Popularmente se ouve dizer que maio é o mês de Maria, outubro é o mês do rosário, os liturgistas falam que o tempo mariano por excelência é o Advento; eu me atrevo a dizer que o tempo de Nossa Senhora está entrelaçado constantemente com o caminho da comunidade cristã, da Igreja discípula missionária de quem Maria a Mãe de Jesus é modelo e imagem. Se ficarmos atentos podemos constatar que todos os meses nós temos uma ou mais dias dedicados a Virgem Maria (memória, festa ou até solenidade).
Papa Paulo VI quis concluir a Constituição Dogmática “LUMEN GENTIUM” com um inteiro capítulo dedicado A BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA MÃE DE DEUS NO MISTÉRIO DE CRISTO E DA IGREJA.
«Pois Maria, que entrou intimamente na história da salvação, e, por assim dizer, reúne em si e reflete os imperativos mais altos da nossa fé, ao ser exaltada e venerada, atrai os fiéis ao Filho, ao Seu sacrifício e ao amor do Pai. Por sua parte, a Igreja, procurando a glória de Cristo, torna-se mais semelhante àquela que é seu tipo e sublime figura, progredindo continuamente na fé, na esperança e na caridade, e buscando e fazendo em tudo a vontade divina. Daqui vem igualmente que, na sua ação apostólica, a Igreja olha com razão para aquela que gerou a Cristo, o qual foi concebido por ação do Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamente para nascer e crescer também no coração dos fiéis, por meio da Igreja. E, na sua vida, deu a Virgem exemplo daquele afeto maternal de que devem estar animados todos quantos cooperam na missão apostólica que a Igreja tem de regenerar os homens». (LG 65)
O tempo Pascal embora não fale diretamente da Mãe de Jesus, tem certamente a presença dela que é relatada pelos Atos dos Apóstolos:
“Todos eles, com algumas mulheres, a mãe de Jesus e seus parentes, persistiam unânimes na oração” (At 1,14).
O Papa Francisco quis fortalecer ainda mais o conceito de que Maria, a Mãe de Jesus é modelo e imagem da Igreja colocando no dia seguinte à festa de Pentecostes a Memória da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja que é admiravelmente tratada e sintetizada no prefácio da Festa:
Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, e na celebração da santa Virgem Maria engrandecer-vos com os devidos louvores. Acolhendo a vossa Palavra no coração sem mancha, mereceu concebê-lo no seio virginal e, ao dar à luz o Fundador, acalentou a Igreja que nascia. Recebendo aos pés da cruz o testamento da caridade divina, assumiu todos os seres humanos como filhos e filhas, renascidos para a vida eterna, pela morte de Cristo. Ao esperar com os Apóstolos o Espírito Santo unindo suas súplicas às preces dos discípulos, tornou-se modelo da Igreja orante. Arrebatada à glória dos céus, acompanha até hoje com amor de mãe a Igreja que caminha na terra, guiando-lhe os passos para a pátria, até que venha o dia glorioso do Senhor (Prefácio da memoria da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja).
O tempo pascal é o tempo da alegria, e a expressão de um tempo novo que começa com o primeiro dia da semana e que se coloca numa nova luz, a do ressuscitado. É nesta luz que queremos vivenciar algumas alegrias que estão no coração da mãe e a fizeram exultar de alegria.
1ª MARIA EXULTA AO OUVIR QUE ISABEL, A ESTÉRIL CONCEBEU E ESTÁ GRÁVIDA
“Como acontecerá isso, se eu não convivo com um homem? O anjo lhe respondeu: – O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te fará sombra; por isso o que nascer levará o título de Filho de Deus. Vê: Também tua parenta Isabel concebeu em sua velhice, e a que era considerada estéril já está de seis meses. Pois nada é impossível para Deus. -” (Lc 1,34-37)
Maria, menina da periferia ainda não se dá plenamente conta que o anúncio do anjo não é simples visão ou sonho, mas realidade. Ela precisa ouvir algo concreto, algo que faz parte de sua vida e de seus afetos: Isabel, prima dela, velha e estéril, concebeu faz seis meses, vai ser mãe de João, porque Deus é misericordioso e ouviu o grito de Zacarias, o sacerdote que não acredita e fica mudo, mas a quem é preanunciado que ele o encherá de gozo e alegria desde seu nascimento. Ouvindo isso, ela se levanta e parte enfrentando a viagem até à serra para chegar a casa de Zacarias, onde saúde Isabel que ao ouvir sua voz proclama com voz forte: – bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu ventre… Feliz és tu que creste, porque se cumprirá o que o Senhor te anunciou -. (Lc 1, 42.45)
Mesmo dentro do sistema penitenciário o anúncio de um nascimento ou de uma gravidez consegue mexer com a realidade tão cruel e torturadora como a do cárcere. Seja Isabel como Maria, farão a experiência de ser mãe de um preso que é torturado e assassinado. No entanto neste momento a ação libertadora de Deus e de seu Espírito as faz exultar de alegria. Com todas as mulheres exultemos e alegremo-nos.
