Por Caê Vasconcelos
Da Ponte Jornalismo
A Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) enxerga os familiares de presos do sistema prisional do Amazonas como “influenciados por grupos criminosos. Em um comunicado divulgado nas redes sociais, a pasta informou que está usando o Dipen (Departamento de Inteligência Penitenciária) para “monitorar” uma manifestação dos familiares.
Para Fabio Candotti, membro da membro da Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas, o comunicado da Seap é uma tentativa de intimidação “num momento repleto de violações de direitos, tanto de pessoas presas quanto de suas familiares”.
“No Brasil, a criminalização de familiares de pessoas presas não é novidade. São, afinal, as pessoas que se mobilizam para denunciar o que as administrações do sistema carcerário tenta esconder. A publicação de um comunicado como esse tem como efeito reiterar essa criminalização junto ao restante da sociedade”.
“Imagine se nós, da sociedade civil, emitíssemos uma nota dizendo que estamos monitorando a influência de grupos criminosos na administração penitenciária. Seríamos processados, certo?”, questiona.
Candotti aponta que o monitoramento reflete uma cultura de perseguição política aos familiares e uma confusão de papéis criada com a ascensão da Polícia Militar à Administração Penitenciária no Amazonas.
“Como uma instituição que se apresenta em ‘guerra contra o crime’, que se volta ao encarceramento, que é reconhecida por violações de direitos de pessoas pobres, negras e indígenas, pode receber a função de cuidar dos direitos das pessoas presas e suas familiares? A consequência é uma administração com características policialescas e militares”.
A manifestação citada pela Seap, afirma a Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas, ainda não tinha data nem horário marcados, estava apenas sendo discutida pelos familiares.
Por dentro do sistema amazonense
Fabio Candotti conta que a situação do sistema prisional do Amazonas é terrível. “A administração tem um marketing excelente. Parece que não falta nada dentro das unidades. Mas, pessoas presas, sobreviventes e familiares relatam torturas físicas e psicológicas sistemáticas”.
“Nas últimas semanas, familiares têm denunciado os obstáculos colocados para as visitas aos seus parentes. Há uma quantidade imensa de mulheres que são barradas pelo suposto aparecimento de ‘manchas’ no bodyscanner. Por conta disso, elas ficam mais de 12 horas de jejum para não dar esse problema. E não podem levar alimentos na visita. Se o parente preso não guardou comida, ficam sem comer o dia todo”.
Em relação à pandemia do coronavírus a situação também não é boa. Segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), que monitora os casos de coronavírus no Brasil, até o dia 9 de outubro, o estado tinha 217 confirmações de infecção pela Covid-19 e um óbito. Mas essa não é a realidade.
“A Seap passou cinco meses dizendo que não precisava aplicar testes nas prisões de Manaus, porque não tinha aparecido um caso ‘suspeito’ sequer. São 5 mil pessoas presas em celas superlotadas e com diversos problemas de saúde, dentre os quais gripes são absolutamente comuns”, critica Candotti.
“Eles receberam 1.200 testes do Depen, em junho, e, até agora, não temos notícia de aplicação. Até hoje aparece somente um único caso de Covid-19 confirmado nas unidades masculinas. Recentemente apareceram seis nas unidades femininas. Com a volta das visitas familiares, presos falaram que muita gente lá dentro teve sintomas”.
Candotti aponta que a Defensoria Pública apresentou à Frente pelo Desencarceramento quatro certidões de óbito entre março e maio nas unidades de Manaus, capital do Amazonas, em que as causas de morte estavam apontadas como AVC, insuficiência respiratória e “causa indeterminada”.
“Infelizmente, o Ministério Público, a VEP [Vara de Execução Penal] e a própria Defensoria Pública não fazem direito o seu papel de fiscalização. Faz quase dois meses que pedimos informações sobre Covid-19 e óbitos e não obtivemos qualquer resposta desses órgãos”.
O que diz a Seap
Em nota enviada à Ponte, a Seap informou que o “monitoramento se dá através do trabalho do Departamento de Inteligência Penitenciária, que desde o ano passado já detectou e impediu a entrada de entorpecentes nas unidades prisionais, bem como a evitar fugas e rebeliões”.
A pasta também apontou que “as informações não têm o objetivo de criminalizar os familiares, e sim a ação de grupos criminosos que estariam fomentando uma manifestação no sentido de desestabilizar o sistema prisional”, assim como afirmou que “não impede a manifestação de familiares e está à disposição para eventuais reclamações por meio de sua Ouvidoria e dos órgãos de controle do Estado”. A reportagem procurou o MP-AM e a Defensoria do Amazonas, citadas pela Seap no comunicado, mas até o momento de publicação não obteve retorno.