Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), temos hoje 919.393 pessoas privadas de liberdade hoje. Conforme notícia do Extra Globo, em abril de 2020, eram 858.195 pessoas presas.
Durante a pandemia de Covid-19, a Pastoral Carcerária Nacional e diversos outros movimentos que lutam pela defesa dos Direitos Humanos se posicionaram, falando o que já se sabia: as prisões são incubadoras do vírus, e prender mais pessoas vulnera não só as pessoas que já estavam presas, bem como toda a sociedade. As prisões são lugares de alta circulação de pessoas, ainda que segreguem as pessoas ali privadas – idas e vindas de audiências, trânsito de funcionários, defensores, advogados, promotores e juízes, entre outros.
Ademais, as medidas tomadas pelo Poder Público – como suspensão de visitas e dos alimentos e materiais de limpeza e higiene fornecidos por familiares -, conforme a Carta Aberta publicada pela Pastoral em março de 2020, foram “tomadas mais para responder ao pânico social que a disseminação do vírus tem causado do que garantir que os presos de fato não sejam contaminados.”.
À época da pandemia, quando pensava-se a Recomendação nº 62/2020 do CNJ, o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse em entrevista ao jornal Folha de São Paulo: “não podemos, a pretexto de proteger a população prisional, vulnerar excessivamente a população que está fora das prisões”.
Segundo a matéria do Extra, foi também o Pacote Anticrime idealizado por ele e pelo Ministro Alexandre de Moraes que ajudou a impulsionar o número de pessoas presas. A socióloga Ludmila Ribeiro, entrevistada pelo jornal, estima que em dois anos estaremos com 2 milhões de pessoas em privação de liberdade no país, devido às alterações da Lei.
Segundo o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que reflete dados de 2018 e 2019, o percentual de pessoas negras (pretas e pardas) no sistema prisional brasileiro é de 66,7%. Não é de hoje que se fala em seletividade penal. Não é de hoje que se vê casos em que ela opera.
Genivaldo, morto pela polícia rodoviária de Sergipe asfixiado em uma câmara de gás improvisada no camburão, foi abordado porque estava dirigindo sem capacete. O presidente Jair Bolsonaro, nas motociatas realizadas com o aparato financeiro do Estado, é frequentemente fotografado sem o uso do equipamento ou usando capacetes inadequados.
O Anuário, ao analisar os números, faz o paralelo entre as pessoas que são encarceradas e aquelas que são mortas (pelo Estado ou em situação particulares): “Historicamente, a população prisional do país segue um perfil muito semelhante aos das vítimas de homicídios. Em geral, são homens jovens, negros e com baixa escolaridade.”
As pessoas que estarão no número estimado por Ludmila seguirão a mesma lógica: massivamente negras, jovens e pobres. Porque a Justiça Criminal em seu cerne é racista e classista.
Ainda, a Recomendação nº 78/2020 do CNJ, assinada pelo Ministro Luiz Fux e que recrudesceu as medidas desencarceradoras da nº 62, tinha como uma de suas justificativas que “o Estado brasileiro não pode retroceder no combate à criminalidade organizada e no enfrentamento à corrupção”.
Alardeou-se que colocar em liberdade pessoas encarceradas e/ou prender menos pessoas – como por exemplo, diminuir as decisões de prisões preventivas ou aplicar medidas alternativas à prisão para crimes cometidos sem violência – seria justificar uma pandemia de criminalidade, para dirimir os efeitos de uma pandemia de saúde.
Contudo, conforme a matéria do Extra, o número de pessoas presas nesse período equivale à população total de cidades como Mirassol (SP), Floriano (PI) ou Barra do Garças (MT). E a sensação de segurança aumentou? Dentro de sua casa, andando pelas ruas, você sente que você e sua família estão em segurança?
Chegar a casa de 1 milhão de pessoas presas ajuda em algo para nos sentirmos livres e em segurança? Ou só traz dor e sofrimento para essas milhares de famílias que perdem o contato com seus entes e para as pessoas que estão presas em lugares superlotados, úmidos, sem ventilação e estruturalmente torturantes?
O discurso da falsa segurança do Judiciário é também reforçado nos recentes discursos proferidos por diversos candidatos neste ano de eleições; a falsa pauta da Segurança Pública é apenas uma das façanhas do Estado para justificar o encarceramento em massa e o sistema punitivista.
Nunca houve de fato uma segurança para aqueles que estão dentro do cárcere, e a pandemia só reforçou o total descaso com a saúde e o cuidado daqueles que cotidianamente sofrem dentro da prisão.
O número estratosférico de pessoas seletivamente encarceradas e a violência produzida pelo sistema penal em pessoas jovens, negras e marginalizadas – incluindo aqui a memória de Genivaldo, de Moïse Kabagambe e de todas as pessoas assassinadas pela polícia, pelos jagunços do capital e pelos demais agentes do Estado – revelam os dois pilares fundamentais do racismo que estrutura nossa sociedade. É através do encarceramento em massa, traduzido pelos números do CNJ e da violência estatal, que o capitalismo se mantém de pé, com todas as suas estruturas de desigualdades, exclusões e torturas.
A Pastoral Carcerária Nacional vê com preocupação essa sanha punitiva do Estado há muito. Neste ano de eleições, em que temos o crescimento de candidatos que usam a pauta da segurança pública para se eleger e depois nada fazem – ou só pioram o cenário com mais leis e propostas punitivas, como a construção de novas prisões, o que só aprofunda o encarceramento em massa – esta preocupação só cresce.
Você vai ajudar a eleger pessoas que em nada melhoraram o sentimento de segurança? Que encarceram famílias inteiras? Que são responsáveis por milhares de mulheres que choram a dor de perder um filho?
A luta anticárcere vem muito antes das eleições e permanece depois delas. Mesmo em governos tidos como progressistas, o encarceramento de pessoas negras e pobres aumentou. Contudo, em um ano de eleição, é preciso questionar aqueles e aquelas que estão nessa corrida pelo Poder sobre o que vão fazer para alterar esse sistema capitalista e punitivo que chamamos de Brasil.