Mulheres presas no Quênia contam suas histórias

 Em Mulher Encarcerada, Notícias

Por José Coutinho Júnior*

A situação das mulheres presas no Quênia não é fácil. Assim como no Brasil, as mulheres são as principais vítimas de uma estrutura patriarcal, que as envia para a prisão por não “cumprirem seu papel social como mulheres”.

É o que avalia Heidi Ann Cerneka, que viveu um ano no Quênia, visitando prisões femininas no país e entrando em contato com as mulheres presas e suas histórias.

Em visita ao Brasil no final de 2018, Heidi conversou com o site da Pastoral Carcerária sobre a sua experiência no Quênia e contou cinco histórias de mulheres que estão no cárcere.

Temas como as mulheres serem culpabilizadas por um crime cometido pelos homens da família, ou ficar presas muito tempo, mesmo já tendo cumprido a sentença – fruto da não existência de uma defensoria pública no país, que cria uma série de ilegalidades e incertezas no sistema carcerário, são motivos que se repetem.

 

Leia abaixo algumas histórias:

S.

S. é de Burundi. Ela passava pelo Quênia a caminho da Arábia Saudita. Ela tinha um passaporte e visto legítimos, mas ela e uma amiga foram paradas pela polícia. Os policiais exigiram suborno para deixá-la ir. Ela recusou, e foi presa e indiciada por presença ilegal no país.

Não há defensores públicos nesse país. Imagine uma mulher jovem, estrangeira, na corte, intimidade pelo juiz, pelo promotor…

Ela decide que é melhor se confessar culpada do que esperar um julgamento, que pode demorar e ser ruim para ela, já que o sistema funciona na base do poder, e ela não tem nenhum. Então mesmo com todos os documentos em ordem, ela confessa ser culpada (de nenhum crime) e é sentenciada a seis meses na prisão.

Após sua prisão, meus colegas advogados dizem que não há nada que eles podem fazer por S, pois ela disse que é culpada na frente do juiz.

R.

Hoje conversei um longo tempo com R. Sua sentença de sete anos termina no próximo mês. Ela chegou à prisão grávida e sua filha ficou com ela, dentro da cadeia, pro dois anos e meio.

Eu perguntei a ela o que ela achava dos comentários de outras presas de que a prisão não é tão ruim – que é como uma escola em período integral. R. respondeu que “talvez se tudo o que você quer é comida, um banho e dormir, então é ok. Mas se você é uma pessoa que pensa, é ruim. Se você está doente, você espera um longo tempo para ser tratada, e eles te dão qualquer remédio que eles tem, não importa a sua doença. Se você precisa ir ao hospital, você pode esperar dois anos antes de conseguir ir… Liberdade é muito importante. Se você não entra aqui, você não sabe disso”.

Perguntei a ela se ela conhecia pessoas dentro da prisão que tinham morrido por causa de problemas de saúde, e ela disse que “pelo menos dez desde que estou aqui morreram”

Ela também falou sobre as drogas que existem na prisão, o uso de celulares e as pessoas que tentam fugir. Se aqui fosse uma escola, como dizem, pelo menos você sabe que vai para casa de vez em quando. Existem intervalos, e é uma escolha estar lá. As pessoas que tentam fugir e são pegas apanham demais. O que motiva uma pessoa arriscar a levar uma surra? O desejo pela liberdade”

F.

Conheci F. depois de um guarda nos pedir para tentar ajudá-la. Ela vai para o aconselhamento mas não fala nada. O processo caso dela está em outro país, então não temos informações além do que ela nos conta, e a prisão não tem nenhum documento do caso dela.

Ela foi acusada de matar seu próprio filho, e está sentenciada à “prisão perpétua” ou “perdão presidencial”, ou seja, o presidente é a única pessoa que pode tirá-la da cadeia. Ela diz que não matou ninguém, que o marido e o pai cometeram o crime e colocaram a culpa nela.

A versão dela pode muito bem ser verdade, inclusive a maioria dos funcionários da prisão acredita na inocência dela. Esse é um país extremamente patriarcal. Ela está presa por mais de 10 anos, e disse que não tinha contato com nenhum familiar durante esse tempo todo. Nós conseguimos encontrar um irmão dela, que está do lado dela, e disse que vai ajudá-la na sua apelação para a corte e que vai visitá-la com frequência.

Uma das capelãs da prisão me disse que F. é quieta, triste, mas que quer tentar apelar à justiça.  “Eu acredito na inocência dela, tente ajudá-la”. F. também aparenta ter um atraso de desenvolvimento cerebral, mas isso também pode ser uma reação aos traumas que ela sofreu na sua vida.

ANN

Ann está presa por negligência infantil – mas a história dela é bem diferente. Ela disse que estava trabalhando na Arábia Saudita, enviando dinheiro ao marido, que concordou em cuidar das duas crianças deles.

Ele a sua família gastaram todo o dinheiro, e não queriam explicar no quê ele foi gasto ou devolver para ela, então a família conspirou para prendê-la. Não é a primeira vez que escuto uma história assim – e é muito possivelmente verdade.

L. 

L. claramente sofre de esquizofrenia. Ela está presa por surtos violentos ocorridos há 10 anos, por conta da doença, foi sentenciada ao “perdão presidencial” e levada a um hospital psiquiátrico. Ela foi tratada, e ao ficar estável, enviada ao presídio de segurança máxima.

A condição dela tem que ser reavaliada de dois em dois anos, e não está claro no processo dela se essa teve uma reavaliação durante todos esses anos. Conseguimos o contato de um irmão dela, que nos disse que a mãe de L. está tentando ajudar com uma apelação, e espera que ela possa voltar para casa. Ela diz que está muito melhor, mas se ninguém a defender, ela pode ficar presa para sempre.

*Relatos fornecidos por Heidi Ann Cerneka

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