Artigo: Saúde no cárcere e a urgência do desencarceramento

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias, Saúde no cárcere

Por José Coutinho Júnior*
Arte: Maria Ritha Paixão

O sistema prisional brasileiro é conhecido por suas diversas deficiências e problemas estruturais, como a superlotação, a violência, a falta de higiene e a precariedade do atendimento à saúde dos presos. Há um preconceito grande no tratamento da população carcerária enferma, pois “se o SUS mal consegue atender a população em geral, por que tem de atender os presos?”.

Essa lógica leva à negligência e falta de investimentos em unidades de saúde dentro das prisões e à falta de médicos e profissionais de saúde qualificados para lidar com as demandas específicas das pessoas encarceradas. Frequentemente, a população prisional é estigmatizada e marginalizada, o que leva a uma visão reducionista e estereotipada das suas necessidades de saúde.

Outro fator que agrava a situação é a própria dinâmica do sistema prisional, que muitas vezes desencoraja as pessoas a buscarem atendimento médico ou a relatar suas condições de saúde, por medo de retaliações ou represálias. Para se ter uma ideia, segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade das pessoas encarceradas é três vezes maior do que a da população em geral.

Um estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa em “Saúde nas Prisões” da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Fiocruz, analisou as causas de óbito no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (2016-2017).

Os resultados apontam que as doenças infecciosas foram responsáveis por 30% das mortes na população carcerária, seguidas pelas doenças do aparelho circulatório (22%), causas externas (12%) e as doenças do aparelho respiratório (10%). Dentre as infecciosas, destacam-se HIV/Aids (43%), tuberculose (40,7%) e septicemias (13%). 

É importante também salientar que o alto índice de pessoas presas com doenças infecciosas traz à tona a diversos outros problemas enfrentados por essa população, muitas vezes, a insalubridade e as condições precárias das celas e pavilhões facilitam e aumentam a proliferação de diversos insetos e parasitas causadores de doenças. 

Há também a realidade da precarização da alimentação distribuída dentro das unidades prisionais, as quais por muitas vezes, recebem marmitas com alimentos crus, azedos ou vencidos, o que resulta em uma série de problemas de saúde para as pessoas encarceradas. 

Diante desse cenário, é fundamental que o Estado adote medidas efetivas para garantir o acesso à saúde dos presos, que é um direito humano básico e que deve ser respeitado independentemente do status jurídico ou social das pessoas. 

Isso implica em investimentos em infraestrutura de todas as áreas das unidades, na qualidade da alimentação,  e equipamentos de saúde nas prisões, contratação de profissionais capacitados e sensibilizados para lidar com as especificidades da população prisional e a adoção de políticas de prevenção e promoção da saúde, que possam reduzir as doenças e os problemas de saúde mental dentro das prisões.

Mas  para além de tais políticas, é essencial que nosso horizonte seja pelo desencarceramento.

O cárcere em si é um ambiente adoecedor, estar em um espaço superlotado, sofrendo diversas violações, somado às péssimas condições de higiene, alimentação, adicionado à distância de toda sua rede de afeto, vai levar essa população a adoecer. É essencial também nos atentarmos ao adoecimento mental da população carcerária, a qual é agredida de inimagináveis formas diferentes dentro das unidades prisionais. 

Além disso, as doenças em si são usadas como ferramentas de tortura: durante a pandemia, a PCr Nacional recebeu relatos de que presos que não tinham contraído Covid-19 estavam propositalmente sendo colocados em celas com presos contaminados para pegarem o vírus.  O mesmo foi constatado recentemente no sistema carcerário do RN, onde presos com tuberculose foram colocados em celas com presos que não tinham a doença, como forma de punição. 

Não há uma solução simples para a questão da saúde no cárcere, mas a PCr Nacional, que está nos cárceres diariamente, enxerga que enquanto as políticas públicas relacionadas à prisão forem no sentido de mais punição, exacerbando o pior que já existe dentro do sistema, as prisões continuarão sendo uma máquina de morte, tortura e doença.

*: José Coutinho Júnior é jornalista e assessor de comunicação da Pastoral Carcerária Nacional

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