem ministrou essas disciplinas dado que a sociedade civil não foi consultada nem teve convite por isso, sendo que o Centro de Migrações e Direitos Humanos – CMDH, que eu coordeno, é único filhado ao movimento nacional e reconhecido como apto a indicar alguém que ministre a disciplina foi totalmente ignorado? Em relação às atribuições dos agentes penitenciários, o secretário teria dispensado a Polícia Militar a quem a Lei prescreve a guarda dos muros e exigidos que os agentes exercessem essa função, naturalmente violando a lei. A Pastoral, como membro do Conselho da Comunidade, pediu a intervenção da juíza da Vara Penal para que se voltasse ao que a lei estabelece. No entanto, recentemente, num processo de armamento das corporações em curso no estado, foram dadas aos agentes penitenciários armas por cujo manuseio não foram treinados. Por isso, nossa preocupação como Pastoral quando vimos os agentes brincar com as armas sendo que elas não são garantia de maior segurança, pelo contrario, um risco para todos nós.
Site PCr – No geral, quais os principais desafios da política carcerária em Roraima?
Padre Gianfranco – Os desafios da política carcerária hoje, além da superlotação e carência estruturais, continuam a ser a carência de recursos humanos (assistentes sociais, psicólogos, médicos, enfermeiros), mas, mais que tudo isso, falta uma visão de conjunto que resolva e responda a outras grandes questões como alcoolismo, dependência química, violência familiar, juventude etc. Nestes dias, houve mutirão carcerário, mas estou convencido que isso aliviou temporariamente a superlotação, mas os problemas continuam permanecendo e se agravando se não se planejam ações concretas que dêem as pessoas novas possibilidades de vida. Por isso, a importância da imprensa para ajudar a superar os preconceitos e as estigmatizações da sociedade em geral. Nossa Diocese tem em seu quadro algumas pessoas que passaram para o sistema ou estão em regime de semiaberto. Eu próprio contratei uma moça do semiaberto para cobrir o tempo de férias da senhora que cuida de nossa casa e notei como também em nosso meio cristão falamos de pobres, mas os queremos ver longe de nosso mundo dourado, porque sua presença nos incomoda e questiona.
Site PCr – Por fim, gostaria de uma análise do senhor sobre a política carcerária em geral na Região Norte. O que precisa ser feito para aprimorá-la?
Padre Gianfranco – A política carcerária da Região Norte além da precariedade das estruturas, sofre do abandono e da ausência total da Defensoria Pública, do Judiciário e do Ministério Público nas cidades e, sobretudo nos interiores, onde seres humanos ficam retidos por meses a fios por infrações que poderiam ser tratadas de outra forma. É tempo de o Ministério da Justiça e o mundo do Judiciário se abrir ao tema das penas alternativas e, sobretudo, da Justiça Restaurativa. Também temos a certeza que não são exitosas as policias de bairro que, por exemplo, em Manaus, estão claramente ao serviço da manutenção do “status quo”, garantindo o numero de presidiários que justifiquem a privatização dos estabelecimentos prisionais. Também a privatização dos estabelecimentos prisionais não melhora a situação do sistema que, pelo contrário, fica pior e com custos redobrados para o Estado e consequentemente para a coletividade. O que a Pastoral pensa deve ser feito é o trabalho com as políticas publicas, educação, saúde, moradia, cultura, lazer, atenção e respeito as culturas indígenas e tradicionais, autênticas escolas de humanidade e do bem viver.
Por Daniel Gomes, assessor de imprensa da Pastoral Carcerária Nacional