A Pastoral Carcerária e a vivência da CFE 2016

 Em Artigos, Igreja em Saída

CFE 2016 - cartaz 21 x 29,7
“Casa Comum, Nossa Responsabilidade”
Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016
I) Como vivenciarmos, neste ano, a Campanha da Fraternidade 2016?
Estamos iniciando mais um Tempo de Quaresma em nossa Igreja, em nossas vidas. Quaresma é tempo de jejum, oração, penitência e conversão. É tempo, também, de renunciar ao pecado individual e combater o pecado social.
A Igreja Católica no Brasil, motivada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, desde 1964 vem nos ajudando, a cada ano, por meio da Campanha da Fraternidade a vivermos melhor e efetivamente este tempo de conversão.
Em 2016, o tema da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) é “Casa comum, nossa responsabilidade”, com o lema bíblico apoiado em Amós 5, 24, que diz “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”, tendo o seguinte objetivo geral:
“Assegurar o direito ao saneamento básico para todas as pessoas e empenhamo-nos, à luz da fé, por políticas públicas e atitudes responsáveis que garantam a integridade e o futuro de nossa Casa Comum”.
Veja o vídeo abaixo:

Um dos papéis da religião é cuidar do bem-estar das pessoas. Amós alerta (Am 5, 21-27) que não é suficiente investir em belas e vistosas celebrações, garantir rituais caríssimos e atrair o público para as suas festas e cerimônias. As Igrejas devem assumir também o papel de educadoras das pessoas e comunidades, caminhando junto a elas, comungando de suas alegrias e tristezas, esperanças e angústias (cf, Gaudium et Spes), tendo em vista o bem comum.
“As religiões de matriz africana nos ensinam que, no universo, tudo tem vida, tanto as coisas orgânicas quanto as inorgânicas. Ensinam ainda que tudo está ligado a tudo, formando uma só unidade. Do Deus Criador, emana a sustentação de tudo. Aos elementos da natureza e seus fenômenos correspondem divindades que fazem fluir a vida e de quem nascem as criaturas humanas. O ar e a água ligam todas as coisas. Cuidar de cada pessoa, da natureza e das manifestações de vida é também cuidar de si mesmo. Tudo é um só corpo alimentado por ar e água” (CFE 2016, “Texto Base”, 46).
II) Realidade do Sistema Prisional brasileiro e o Saneamento Básico
 “As prisões brasileiras tornaram-se um amontoado de pessoas sem esperança de justiça e expectativas de ressocialização. São indivíduos ignorados pela sociedade, guardados em escaninhos escuros e esquecidos da consciência coletiva, relegados a prisões que em muitos casos mais se aproximam de masmorras da idade média[1]. São mais de 615 mil pessoas presas. Pretender que essa massa de pessoas não exista, que essa população carcerária seja somente um dado estatístico pálido e distante da nossa realidade, é perverso e ingênuo.
A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões um ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má alimentação das pessoas presas, ao sedentarismo ao qual são submetidas, ao uso abusivo de drogas, à falta de materiais de higiene, à falta de água potável, à falta de um adequado sistema de esgoto e ao não cuidado com o lixo, ao lado ainda de todo o estado sinistro da prisão, fazem com que as mulheres e homens presos que adentraram o cárcere numa condição sadia, de lá não saiam sem ser acometidos por doenças físicas ou psíquicas e com a suas resistências fragilizadas.
As pessoas presas adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões. As mais comuns são as doenças que atingem o aparelho respiratório, como a tuberculose e a pneumonia. Também é alto o índice da hepatite, de hipertensão e de doenças venéreas em geral, a AIDS por excelência. Além dessas doenças, há um grande número de presas/os portadoras/es de distúrbios mentais, de câncer, hanseníase e com deficiências físicas (paralíticos e semiparalíticos).
III) Como trabalhar a CFE 2016 com as Igrejas que fazem visitas aos presos e presas?
 Esta Campanha da Fraternidade é nossa, tem muito a ver com o nosso trabalho nos presídios. Por isso, é nosso dever realizar atos concretos de solidariedade como agentes da Pastoral Carcerária.
A Campanha da Fraternidade Ecumênica fortalece os laços e os espaços de convivência entre as diferentes Igrejas. O diálogo e o trabalho conjunto em favor do bem comum são ações e testemunhos importantes que podemos oferecer para a sociedade e para as pessoas presas. O primeiro passo é ir em direção aos nossos irmãos e irmãs cristãos: todas as pessoas comprometidas com a causa dos pobres – católicas, protestantes, evangélicas pentecostais, espíritas, outras religiões e até mesmo não crentes – para que juntos encontremos ações conjuntas que favoreçam o cuidado com a nossa Casa Comum e com cada ser da Criação. É fundamental, obviamente, avançarmos no diálogo inter-religioso junto às religiões tanto de matriz africana como orientais, nunca nos esquecendo das tradições e espiritualidades das populações indígenas.
Outros passos fundamentais: a) conhecer as pessoas que realizam assistência religiosa nos cárceres: quem são, o que pensam, o que fazem e como testemunham a sua fé; b) no encontro com essas irmãs e irmãos, demonstrarmos a preocupação que temos com o local onde habitam as/os encarceradas/os e onde trabalham as/os agentes prisionais.
