O mundo precisa de calor humano

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2110 Padre XavierEm 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis, acompanhei uma equipe da Pastoral Carcerária em visita a um estabelecimento penitenciário de Salvador, na Bahia. Não vou falar da situação, pois não é muito diferente daquilo que se vê pelo Brasil afora: insalubridade, superlotação, ociosidade, atendimento precário e o resto da ladainha das irregularidades que estamos acostumados a ver e denunciar no sistema penitenciário brasileiro.
A acolhida foi muito boa, seja por parte dos funcionários seja por parte dos internos. A Pastoral se posicionou num canto do pátio. Ao seu redor se recolheu um grupo de internos. O clima foi de muita cordialidade. Foi bonito ver o carinho recíproco. Este bem-querer vale muito mais do qualquer conversa. Após uma rodada de apresentações, a Pastoral apresentou o tema do dia: Deus é um Pai que cuida de seus filhos. O animador fez uma breve introdução sobre a relação entre pais e filhos a partir de sua própria vivência. Depois, abriu a fala para quem quisesse comentar a sua experiência.
Fiquei preocupado, pois o assunto é espinhoso. Muitos desses jovens passam por experiências familiares doloridas, sobretudo no que tange à relação com o pai. Não deu outra. O primeiro a pegar no microfone foi o Marcos (nome fictício). Foi logo falando da sua turbulenta relação com o pai. Falou da falta de carinho, das brigas constantes, das agressões do genitor contra a mãe, até que um dia não aguentou mais e o feriu com golpes de faca. “Foi legítima defesa”, apressou-se a explicar. Achou que aquela fosse a única maneira para defender a mãe. “Por tudo isso que aconteceu comigo – disse para encerrar a conversa – não me sinto ainda pronto para ser pai. Não quero que meus filhos passem pelo mesmo sofrimento que eu passei”.
Não vou entrar no mérito dos fatos. Uma coisa é clara: a violência, mesmo quando tudo parece justificá-la, não é a saída. Arrasta para o abismo da barbárie.
O foco, independentemente do desfecho do caso, é o sofrimento de Marcos. Ele carrega uma ferida que custa a cicatrizar. Nos seus 19 anos de vida, não teve acesso a muita coisa. Muitos direitos lhe foram negados. Mas o que mais pesa na vida dele é a privação do amor do pai. Perdeu uma dimensão essencial para seu crescimento saudável. Trata-se de um dano difícil de consertar.
Leonardo Boff, num recente artigo, alertou sobre as consequências danosas do eclipse da paternidade. “A ausência do pai – escreveu Boff em sua matéria – é, por todos os títulos, inaceitável. Ela desestrutura os filhos/filhas, tira o rumo da vida, debilita a vontade de assumir um projeto e ganhar autonomamente a própria vida”. Sem o pai, “os filhos parecem mutilados, pois se mostram inseguros e se sentem incapazes de definir um projeto de vida. Têm enorme dificuldade de aceitar o princípio de autoridade e a existência de limites”. Uma das consequências de tudo isso – conclui o autor – é o crescimento da violência, como temos visto nos últimos tempos na escola e na sociedade.
Não tem como discordar dessa análise. Ela encontra respaldo nos fatos A relação pai-filho/filha é mais uma das relações afetivas sucateadas nos últimos tempos. Tem raiz num sistema que promove o distanciamento e a indiferença. Brota do eclipse da afabilidade, do cuidado e da afetividade, como o próprio Boff tem apontado nos últimos anos. Estamos na “era do gelo” das relações afetivas. Faz-se necessário um reaquecimento global dos sentimentos que nos aproximam e nos levam a cuidar uns dos outros. O mundo precisa de calor humano, para que a vida, aquecida na estufa da ternura, possa brotar em toda sua beleza e riqueza.
Não sei o que vai ser do Marcos, mas sua ferida poderá ter cura se encontrar pessoas que o cerquem de carinho e o despertem para a afabilidade.
Parabéns á Pastoral Carcerária que abraça essa causa. Sua presença no sistema penitenciário é sinal concreto do amor sem limites que brota do coração paterno e materno de Deus.
Padre Xavier (padre Saverio Paolillo)
Missionário Comboniano

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