A Campanha da Fraternidade de 2024 abordou o instigante tema da Fraternidade e Amizade Social, em tempos de polarização, em que a dialogicidade anda buscando costuras em fios tênues. A individualização e a criminalização do outro quando este é diferente e discorda do meu pensamento, colocaram na CF o termo “Síndrome de Caim”, por apontar as agressões e ameaças que permeiam as relações sociais, o tempo do cancelamento do outro, que também é uma forma de eliminá-lo.
Diante de um dado nada feliz que coloca o Brasil como o país com a terceira maior população carcerária do mundo, aproximando-se de um milhão de pessoas presas. A CF de 2024, infelizmente, não expressou em toda sua abordagem no contexto do Evangelho de Mateus 23,8: “Somos todos irmãos e irmãs”, esta população e suas famílias. Em dois momentos, o Texto Base aponta como ação a proposta da implementação da Justiça Restaurativa e as Escolas de Perdão e Reconciliação – ESPERE, que são ações trabalhadas na sua maioria pelos agentes da Pastoral Carcerária dentro do sistema prisional nos lugares onde esses espaços são possíveis.
A inimizade social, o preconceito e a criminalização, o ódio disseminado, no termo dos mais torpes que possam haver do “bandido bom é bandido morto”, causou uma indiferença ao sofrimento diante das tantas torturas que passa a população encarcerada no Brasil. Tão semelhante ao que Caim responde ao Senhor: “Por acaso sou eu guarda do meu irmão?”, enquanto é ele o assassino do seu irmão, logo Deus não o matou, nem o torturou como punição. Vimos nas Palavras Sagradas que a lógica de Deus Pai não foi a pena de morte, dando assim a possibilidade de Caim rever sua vida, construir uma nova história, um novo caminho. Isso mostra que Deus sempre acredita no ser humano, Deus acredita que as pessoas podem mudar seu modo de ser. E Deus é o Pai que perdoa e ama incansavelmente.
Neste contexto, pensar no número de pessoas presas deveria ser uma pergunta de todos e todas: onde estão suas famílias, que não os vemos e não conhecemos quem são? Essas famílias estão na Igreja Católica também, nas paróquias e comunidades, mas pelo medo e pavor da violência e preconceito que sofrem, eles não falam o que está acontecendo em sua casa, assim não têm como falar de seu sofrimento e não têm coragem de pedir ajuda. Mas eles estão entre nós e não sabemos, e nossa forma de agir impede-lhes de falar. E se de fato somos todos irmãos, se queremos construir uma sociedade que seja fraterna, acolhedora, de escuta, samaritana que vai ao encontro do caído, é tempo de alargar o olhar, pessoal, social e comunitário-pastoral. Essa população imensa, uma verdadeira metrópole de mulheres, jovens e homens que se encontram atrás das grades, sofrem horrores inimagináveis, muito além da condenação que lhes impõe a pena de estar privado de liberdade. Nesta condenação estão suas famílias que a cada dia são condenadas nestes espaços e também pela sociedade, em nossas comunidades. Quem tem coragem de dizer: “Meu filho, meu irmão ou minha mãe estão presos”, se as conversas das pessoas que participam nas Comunidades sobre as pessoas presas são sempre preconceituosas, condenatórias e repulsivas?
É neste contexto que somos chamados a construir relações de amizade, buscando conhecer as famílias de nossas comunidades indo-lhes ao encontro, com visitas, escutando-lhes, para que haja possibilidades de construir laços de confiança. Sem falas condenatórias ou defensoras de torturas, de modo que possam partilhar de suas dores, sem julgamento e condenação, vendo suas necessidades e buscando modos de envolver a comunidade para que de forma respeitosa ajude a lhes garantir acesso a direitos mínimos de subsistência. Na solidariedade e misericórdia, diante desta dor de tantas mães e pais, tantos filhos ainda crianças e adolescentes que têm irmãos, sua mãe ou pai, quando não os dois, presos. São nossos irmãos e irmãs, filhos de um mesmo Pai que é Deus.
“É tempo de alargar nosso olhar e nossos braços, as estacas de nossas tendas, sair de nosso meio e comodidade e ir ao encontro, estendendo-nos para a direita e à esquerda, para escutar, acolher num abraço acalentar-lhes as feridas, dores tão latentes nas famílias que têm seu ente preso” (parafraseando Isaías 54:2).