O relatório de inspeções das unidades prisionais paulistas, publicada pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), no dia 2 de outubro de 2024, voltou a apontar as diversas formas de violência e violações de direitos vivenciadas por pessoas privadas de liberdade. No que se refere especificamente às pessoas presas provisoriamente, é importante ressaltar que esses indivíduos têm a sua inocência assegurada constitucionalmente (art. 5º, LVII da CF). Contudo, não obstante sequer terem uma condenação definitiva, são submetidas a todas as práticas de tortura existentes no cárcere.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2024, considerando o total de pessoas privadas de liberdade no sistema prisional estadual e federal do Brasil, no ano de 2023, o país atingiu a marca de 208.882 pessoas encarceradas provisoriamente, o que representa 24,5% da população carcerária total, incluindo homens e mulheres. Na prática, esse dado revela a crescente normalização de uma política de encarceramento em massa, sendo um resquício da estrutura opressora do Estado.
Diante da perspectiva opressora supracitada, é crucial pontuar que tal ação se manifesta pelas condições degradantes de aprisionamento às quais as pessoas presas são submetidas de modo recorrente nas unidades prisionais brasileiras. De acordo com o relatório do MNPCT, as espécies de torturas perpetradas pelo Estado são diversas, indo desde a violação de direitos básicos para sobrevivência, como assistência à saúde e alimentação, até violações dos direitos dos familiares em manter contato com seus entes queridos. Isso, a princípio, não cumpre o que é disposto no rol de garantias e direitos fundamentais da Constituição de 1988 e também da Lei de Execução Penal de 1984, que dispõe, nos artigos 40 a 43, sobre os direitos que devem ser assegurados pelo Estado, que tem por objetivo respeitar a integridade física e moral das pessoas encarceradas.
Dentre as inspeções realizadas pelo mecanismo em diferentes unidades prisionais do estado, ressaltam-se as condições verificadas no Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha. Em que pese sejam denúncias esperadas em espaços de privação de liberdade brasileiros – alimentação insuficiente, com pedras e em condições impróprias para consumo; celas mofadas, escuras e sem ventilação de ar; negligência na prestação de assistência à saúde; entre outros -, chama a atenção o fato de os alvos de tamanhas violações serem mulheres e pessoas trans em prisão provisória – ou seja, indivíduos extremamente vulneráveis que sequer foram condenados.
No mais, o relatório do mecanismo traz a informação de que as pessoas presas no estado são submetidas a trabalho escravo, com relatos de remunerações de R$7,00 por um mês inteiro de trabalho. Na prática, essa informação apenas reitera que o sistema de justiça criminal brasileiro, em especial o sistema penitenciário, nada mais é do que uma continuidade da história brasileira: corpos jovens, negros e de periferia seguem sendo escravizados, privados de sua liberdade e submetidos a torturas típicas e estruturais.
A ausência de dignidade humana no cárcere brasileiro é um reflexo notório de que as políticas de encarceramento em massa não são soluções eficazes para a manutenção e dever do Estado em cumprir com os preceitos essenciais para a garantia de direitos fundamentais. Ao contrário, com a perpetuação da tortura no cárcere brasileiro o poder Estatal opera em meio a uma ilegalidade institucionalizada, como já reconhecido pela ADPF 347 que “Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro”, motivado pelas violações massivas de direitos de pessoas presas
Leia o relatório na íntegra: https://mnpctbrasil.wordpress.com/wp-content/uploads/2024/10/relatorio-sp_2024.pdf