A convite do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, a Pastoral Carcerária Nacional participou da Audiência Pública sobre “Guerra às Drogas e o Encarceramento em Massa de Jovens Negros”, ocorrida na Assembleia Legislativa de São Paulo no dia 18 de junho. Por ocasião da Portaria CNPCP/MJSP nº 58/2024, foi instituído um Grupo de Trabalho para tratar da Política de Drogas e Encarceramento que propôs, no seu planejamento, a realização de cinco audiências públicas em diversas regiões do Brasil, escutando movimentos da sociedade civil e demais entidades públicas.
Os motivos pelos quais a Pastoral Carcerária defende a descriminalização do uso das drogas são amplamente conhecidos, divulgados e discutidos:
- Crimes relacionados à Lei de Drogas/ ou Lei sobre Drogas são responsáveis por um terço da população carcerária brasileira;
- Esse cenário afeta, de forma desproporcional, as mulheres;
- A política pública de drogas, no Brasil, não possui critérios claros para diferenciar o traficante e o usuário de drogas;
- Como resultado disso, quando se fala crimes relacionados à lei que trata das questões das drogas, o maior número de condenações é de pessoas negras.
O Brasil possui a terceira maior população prisional do mundo (832.295, contando as que estão no sistema prisional e aquelas sob custódia), sendo que 1 em cada 3 pessoas presas responde por crimes previstos na Lei de Drogas. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, por sua vez, mostram que até o ano passado 444.033 pessoas negras estavam encarceradas no País, o que representa 68,2% do total de presos. A partir desses dados, fica claro que a política de criminalização das drogas tem grande responsabilidade sobre o encarceramento em massa de jovens negros no Brasil.
Essa forma de abordagem, ao tomar a questão das drogas como assunto de segurança pública, permite a manutenção de uma política de encarceramento que se volta às pessoas mais vulneráveis (pobres, pretas e advindas de bairros periféricos) e, por consequência, assegura a manutenção da estrutura social, identificando corpos negros enquanto alvos passíveis de serem mortos, criminalizados e encarcerados.
No que tange às mulheres privadas de liberdade, a esmagadora maioria responde por crimes cometidos sem violência. Os dados do SENAPPEN indicam que, de 2000 até 2023, houve um aumento de cerca de 492% no encarceramento feminino. Esse acréscimo, por sua vez, está amplamente relacionado à Lei de Drogas (de 2006), já que mais da metade das mulheres privadas de liberdade no Brasil respondem por crimes de tráfico. Ademais, cerca de 65% das mulheres presas neste país se autodeclaram pretas ou pardas.
A política de drogas vigente no Brasil é marcada pela ausência de critérios claros para diferenciar o traficante do usuário de drogas, de forma a assegurar, precisamente, que ela possa ser instrumentalizada para embasar o encarceramento de homens e mulheres pretas. Percebe-se, portanto, que a descriminalização do uso de drogas extrapola os limites de um problema meramente jurídico, devendo ser enxergado enquanto questão social, religiosa e de saúde.
Durante a Audiência Pública o Exmo. Ministro de Justiça, Nelson Jobim, constatou que a política de drogas desloca o eixo da Justiça, à medida que aplica a pena como forma de vingança, sem qualquer interesse na sua suposta função ressocializadora. O caráter iminentemente e estruturalmente racista da política de drogas brasileira foi um ponto abarcado pelas falas de diversas organizações presentes. O advogado Joel Luiz Costa, Diretor Executivo do Instituto de Defesa da População Negra, apontou para a impossibilidade de se tomar o debate de política de drogas no Brasil enquanto uma questão de costumes, à medida que se trata de um instrumento de controle de corpos negros – política essa que constrói um imaginário do homem negro enquanto inimigo interno do Estado.
Nessa modo, a Ir. Petra, Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária, ressaltou a importância de ampla discussão na sociedade sobre o tema, com a divulgação das pesquisas e de dados que comprovadamente reforçam o fracasso da política penal perante a questão das drogas. Sua fala destaca que a discussão deve ser transversal, indo além de uma discussão jurídica e de segurança política, pois se trata de uma pauta que envolve a saúde, a economia, a sociedade e a religião.