Esta atenção em relação às instalações e condições das unidades prisionais é o que nos orienta a atuarmos coletivamente no acompanhamento e na elaboração de melhorias no saneamento básico dos presídios. Assim, devemos estimular e mobilizar todas as pessoas que realizam assistência religiosa nos cárceres no sentido de:
– Verificar a origem da água que abastece a unidade e as condições por das quais ela chega nas celas;
– Verificar se a água é potável. Para isso, é fundamental saber como se dá (e se ocorre) o cuidado com a caixa d’água: qual o periodicidade de limpeza; os cuidados para que se impeça da entrada de sujeiras, de insetos, de aves etc.; as condições da canalização da rua ou de represas próximas.
– Verificar e cobrar, nas unidades prisionais, o aproveitamento da água da chuva;
– Observar as condições de ventilação das celas. É necessário questionar: qual é a qualidade do ar que os presos e presas respiram? Há ventilação? Esse questionamento também é essencial em relação às demais dependências das unidades prisionais, como: seguro, enfermaria, castigo, regime de observação (RO), solitárias, inclusão, RDD. Este levantamento pode ser feito em conjunto com as pessoas das outras Igrejas, quando possível;
– Observar e exigir condições dignas em relação ao estado físico das celas: banheiro; infiltração de água no teto ou nas paredes; presença de percevejos, pulgas, baratas, ratos, sujeiras de pombos e fezes de ratos;
– Observar a estrutura do sistema de esgoto. Uma dica é saber se existe canalização do sanitário para a fossa;
– Saber como é o tratamento dado ao lixo: como é coletado? Onde os presos colocam o lixo e quando que ele é retirado? Há alguma forma de coleta seletiva ou de reaproveitamento do lixo? Há presas/os trabalhando na coleta de lixo?
Uma vez levantados estes dados, somos convidados a refletir e, juntos, realizar todos os encaminhamentos para as autoridades e órgãos responsáveis: diretor da unidade, a Defensoria Pública, promotor e Ministério Público, juiz corregedor, Conselho Nacional de Justiça, Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, cortes e comissões internacionais de direitos humanos.
IV) Como trabalhar a CFE 2016 com os presos e presas?
O cuidado com a Casa Comum passa, obviamente, pelo poder público. Ainda mais quando este é parte da engrenagem do atual modelo de desenvolvimento econômico, profundamente depredador e excludente. Ao mesmo tempo, como sujeitos, cuidar da Casa Comum também exige uma mudança profunda na forma como nos relacionamos com os recursos naturais. Temos que criar uma forma alternativa ao consumismo, à lógica do descartável e ao imperativo da desvalorização e coisificação da Criação. Cabe também a nós, agentes da Pastoral Carcerária, orientar os presos e presas sobre o cuidado com: o consumo da água, a limpeza da cela, o cuidado com o lixo, as sobras de alimentação, a poluição do ar. É fundamental, também, que as famílias das pessoas presas saibam como e onde encaminhar as solicitações por melhorias no saneamento básico das unidades prisionais.
V) Celebrar com as pessoas presas
Como estamos vivendo o Ano da Misericórdia, temos um tempo propício para motivar e mobilizar nossas comunidades para visitarem e estarem com os/as irmãos/ãs presos/as; ajudar a comunidade a realizar as Obras Corporais da Misericórdia, pedido feito pelo nosso Papa Francisco. É tempo de rezar, celebrar, promover momentos de confissão, de círculos bíblicos, e uma grande e bela celebração da Páscoa.
O Manual da CFE 2016 traz excelentes orientações e roteiros para atividades em grupo e para celebrações, como círculos bíblicos, encontros para reflexão e oração (“Fraternidade Viva” e “Jovens na CF”), via-sacra, celebrações ecumênicas e, em especial, a Celebração da Misericórdia (pag. 224 do Manual da CFE 2016).
VI) Agente de Pastoral Carcerária e a CFE 2016
Cada uma e cada um de nós, agentes da Pastoral Carcerária, também temos nossa responsabilidade pelo cuidado com a Casa Comum; temos o nosso compromisso como cristãos/ãs e cidadãos/ãs.
As responsabilidades são coletivas, porém diferenciadas: o poder público tem a tarefa em realizar as obras de infraestruturas, implementar o Plano Municipal de Saneamento Básico, garantir a limpeza do espaço público e fazer a coleta seletiva do lixo. Nós temos a responsabilidade, enquanto cidadãos e cidadãs, de cuidarmos do espaço onde moramos, de não jogar lixo na rua, de zelar pela manutenção dos equipamentos públicos e espaços coletivos, de cobrar os órgãos responsáveis pela qualidade do saneamento básico através de políticas que tenham efetiva participação das comunidades. Essas atitudes poderão nos aproximar do sonho do profeta que é o de “ver o diretor brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Amos 5,24). Temos, enfim, que ter clareza que se trata de uma “luta profética, pois questiona as estruturas que causam e legitimam vários tipos de exclusão: econômica, ambiental, social, racial e étnica” (CFE 2016, “Texto Base”, 4).

Padre Valdir João Silveira
Coordenador nacional da Pastoral Carcerária

[1] Estudos Penitenciários do King’s College da Inglaterra, http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI197374,81042-Sistema+Prisional+Brasileiro+A+busca+de+uma+solucao+inovadora

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