Cardeal Scherer: ‘A revista vexatória nas prisões é necessária?’

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Odilo_CDP_Pinheiros_umReproduzimos a seguir, a íntegra do artigo do cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo e presidente do Regional Sul 1 da CNBB, publicado no Site da Arquidiocese, no qual apresenta as razões pelas quais defende o fim da revista vexatória nas prisões.
“Mas será mesmo inevitável essa prática, que fere a dignidade humana e acrescenta sofrimento a quem já carrega um fardo de humilhações e privações por causa de um familiar preso? Alega-se que a revista é necessária para evitar que a insegurança e o caos nas prisões. O argumento, porém, não convence. Um levantamento realizado pela Rede Justiça Criminal mostrou que a apreensão de objetos proibidos com familiares ou visitantes é quatro vezes menor que a quantidade de armas, drogas e celulares encontrados com os preso”, argumenta o Cardeal no artigo.
A revista vexatória nas prisões é necessária?
Recentemente, o Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fez uma manifestação ao Governo do Estado de São Paulo para pedir que seja sancionado o Projeto de Lei Estadual n° 797/2013, aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa no dia 3 de julho passado, vedando a revista vexatória nos presídios paulistas.
A revista vexatória é um procedimento realizado em familiares de presos e outras pessoas que visitam os presidiários. Mulheres, homens, gestantes, idosos e crianças são obrigados a tirar a roupa e a se submeter à revista íntima e invasiva, inclusive nos órgãos genitais, diante de agentes penitenciários, de outros visitantes e mesmo diante dos filhos. Nem sempre são levados em conta os padrões de dignidade humana e higiene. Há também quem se queixa de agressões verbais por parte dos funcionários do presídio.
Com a revista, pretende-se impedir a entrada de armas, drogas, celulares e outros objetos nas prisões. O visitante é submetido a uma humilhação discriminatória e à violação da sua dignidade. A prática é autorizada pela administração penitenciária.
Não se nega ao Estado o direito e mesmo o dever de controle e de segurança nos presídios. Mas será mesmo inevitável essa prática, que fere a dignidade humana e acrescenta sofrimento a quem já carrega um fardo de humilhações e privações por causa de um familiar preso? Alega-se que a revista é necessária para evitar que a insegurança e o caos nas prisões.
O argumento, porém, não convence. Um levantamento realizado pela Rede Justiça Criminal mostrou que a apreensão de objetos proibidos com familiares ou visitantes é quatro vezes menor que a quantidade de armas, drogas e celulares encontrados com os presos. No Estado de São Paulo, tais objetos são encontrados em apenas 0,03% das revistas, ou seja, três objetos ilícitos a cada 10 mil desses procedimentos degradantes.
Existem outras formas de controle, menos invasivas e vexatórias, também usadas em aeroportos e outros locais, onde a segurança é fortemente zelada. Equipamentos eletrônicos, como detectores de metais, scanners corporais e aparelhos de raio-x poderiam ser usados, mesmo respeitando os limites de exposição à radiação. Uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 12 de julho de 2006, já recomendava a utilização de equipamentos eletrônicos na revista em presídios e a preservação da honra e da dignidade da pessoa durante os processos manuais de revista.
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, garante o princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo 5º, tratando dos direitos e garantias fundamentais, prevê que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante e que a intimidade pessoal é inviolável. O mesmo artigo assegura que a pena não passará da pessoa do condenado a outros, por exemplo, aos seus familiares. O artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a proteção da dignidade da criança e do adolescente e proíbe que sejam submetidos a qualquer tratamento constrangedor ou vexatório. Mesma coisa, no Estatuto do Idoso.
O Brasil ratificou, em 1989, a Convenção da ONU contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; isso obriga o País a seguir as recomendações internacionais sobre o tema. Para o Relator especial da ONU sobre tortura, as revistas íntimas são caracterizáveis como práticas humilhantes, degradantes e de agressão sexual, ou mesmo como tortura, quando feitas com uso de violência.
Vários países, como a Colômbia e os Estados Unidos, já proibiram a revista vexatória. Sem dúvida, isso é mais civilizado. Estaria na hora de o Brasil também acabar com esta prática degradante, sem relaxar a segurança nos presídios. No Congresso Nacional tramita um projeto de lei (PLS 480/2013), que prevê o fim da revista vexatória nas unidades prisionais. Também os governos estaduais podem legislar sobre essa prática, mesmo abolindo-a.
A Pastoral Carcerária Nacional, da CNBB, em parceria com a Rede Justiça Criminal (www.fimdarevistavexatoria.org.br), está em campanha nacional contra a obrigação de revista íntima em presídios, cobrando do Congresso Nacional a aprovação, em regime de urgência, do PLS 480/2013. E que a revista vexatória seja substituída por outros procedimentos mais eficientes e compatíveis com a dignidade humana.

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