Relatório federal apresenta retrato fiel sobre LGBTs nas prisões, mas peca quantitativamente

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Por Bruna Caetano

No dia 05/02, uma pesquisa inédita que expõe a situação de pessoas LGBT no sistema carcerário brasileiro foi lançada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) do governo federal.

Intitulado “LGBT nas prisões do Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, o documento coloca luz sobre como as violências do cárcere afetam gays, lésbicas, bissexuais e, sobretudo, transexuais e travestis.

O relatório aponta por exemplo que é comum que mulheres transexuais e travestis sejam enviadas para presídios masculinos, obrigadas a cortar os cabelos e usar roupas masculinas, além de não ter seu nome social respeitado. O documento também apresenta relatos de violências físicas, sexuais e emocionais.

Segundo Guilherme Gomes Ferreira, assistente social e coordenador do projeto Passagens – rede de apoio a LGBTs nas prisões, essas pessoas são potencialmente mais vulneráveis dentro da prisão.

São elas que sofrem com a seletividade penal de maneira mais intensa, pela dimensão de classe social, raça e gênero: “o tráfico de drogas é o que mais prende pessoas trans. Mulheres trans, travestis e mulheres cis estão na base do tráfico, e são as que mais imediatamente são presas.”

Ferreira avalia que o relatório retrata bem a situação dessas pessoas nas prisões, mas não contesta o encarceramento em massa, não se alinha à uma lógica abolicionista e apresenta algumas inconsistências. Uma delas é a afirmação de que lésbicas e homens transexuais não correriam risco em prisões femininas. O projeto Passagens entende que a violência acontece de maneiras diferentes, mas ainda acontece.

“Dizer que mulheres lésbicas e homens trans não correm riscos de violência nas prisões porque estariam ocupando o espaço do masculino na verdade é bastante estereotipado, do ponto de vista dos estudos de gênero.” Além disso, na opinião do assistente social, o documento mostra um retrato fiel da situação carcerária de pessoas LGBTs no quesito qualitativo, mas peca no quesito quantitativo.

Em relação à quantidade total de pessoas LGBTs presas, nem todas as unidades prisionais do país responderam o questionário para a elaboração do relatório. O total da população LGBT presa que consta a partir deste questionário documento é de cerca de cinco mil presos e presas; para efeito de comparação,  apenas no Estado de São Paulo a população LGBT encarcerada é de 5.680 pessoas, de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP).

O relatório apresenta ainda uma série de denúncias e depoimentos de violência, tortura e maus tratos, mas não deixa claro se foram encaminhadas para órgãos de defesas dos direitos humanos.

Direitos negados

Uma resolução publicada em 2014 prevê o respeito ao nome social, à escolha de roupas masculinas ou femininas, da manutenção dos cabelos compridos e celas ou alas separadas destinadas às pessoas LGBT. Esses direitos, contudo, são facilmente desrespeitados: de todas as unidades prisionais do país, apenas 106 possuem celas ou alas específicas.

Para Guilherme Ferreira, apesar de não ser suficiente, espaços específicos têm sido uma solução importante diante das violências sofridas sem a existência deles. No entanto, é comum que esses espaços também sejam usados como instrumento de controle penal, enfrentando maior precariedade, pondera.

Essas são as únicas políticas penitenciárias existentes para a comunidade LGBT, e as que existem para as pessoas em geral muitas vezes lhes são negadas. Espaços de geração de renda, acesso à escola e a religiosidade acabam sendo gerados por projetos de organizações e movimentos sociais e não pelo Estado.

Para além dos direitos que deveriam ser atendidos no cárcere, o projeto Passagens defende a importância da criação de uma estrutura de educação e sensibilização de trabalhadores penitenciários para lidar com questões de gênero e sexualidade, e no suporte aos egressos do sistema prisional no acesso ao trabalho.

“Não basta a gente criar resoluções e documentos orientadores se vão se negar a atendê-los se forem preconceituosos. A gente tem que trabalhar com a educação e direitos humanos, e não é algo de curto prazo.”

Apesar do lançamento inesperado do relatório, Guilherme diz não ter esperanças de que as informações coletadas sejam transformadas em políticas públicas, muito pelo contrário. Ele acredita que a realização do documento se trata de uma estratégia política e de marketing para construir uma imagem simpatizante da causa LGBT.

“Quando nós visitávamos as cadeias pelo projeto Passagens, nós ouvíamos muitos policiais e trabalhadores penitenciários ameaçando e aterrorizando os presos – antes do governo Bolsonaro – de que eles teriam que se preparar para o que vinha. Ou seja: de que a vida deles ia piorar ainda mais. Uma ameaça que se confirma.”

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