Já aconteceram diversas cerimônias que sinalizaram o começo do Ano Santo da Misericórdia, ou Jubileu da Misericórdia, e apesar de o Papa Francisco lhes ter imprimido uma marca toda sua, minha impressão é que ainda estamos no verniz exterior das “Portas Santas”; continuamos a dar a esse sinal profético para a humanidade apenas uma conotação moralista, de proselitismo, de algo que os outros devem cumprir para em certo sentido “alcançar” o bem, a recompensa que é a misericórdia.
O Papa Francisco, ao contrário, afirma com as palavras e os gestos que o alvo da misericórdia divina é cada um de nós, e por isso na celebração da noite de Natal ele asseverou que o nascimento de Jesus é “dia de misericórdia, em que Deus Pai revelou à humanidade a sua imensa ternura”. Mas, mesmo que entendamos isso e possamos chegar a pensar que nós estamos já fazendo a nossa parte porque somos parte da Pastoral Carcerária, porque estamos exercendo um serviço na comunidade, porque estamos cuidando dos pobres, podemos correr o risco de continuar com um paternalismo religioso, normativo e excludente, e pensar que dessa forma somos “misericordiosos”.
Na realidade, o percurso da misericórdia que todas as pessoas de boa vontade e os/as cristãos (ãs) são chamados a realizar não é uma questão de cerimonialismo. É muito mais: é algo comprometedor que vai à raiz, que transforma nosso olhar e nosso pensar, nossas atitudes de vida, e nos leva a compreender as causas de tantas mazelas e sofrimentos pessoais e coletivos. Trata-se de vencer a religião das pedras, dos rituais estéreis e das normas para acolher o vinho novo com o qual o Pai nos quer inebriar para que a festa da vida seja realmente plena e sempre nova.
A Campanha da Fraternidade Ecumênica, que este ano estamos celebrando, é uma forma concreta para nos lembrar, com seu tema: “Casa Comum, nossa responsabilidade”, e com seu lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24), que como pessoas e coletividade, não podemos fechar os olhos para com as questões do dia a dia, como a falta de saneamento básico, foco central da campanha, cujas consequências impedem que a Casa Comum seja justa, sustentável e habitável para todos os seres vivos.
Eis porque como agentes de pastoral, como cristãos (ãs), como pessoas comprometidas com o projeto de Jesus, não podemos mais nos limitar a visitar os encarcerados e encarceradas sem entender que para nós o Jubileu da Misericórdia será realidade na medida em que se traduzir num “mundo sem prisões”. E a principal obra de misericórdia será a libertação dos presos. Isso implica, naturalmente, uma mudança radical de nossa maneira de enxergar e entender o agir da Igreja e de nós mesmos, que passando do pietismo, do assistencialismo religioso, do legalismo do filho mais velho, nos tornemos capazes, como o Pai, de correr ao encontro de quem estava morto, perdido, e colocar o vestido novo, as sandálias aos pés, o anel ao dedo, realizando a festa, sinal de misericórdia do Pai.
Padre Gianfranco Graziola
Vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária
*Artigo publicado na edição de abril da Revista Mundo e Missão
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