Massacre em Altamira completa 5 anos: “ A luta por justiça continua”

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Neste dia 29 de julho completam-se 5 anos desde o Massacre de Altamira, segundo maior massacre em um presídio na história do Brasil, depois do massacre de Carandiru, que acarretou um total de 62 mortes. De acordo com o relatório publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), logo após o massacre, o Centro de Recuperação Regional de Altamira estava superlotado e tinha condições “péssimas”, abrigando 343 pessoas presas, apesar de ter capacidade para somente 163. 

O Padre Patrício Brennan atua na  Pastoral Carcerária de Altamira e, na época do massacre, acompanhou de perto familiares de pessoas presas no Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRA). Um familiar de uma das vítimas, na hora de identificar o corpo, relatou:  “Ele ficou sabendo. Fez bilhetes, mandou para a diretora do presídio, mas eles não ligaram”. Outros familiares relataram: “uma tristeza que eu vou levar pro resto da minha vida e com ódio no coração de saber que ninguém fez nada. (O governo do Estado do Pará) teve oportunidade de fazer, teve tempo de fazer (a polícia entrar no presídio para controlar a situação), e ninguém fez nada”. 

Após o massacre, a medida encontrada pelo poder público foi a inauguração apressada de um novo presídio no município de Vitória do Xingu,  40 km de Altamira, distanciando pessoas presas de seus familiares e, assim,  buscando apagar o massacre de Altamira

Diálogo sobre Sistema Prisional Brasileiro

O diálogo sobre o sistema prisional brasileiro é formado pelo resquício do pensamento colonizador e do racismo que, a partir da escravidão, possibilitou a estruturação da sociedade mediante a marginalização de pessoas negras e o abandono de políticas públicas efetivas que auxiliam a população negra no período pós abolição (BORGES, 2019). Nesse sentido, é importante destacar que o reflexo do sistema penitenciário brasileiro expõe constantemente as lutas que a comunidade enfrenta contra a seletividade penal, que é caracterizada pela criminalização de condutas praticadas, especialmente, por populações marginalizadas e pelas lacunas legislativas que afetam diretamente a população preta. 

De acordo com os dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais referentes ao segundo semestre de 2023, o estado do Pará totaliza 15.727 pessoas privadas de liberdade em celas físicas, entretanto, possui capacidade de vagas para apenas 13.528 pessoas presas. Na prática, essa informação indica que o estado possui  um déficit de 2.199 vagas no sistema prisional o que, por si só, reflete a crise enfrentada pela população paraense privada de liberdade. 

Ademais, os dados do sistema prisional brasileiro são fatores que norteiam a conexão de persistência do racismo e da seletividade penal na sociedade. Ao analisar as estatísticas disponibilizadas no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, vê-se que o Brasil totaliza 846.021 pessoas privadas de liberdade e, ao delimitar esse número em perfis, obtemos os seguintes resultados: cerca de 69,1% são pessoas negras e 29,7% são pessoas brancas. Diante desta perspectiva, é importante destacar que as políticas de encarceramento em massa afetam diretamente a população negra e refletem o histórico brasileiro de opressões por ela vivenciadas. Trata-se da  camada social que também possui a maior taxa de mortalidade por intervenções policiais em 2023: ao traçar um comparativo, observa-se que para cada grupo de 100 mil pessoas brancas, houve 0,9 mortes, enquanto entre os negros, a taxa foi de 3,5. O que esse dado representa, na prática, é que a morte de pessoas negras é 289% maior do que a taxa entre pessoas brancas. 

Em uma análise sobre os dispositivos legais brasileiros é evidente que o posicionamento do país perante aos acordos internacionais ainda encontra obstáculos para serem cumpridos. A título de exemplo o relatório “Vozes e Dados da Tortura em Tempos de Encarceramento em massa” , publicado pela Pastoral Carcerária Nacional em 2023, abordou as experiências de violências e de tortura no carcére brasileiro, verificando, no que tange as espécies de violações, que cerca de 116 (52,02%) dos casos relataram sobre agressões físicas – como chutes, socos, pauladas ou tiros. Assim, cumpre evidenciar que a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, na prática, não vê seus dispositivos executados de maneira efetiva, visto que as condições degradantes de aprisionamento perpetuam no país, assim como ocorreu no Massacre em Altamira. Nesse sentido, é importante discutir sobre a crise do sistema penitenciário brasileiro, conhecida pelos agentes da pastoral que vivenciam, rotineiramente, as violências perpetradas no cárcere e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 347.

Nessa toada, torna-se imprescindível tratar da Responsabilidade Civil do Estado mediante as omissões do Massacre em Altamira. Em sede de julgamento de Repercussão Geral da RE 841526, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu o entendimento de que “Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento”. Diante desta perspectiva, torna-se essencial a responsabilização civil do Estado pelas irregularidades cometidas, uma vez que o Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRA) não só protagonizou a morte trágica de pessoas presas, mas também evidenciou as inúmeras omissões que possibilitaram e expondencializaram a ocorrência do Massacre de Altamira – que, pela ausência de assistência para pessoas privadas de liberdade, rompeu com os seus compromissos segundo a Constituição Federal Brasileira em seu art.5º, XLIX  que garante o respeito, à integridade física e moral de pessoas encarceradas. Nesse sentido, os familiares das vítimas do Massacre em Altamira têm o direito de solicitar indenização ao Estado devido à falta de atuação das autoridades competentes em cumprir com o seu papel de zelar pela vida daqueles que vivenciam condições degradantes de aprisionamento.

Atualizações do Massacre em Altamira e Luta pelo desencarceramento

A Defensoria Pública do estado do Pará propôs  uma ação civil pública contra o Governo do Estado do Pará, em que indenizações aos sobreviventes e familiares das vítimas de Altamira foram definidas em acordo judicial.De acordo com a Defensoria Pública de Altamira, cada sobrevivente vai receber R$ 15 mil de indenização, enquanto que os familiares, como  pais, mães, esposas e filhos daqueles que foram mortos no massacre terão o direito a R$ 30 mil em indenização. É evidente que o sistema prisional brasileiro carrega acúmulos de violências, ausência de dignidade humana e, no limite, escancara as inúmeras opressões vivenciadas por toda população carcerária. Desta forma, faz-se necessário lembrar que a missão direcionada por Jesus em Mt. 25 diz: “Estive preso e você me visitou” reverbera em nossas atitudes como Pastoral Carcerária Nacional, baseadas na evangelização e promoção da dignidade humana por meio da presença de Cristo e da Igreja nos cárceres. 

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