Com Maria e as marias digamos: Minha alma proclama a grandeza do Senhor, meu espírito festeja a Deus, meu salvador, porque olhou a humildade de sua serva e daqui para frente me felicitarão todas as gerações…
2ª MARIA EXULTA DIANTE DO SIM DE JOSÉ
“Maria, estava prometida a José, e antes do matrimônio engravidou por obra do Espírito Santo. José decidiu repudiá-la privadamente. Já tinha decidido quando o anjo do Senhor lhe apareceu num sonho e lhe disse – José, filho de Davi, não tenhas medo de acolher Maria como tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Quando despertou do sono, José fez o que o anjo do Senhor lhe havia ordenado, e acolheu sua esposa-.” (Mt1, 18.19b.20.24)
A lei do levirato é quebrada e José quer cumprir o que acontece neste casos, mandar embora sua noiva, mas, o quer fazer sem que Maria, a jovem que ama e com quem tem um projeto corra o risco de ser apedrejada e morta. Ele está decidido em cumprir o que a lei manda, mas na história entra o próprio Deus para lhe pedir algo que a lógica de um bom judeu não permitiria, quebrar a lei e ainda mais uma lei religiosa parte da própria tradição (o nosso direito canônico) para dar espaço a uma nova lei, àquela que abre ao novo, à promessa, ao Messias anunciado, prometido pelo profetas e agora encarnado na pessoa que mais ama, e que agora, mais do que nunca é a sua vida. Como não pensar na exultação de Maria, que em pouco tempo de repudiada se sente de novo amada, até mais intensamente do que antes.
Quando a mulher é presa, de norma acontece que é abandonada pelo marido, pelo parceiro, pela sua família e por todos os parentes. A mulher se encontra dentro de um sistema que pode ser comparado ao dragão do Apocalipse que, mesmo que não lhe tire a vida acaba levando-lhe tudo o que é mais precioso: os afetos familiares (marido, companheiro, filhos, pai, mãe, irmãos, irmãs, familiares). Além disso sofre todos os preconceitos religiosos que a condenam duplamente a uma pena que pesa e que grava sobre ela, muito mais pesada que a simples privação de liberdade.
Quantas vezes a visita de um familiar, de um pai, de uma mãe de alguém próximo gera uma grande alegria em Maria e nas marias que estão privadas de sua liberdade e que nestes momentos se sentem novamente acolhidas por suas famílias, reintegradas num círculo de afetos e relações que até então estavam quebradas e pareciam não ter mais voltas.
Com Maria e as marias digamos: Porque o poderoso fez proezas, seu nome é sagrado. Sua misericórdia com seus fiéis continua de geração em geração.
3ª MARIA EXULTA DANDO À LUZ O SEU FILHO PRIMOGÊNITO
“Estando eles em Belém, cumpriu-se a hora do parto, e deu á luz o seu filho primogênito. Envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura, pois não haviam encontrado lugar na pousada. Maria, porém, conservava isso e meditava tudo em seu íntimo” (Lc 2, 6-7.19)
José e Maria, que está para finalizar seus dias de maternidade e para dar a luz seu filho primogênito, se encontram em Belém, cidade do rei David, e de seu casado do qual faz parte José. Isso acontece por causa do recenseamento ordenado pelo imperador César Augusto, que cada um deveria se registar em sua cidade natal. Naturalmente o recenseamento é um instrumento de controle e um sinal de poder e domínio para com o povão, mas para o filho de Maria é José não tem lugar, espaço dentro a própria lei, ao ponto que ele nem é registrado. Fato é que ele é anunciado e acolhido para os que são considerados fora da toda a lei: os pastores.
