Ao jornal da Arquidiocese de São Paulo, Irmã Petra fala sobre as prisões no Brasil

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Interna_superior_e_capaA vice-coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra Silvia Pfaller, enfatiza em entrevista ao jornal O São Paulo, semanário da Arquidiocese de São Paulo, que “a prisão não resolve a violência no Brasil. Ainda mais porque o sistema penal é altamente seletivo. Basta entrar num presidio para perceber que os pobres e marginalizados são a maioria da população carcerária, assim como pardos ou negros e os que possuem baixa escolaridade”.
Irmã Petra comenta, ainda, porque a Pastoral é contra a construção de presídios, fala sobre a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, a lei que prevê o fim da revista vexatória nos presídios paulistas, e destaca as bases da Justiça Restaurativa.
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‘É preciso reverter a lógica de que a prisão resolve a violência e restaura a paz’
Nascida na Bavária, na Alemanha, a Irmã Petra Silvia Pfaller, 49, está no Brasil desde 1991. Pertencente à Congregação das Irmãs Missionárias de Cristo, a freira e advogada é a atual vice-coordenadora nacional da Pastoral Carcerária e conta que se sente “chamada a visitar Jesus Cristo preso e torturado”.
Nesta entrevista ao O SÃO PAULO, Irmã Petra detalha porque a Pastoral Carcerária é contra a construção de novos presídios, apresenta o modelo da Justiça Restaurativa e fala das condições dos cárceres no País. “A prisão não resolve a violência no Brasil. Ainda mais porque o sistema penal é altamente seletivo”.
O SÃO PAULO – Em 2013, a Pastoral Carcerária em conjunto com outras organizações sociais apresentou ao Governo Federal a Agenda Nacional pelo Desencarceramento. Que pontos centrais se pretende ressaltar neste período de eleições?
Irmã Petra Silvia Pfaller – A prioridade neste tempo de eleição é a saúde e a educação, duas áreas que carecem de políticas públicas sérias e que são extremamente ligadas com a segurança pública. Porém, infelizmente, muitos candidatos colocam na pauta apenas a segurança pública como prioridade, com uma visão repressiva, ou seja, mais armas, mais presídios e aumentos das penas. Exigimos que sejam apresentadas políticas criminais e penitenciárias que não se baseiem na vingança e na repressão. Dentro da nossa agenda, destaco a efetivação e ampliação das garantias na Lei da Execução penal, a vedação à privatização do sistema prisional e as alternativas à pena de prisão, como, por exemplo, as práticas restaurativas. E, sem dúvida, o fim da revista vexatória.
A Pastoral tem propagado a ideia da Justiça Restaurativa. Em que se baseia?
Talvez a grande novidade da Justiça Restaurativa é que ela se preocupa com a vítima, que é esquecida no Brasil, não tem voz nem vez. A consequência disso é o aumento de um grito de justiça, que muitas vezes é mais um desejo de vingança do que de justiça. As práticas restaurativas tentam envolver todas as partes: o agressor e sua família ou pessoas mais próximas, a vítima e sua família e amigos mais próximos que estão afetados pela agressão. A pessoa que acompanha esse processo não julga ou condena, mas faz o papel de facilitador para resolver o conflito. Tenta-se restaurar o dano causado, isso não significa impunidade, mas sim uma solução de conflito que se baseia na reparação do dano sofrido, no diálogo, compreensão, expressão da dor sofrida, da raiva e indignação. Um processo que também se baseia no perdão.
Segundo o Ministério da Justiça, há no Brasil 256 mil presos além da capacidade das unidades prisionais. Frequentemente, os gestores públicos apresentam como solução a construção de mais prisões. A Pastoral defende um mundo sem cárceres, assim, o que é possível fazer diante da superlotação carcerária?
