Nota da Pastoral Carcerária Nacional sobre a conjuntura eleitoral: a luta contra o ódio continua

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“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5,9)

“Nunca perca de vista o fato de que não há democracia com a fome,  não há desenvolvimento com a pobreza, e muito menos justiça com desigualdade.” (Papa Francisco) 

 

Irmãos e irmãs, estamos enfrentando tempos de muita turbulência e tensão. Nos últimos anos vivenciamos o recrudescimento brutal e horripilante do sistema prisional – com a marca de quase 1 milhão de pessoas privadas de liberdade – o aumento da militarização sócio-policial, a ampliação das táticas de violência contra as mulheres, a população LGBTQIAP+ e os povos indígenas, além do estrutural o ataque aos direitos das pessoas presas, tudo isso com o sustentáculo blasfêmico do nome de Deus. 

Cada dia mais agentes penitenciários e policiais penais circulam armados e truculentos pelas unidades prisionais e também fora dos muros das prisões. Cada dia mais pessoas têm acesso irrestrito às armas, militarizando a sociedade. A violência e o ódio por trás dessas dinâmicas estão se fincando e se naturalizando no meio social. O neofascismo racista e misógino tomou de vez o poder e está ameaçando nos golpear, para continuarem no poder e manterem a operacionalização da tortura massacrante contra as pessoas presas, pretas e pobres. 

Por isso, é hora de nos mobilizarmos coletivamente para lutar pela transformação desse caminho trevoso e estancar a onda de violência que nos afoga. Foi a política de morte do Governo Federal e de Governos Estaduais, por exemplo, que assassinou mais de 300 pessoas presas durante a pandemia da Covid-19. Foi a política de morte do Governo Federal que também aumentou as restrições à assistência religiosa nos presídios e impediu que familiares de pessoas presas tivessem qualquer notícia de seus/suas entes encarcerados/as.

No bojo da Mensagem ao Povo Brasileiro, aprovada na 59ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), os bispos conclamam “toda a sociedade brasileira a participar das eleições e a votar com consciência e responsabilidade, escolhendo projetos representados por candidatos e candidatas comprometidos com a defesa integral da vida (…). Que também não negligenciem os direitos humanos e sociais, e nossa casa comum onde a vida se desenvolve”. 

Como nos lembra a cartilha Encantar a Política – organizada pela Conselho Nacional do Laicato do Brasil, pelo Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Camara”, pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos, pela Comissão Brasileira Justiça e Paz, pelo Movimento Nacional de Fé e Política e pela Semana Social Brasileira –  precisamos escolher projetos políticos que promovam a universalidade do amor cristão, que difunda a amizade social, que ataque os pecados estruturais e as causas da pobreza, que cuide da casa comum e que grite por Terra, Teto e Trabalho. Com mais de 125 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar, devemos nos guiar por agendas políticas que lutem pela erradicação da fome e da pobreza, garantindo direitos sociais aos nossos irmãos e irmãs. 

No mesmo caminho, não nos esqueçamos do compromisso com a Agenda Nacional pelo Desencarceramento. Devemos lutar por projetos que acolham: o desencarceramento, a limitação das prisões preventivas, o fim da política de guerra aos pretos e às drogas, a ampliação das garantias da execução penal, a ampliação do acesso ao cárcere, a proibição da privatização do sistema prisional, o combate à tortura e a desmilitarização das polícias e da sociedade, a suspensão de verba voltada para a construção de novas unidades prisionais, a autonomia comunitária para a resolução não-violenta de conflitos, dentre outras pautas que defendam a vida das pessoas criminalizadas. 

Por isso, parafraseamos e indicamos as recomendações do Encantar a Política, para que possamos respirar o Evangelho durante o nosso voto:

  • Pensar em nomes que assumam o compromisso de trabalhar por políticas públicas que assegurem a proteção de pessoas negras, mulheres, população LGBTQIA+ e a população  indígenas e quilombolas, e também dos mais empobrecidos, principalmente aqueles que ocupam territórios marginalizados, em situação de vulnerabilidade, vítimas de violências e de discriminações.
  • É preciso que a escolha de candidato/as ao Poder Legislativo (deputado/as federais e estaduais e senador/a), seja coerente com a opção pelo/a candidato/a ao Executivo, visto que no atual modelo político o chefe do Poder Executivo só governa com o apoio parlamentar.
  • Lembrar-se que o voto para o Legislativo (deputado/a) vai primeiro para o Partido e Federação Partidária ao qual o/a candidato/a pertence, e só depois conta para a sua classificação entre os nomes eleitos. Por isso, é importante observar a lista dos candidatos/as do Partido (ou Federação Partidária), para que o voto ajude a eleger uma pessoa com os mesmos princípios da pessoa preferida, caso esta não tenha votação suficiente para conquistar a vaga.
  • Se a pessoa está se apresentando à reeleição, checar como se comportou em votações em que a CNBB e a Pastoral Carcerária se posicionaram claramente. Não se deve votar, por exemplo, em quem apoiou a Emenda Constitucional nº 95/2016 (que estabelece o teto de gastos por 20 anos para políticas públicas), nem em quem votou a favor da reforma trabalhista, da redução da maioridade penal, da reforma da Previdência Social ou contra os povos indígenas, ou favorável à legalização da grilagem ou ao “pacote do veneno” (autorização para uso de agrotóxicos proibidos em outros países do mundo), ou ao “pacote anticrime”, ou quem votou a favor do fim das saídas temporárias, ou quem votou a favor da criação das polícias penais, por exemplo.
  • Questionar quem se apresenta como pessoa religiosa, mas que não coloca seu mandato a serviço dos setores sociais mais esquecidos pelas políticas sociais.
  • Ter uma prática de compromisso com as lutas populares e dos setores marginalizados, pois não adianta “ser católico ou cristão” quem não defende os Direitos Humanos e a Mãe Terra.
  • Valorizar candidaturas que representem setores e identidades que estão subrepresentadas nos parlamentos (assembleias estaduais, distrital, câmara e senado federal), por exemplo: indígenas, afrodescendentes (negros e negras, quilombolas), mulheres, minorias discriminadas, trabalhadores e trabalhadoras, desde que sejam pessoas atuantes em suas lutas emancipatórias em sintonia com um projeto de sociedade de Justiça, Paz e Integridade da Criação.

Apesar das eleições, precisamos meditar o Evangelho também à frente, lutando politicamente todos os dias dos anos que se seguirão. O desencarceramento não será conquistado através de votos. Precisamos continuar nossa mobilização coletiva para além das eleições, monitorando a política que virá, tendo em memória sempre as pessoas presas que foram massacradas durante a democracia capitalista e excludente.   

 

São Paulo, 27.09.2022

Ir. Petra Silvia Pfaller 

Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária  

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