No cárcere não tem espaço para a vida e o sistema carcerário fica incomodado com as novas vidas, quer privar as mulheres do direito à maternidade, os pais do direito da paternidade, os filhos do direito ao aconchego, ao colo paterno e materno. Por serem considerados fora da lei, ou infratores, continua-se punindo e violando direitos fundamentais, apesar de ter leis que garantam isso. Como é bonito ver a alegria de mães, avôs, mulheres privadas de liberdade, depois de uma visita dos filhos, dos netos. Elas ganham uma liberdade que nem os muros da cadeia podem conter. Mas muito de tudo quanto sentem e vivem guardam no seu íntimo.
Com Maria e as marias digamos: Seu poder é exercido com seu braço: Dispersa os soberbos em seus planos: derruba do trono os potentados e exalta os humildes…
4ª MARIA EXULTA PARA A VISITA DOS GENTIOS
“Aconteceu que uns magos do Oriente se apresentaram em Jerusalém perguntando: – onde está o rei dos judeus recém-nascido? Vimos surgir seu astro e viemos render-lhe homenagem. Ao ver o astro, encheram-se de imensa alegria. Entraram na casa, viram o menino com sua Mãe Maria, e, prostrando-se, prestaram-lhe homenagem. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram como dons ouro, incenso e mirra”. (Mt. 2,1-3. 10—11)
A cidade de Belém e seus habitantes não acolhem e nem percebem o fato extraordinário que aconteceu no meio deles, e de fato não tem lugar para o messias dentro da realidade de sua vida diária. Nem se dão conta dos sinais que vão acontecendo. São os de longe e de fora que conseguem enxergar o astro, o sinal que dá nova luz e que motiva a sair e procurar onde está o menino que nasceu por nós, o filho que nos foi dado sobre o qual está o Espírito de Deus.
Nas visitas aos cárceres como pastoral carcerária muitas vezes fazemos esta experiência de ser estas pessoas que vem de longe, de um universo distante e que como os três magos procuramos o menino recém-nascido, para quem não tinha lugar na corte dos reis Herodes, nas nossas Igreja e templos bonitos, em nossas casas. A falta de políticas públicas continua como outrora bem atual, excluindo, descartando, torturando, encarcerando e matando quem não entra nos parâmetros preestabelecidos pelo ídolo do consumismo. Por isso a casa onde encontrar Jesus é o cárcere, porque ele está lá, porque mais uma vez não tem lugar para ele entre nós. E este encontro é para nós e para eles motivo de muita alegria.
Com Maria e as marias digamos: Cumula de bens os famintos e despede vazios os ricos.
5ª MARIA EXULTA AO ENCONTRAR O MENINO JESUS NO TEMPLO
“Ao terminar a festa, enquanto eles voltavam, o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que os seus pais o soubessem. Pensando que estivesse na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre parentes e conhecidos. Não o encontrando voltaram a Jerusalém a procura dele. Após três dias o encontraram no templo, sentado no meio aos doutores escutando-os e fazendo-lhes perguntas. E todos os que o ouviam ficavam atônitos com sua inteligência e suas respostas. Ao vê-lo ficaram desconcertados, e sua mãe lhe disse: – Filho por que nos fizestes isso? Vê teu pai e eu te procurávamos angustiados. Ele replicou: por que me procuráveis? Não sabeis que eu tenho de estar na casas de meu Pai? – eles não entenderam o que lhes disse. Desceu com eles , foi a Nazaré e continuava sob sua autoridade. Sua mãe guardava tudo isso em seu íntimo-”. (Lc 2,42-51)
Maria como José sabem perfeitamente que aquele filho, agora com 12 anos não mais lhe pertencia, sobre ele pairava um sonho, uma promessa-aliança entre Deus e seu povo. Que dureza e que dor provocava saber, e aos poucos tomar consciência que um dia àquele filho não voltaria mais para casa e tomaria outro rumo e caminho. E que alegria agora tê-lo reencontrado e com ele voltar para a casa de Nazaré esquecendo a dureza e a ansiedade das horas, dos minutos, dos passos daquela volta a Jerusalém, e saborear ainda por algum tempo da sua presença acompanhando seus passos e seu crescimento.