De curto prazo, é imprescindível que as Defensorias Públicas sejam instaladas no País todo, já que não existem em todos os Estados, como é o caso de Goiás, e onde há, ela está mal equipada e com falta de pessoal, especialmente no interior. No Amazonas, por exemplo, que visitei em dezembro, só existe a Defensoria em Manaus. Sabemos que a prisão não resolve a violência no Brasil. Ainda mais porque o sistema penal é altamente seletivo. Basta entrar num presídio para perceber que os pobres e marginalizados são a maioria da população carcerária, assim como pardos ou negros e os que possuem baixa escolaridade. Na verdade, a prisão deveria ser o último recurso. Hoje o bem maior protegido são as coisas e não a vida. Ressalto, ainda, que a maioria das pessoas encarceradas foram presas em flagrante e não em consequência de uma investigação policial. Estamos, na média nacional, com 46% de presos provisórios, que há anos esperam por um veredito do juiz. Muitos são inocentados e outros cumprem sua pena na sua totalidade no regime fechado por causa dos atrasos do poder judiciário, que está lento no andamento dos processos. Precisamos reverter a lógica de pensar que a prisão resolve a violência e restaura a paz no País, nas cidades e nos bairros.
Interna_inferiorEm qual região do Brasil há maior urgência de atuação do Governo Federal e do Judiciário por conta das condições dos presídios?
Cada presidio é um inferno, uns mais, outros menos. Já visitei presídios na Alemanha onde se respeita mais a dignidade da pessoa, mas é difícil mesmo assim. O presídio não é feito para o ser humano. Para mim, sem dúvida, as condições dos cárceres no Amazonas são as piores, especialmente nos interiores, com ausência total do Estado. Quem comanda lá é a polícia, o juiz aparece uma vez por mês e o representante do Ministério Público também, e nem sempre nos mesmos dias, ou seja, os processos não andam, não há fiscalização. Não se pode falar que o povo tem acesso à Justiça. Da Defensoria Pública nem se fala. Superlotação, fome, falta de atendimento à saúde, corrupção. A lista é longa.
As prisões brasileiras estão estruturadas para receber as mulheres?
Não. Nem um presidio está preparado para receber mulheres e também nem homens. Presidio é uma coisa totalmente contra o ser humano. É uma invenção cruel do ser humano com a falsa ideologia que a prisão resolve a violência e ressocializa. A maioria dos presídios femininos são sucatas de presídios masculinos mal reformados.
Recentemente, o governador de São Paulo sancionou a lei que proíbe a revista vexatória no Estado. A Pastoral, em nota pública, manifestou preocupação com a aplicação da lei e para que não seja impedido o contato do preso com os familiares. Por que há esse temor?
A recente nota da CNBB deixou bem claro que a revista vexatória desrespeita a Constituição Federal (cf. art.5°), que veda que a pena ultrapasse a pessoa do condenado, é um tratamento cruel, desumano e degradante. A criminalização dos familiares dos presos é infelizmente tão presente na nossa cultura que é usada como argumento para privar a pessoa presa de ter contato com seus familiares se não houver a revista vexatória. É mais uma atitude vingativa do que uma questão de segurança. O contato e o cultivo do relacionamento com os familiares é talvez o fator mais importante para que uma pessoa condenada consiga voltar a uma vida normal, fora do crime. Existem metodologias, máquinas, para evitar o tráfico de coisas ilícitas, basta querer adquirir a tecnologia adequada e combater efetivamente a corrupção.
A senhora pertence à Congregação das Irmãs Missionárias de Cristo, surgida na Alemanha. Por que escolheu evangelizar as pessoas presas no Brasil?
O nosso fundador, Padre Moser, msc, Missionário do Sagrado Coração, nos deu como carisma ser luz nas escuridões no mundo. O que é mais escuro do que uma cela superlotada e fedorenta no fundo de uma cadeia que parece um inferno? Sinto-me chamada a visitar Jesus Cristo preso e torturado – segundo o Evangelho de Matheus -, visitar meu irmão e minha irmã encarcerada. Encontrar neste mundo dos cárceres o amor de Deus é uma profunda experiência de Deus presente entre nós. Isso transformou a minha vida.
Fonte: Jornal O São Paulo/Daniel Gomes

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