Tortura e Gênero: Desafios e Realidades Vivenciadas do Cárcere

 Em Combate e Prevenção à Tortura, Notícias

Ao se tratar de tortura no sistema prisional, é imprescindível voltarmos nossa atenção às especificidades a que mulheres privadas de liberdade são submetidas, uma vez que diversas torturas e violações de direitos do cárcere são generificadas. A maternidade, a gestação, o puerpério e a pobreza menstrual são apenas alguns dos fatores que acarretam maior vulnerabilidade às mulheres cisgênero privadas de liberdade. No mais, proibições atreladas à performatividade de gênero, desrespeitos à autodeclaração de determinada identidade e abandono afetivo e material são violências que acometem, majoritariamente, as mulheres trans.

O relatório das vistorias nas unidades prisionais paulistas, elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em 2 de outubro de 2024, fundamenta e materializa as inúmeras violências contra mulheres, homens e a população LGBTQIAPN+ privadas de liberdade no estado de São Paulo (SP), que são vítimas das condições degradantes aprisionamento e das políticas de encarceramento desumanas perpetuadas pelo Estado brasileiro. Nesse sentido, no que tange o sistema prisional paulista, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2024, aponta que existem 189.839 pessoas presas do sexo masculino e 8.865 do sexo feminino no estado de SP, e entre o total de pessoas presas no estado 82,6% são de pessoas encarceradas condenadas e 17,4% são provisórias. 

Diante dos dados do Mecanismo, é válido ressaltar que o relatório proporciona uma nova perspectiva em como o Estado Brasileiro torna o cumprimento de pena em um contínuo e eterno castigo que “justificaria” a falta de estrutura básica para sobrevivência de mulheres no cárcere. Entre as inúmeras inspeções realizadas, a Penitenciária Feminina de Tupi Paulista, a estrutura das alas/celas são degradantes, como falta de pinturas, paredes deterioradas e além disso o banheiro apresenta mofo, pinturas inacabadas, pia para higiene pessoal diária quebrada e vaso sanitário solto, sujeitando mulheres privadas de liberdades a uma vulnerabilidade ainda maior no cárcere, além disso, foi narrado que as pessoas presentes na unidade prisional tomam banho frios. 

No Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, foi apontado que as celas e alas de segurança apresentam estruturas insalubres, como infiltrações, fiação elétrica exposta, mofo e tintas descascando, além de dificuldades recorrentes para lavar roupas. O relatório demonstra que as mulheres encarceradas na ala de segurança lavam suas roupas dentro das celas e as penduram para secar em varais improvisados no corredor da ala.

As práticas cruéis direcionadas a mulheres privadas de liberdade envolvem desde a proibição do uso das roupas íntimas adequadas à sua identidade de gênero (posto que mulheres trans são impedidas de usar calcinhas, enquanto homens trans são obrigados a vestí-las), até o encarceramento de seus/suas filhos (que são depositados em “berços” que se assemelham a celas). Seus corpos são cotidianamente violentados, seja pela prática de revistas íntimas vexatórias, seja por  violências sexuais, seja por por empecilhos colocados à sua performatividade de gênero.

O relatório o Mecanismo demonstra, novamente, que o sistema de justiça criminal foi feito por e para pessoas brancas. A política criminal do Estado volta seus olhos àquelas vidas de “menor valor”, autorizando a prática de violência contra esses corpos. Assim, pouco importa ao Estado se aquela mulher é mãe, está grávida ou tem algum problema de saúde: ela é apenas mais um corpo matável.

Leia o relatório na íntegra: https://mnpctbrasil.wordpress.com/wp-content/uploads/2024/10/relatorio-sp_2024.pdf 

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