O maior desejo de uma mãe privada de liberdade é poder reencontrar, abraçar, ficar com o filho. E como muda o teor da jornada, o clima da cadeia com a visita de um família, com a visita de um pai, de uma mãe e particularmente de um filho a quem a mulher por sua natureza se sente visceralmente ligada. Não existe presente melhor e maior por uma mãe que a proximidade, o abraço e o amor do filho ou de uma filha.
Com Maria e as marias digamos: socorre Israel seu servo, recordando a lealdade…
6ª MARIA EXULTA AO ENCONTRAR O RESSUSCITADO
“Ao entardecer desse dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam com as portas fechadas, por medo dos judeus. Jesus chegou e pôs-se no meio e lhes diz: – A paz esteja convosco! – Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos se alegraram ao ver o Senhor”. (Jo 20,19-20)
Nesta tardezinha deste dia de Páscoa, após uma semana turbulenta, os discípulos, e certamente com eles as mulheres e a própria Mãe de Jesus, estão trancados em casa com medo e com bastante desanimo pelo acontecido. Imagino quais poderiam ser seus sentimentos, e qual poderia ser a dor de uma mãe e com ela das mulheres pensando num filho morto e colocado num tumulo sobre uma pedra fria. Como desejariam tê-lo nos seus braços e poder olhar e acalentá-lo para lhe devolver a vida de novo. E de repente, o que parecia ser um simples sonho se torna realidade – Ele chega e se coloca no meio deles – que alegria de ter explodido dentro de Maria ao ver que seu filho, anúncio e promessa de Deus está vivo e a morte não tem mais poder sobre ele.
Saber que seu filho está vivo, mesmo se privado de liberdade, é para uma mãe um alívio grande. Surpreende todas as vezes que encontramos as mães nas visitas, nas longas fileiras diante das entradas das penitenciárias, perceber que mesmo naquele contexto dolorido, sofrido, há no fundo do coração de cada uma a alegria de poder encontrar e estar com o seu filho, tendo em seu coração àquela teimosa esperança que o dia, aquele primeiro dia da semana virá, e então será alegria plena e para sempre.
Com Maria e as marias digamos: prometida aos nossos antepassados, em favor de Abraão e sua descendência para sempre.
7ª MARIA EXULTA NO PENTECOSTES
“Quando chegou o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos. De repente veio do céu um ruído, como de vento de furacão, que encheu a casa onde se alojavam. Apareceram línguas como de fogo, repartidas e pousadas sobre cada um deles. Encheram-se todos do Espírito Santo, e começaram a falar línguas estrangeiras, conforme o Espírito Santo lhes permitia expressar-se”. (At 2,1-4)
O Espírito Santo é o sinal da grande alegria. Ele transforma a vida de Maria e de José, mas também a vida dos discípulos que de medrosos, calados, se tornam alegres e dinâmicos anunciadores de uma notícia que vale mais do que ouro, de qualquer pedra preciosa, porque ela tornou-se o coração de suas vidas e da vida de própria comunidade. Maria certamente exulta ao ver que a comunidade nascida de suas entranhas e do coração de seu filho agora é a imagem do novo povo de Deus que caminha rumo ao Reino, expressão de uma nova humanidade.
Com Maria e as marias cantemos exultando:
Mãe do Céu Morena
Senhora da América Latina
De olhar e caridade tão divina
De cor igual a cor de tantas raças
Virgem tão serena
Senhora destes povos tão sofridos
Patrona dos pequenos e oprimidos
Derrama sobre nós as tuas graças
Derrama sobre os jovens tua luz
Aos pobres vem mostrar o teu Jesus
Ao mundo inteiro traz o teu amor de mãe
Ensina quem tem tudo a partilhar
Ensina quem tem pouco a não cansar
E faz o nosso povo caminhar em paz
Mãe do Céu Morena
Senhora da América Latina
De olhar e caridade tão divina
De cor igual a cor de tantas raças
Virgem tão serena
Senhora destes povos tão sofridos
Patrona dos pequenos e oprimidos
Derrama sobre nós as tuas graças
Derrama a esperança sobre nós
Ensina o povo a não calar a voz
Desperta o coração de quem não acordou
Ensina que a justiça é condição
De construir um mundo mais irmão
E faz o nosso povo conhecer Jesus.