A cidade de Caruaru recebeu membros da Pastoral Carcerária, egressos, egressas e familiares dos estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte para o I Encontro Sobre a Mulher Presa e Familiares do Regional Nordeste 2. O evento aconteceu dos dias 17 a 19 de novembro.
No primeiro dia, foram relatados as condições nas unidades prisionais de cada cidade. Em Pesqueira, por exemplo, há a unidade feminina de Buíque, que tem 110 vagas, mas hoje conta com 275 mulheres presas. Destas, cinco estão com HIV e duas com tuberculose, além de seis gestantes e três mulheres com crianças. Há uma padaria na unidade com itens para comprar, e quem comprar e não conseguir pagar em até 10 dias vai para o castigo; na unidade masculina de Pesqueira são 1200 homens para apenas 180 vagas, e a água que eles bebem é verde e cheia de bichos.
Na Paraíba, relatou-se o uso de tornozeleiras eletrônicas. Para utilizá-las, era preciso pagar um salário mínimo por mês, tendo que arcar com altos custos para o próprio monitoramento, e a equipe de Caiçara, município do mesmo estado, relatou que há muitos problemas no “manicômio judiciário”, onde não há qualquer tratamento adequado.
No dia seguinte ocorreram oficinas sobre diversos temas, como situação das familiares, tortura, saúde e maternidade e a questão LGBT.
Além de sofrer a dor da separação do familiar preso, as familiares passam regularmente por revista vexatória, o que causa vergonha e humilhações. Familiares relataram que não podem visitar os presos se estiverem menstruadas.
Além disso, houve relatos de agentes roubarem o que as famílias levam para seus familiares presos. E se o familiar reclamar, há punição para o preso.
Na oficina sobre tortura, analisou-se que a tortura começa no momento em que as mulheres chegam na prisão, pois a prisão é em si espaço de tortura. Em relação às torturas físicas, foram relatados diversos abusos.
Um dos exemplos é de que se uma mulher que tiver tatuagem for presa, ao chegar na unidade ela apanha; se houver discussão com os agentes, a resposta é spray de pimenta; de vez em quando durante a vistoria de noite, os agentes batem nas presas sem motivo algum e um relato afirmou que, depois de uma rebelião, diazepan foi colocado no café das presas, para elas dormirem durante todo o dia.
A tortura estrutural, que diz respeito às faltas de condições dignas dentro do cárcere, também se manifestou nos relatos. Muitas unidades não tem cama para todas dormir. As que dormem em colchonete no chão são acordadas às cinco horas da manhã: “vamo, bando de cachorra, vamo levantar”.
Elas são obrigadas a limpar o chão, e depois não podem mais deitar, pois o chão tem que ficar liberado. No domingo, as visitas levam comida para seus familiares. Quem não tem visita, passa fome, pois só há uma refeição neste dia, às 11 horas.
Agentes da Pastoral relataram a dificuldade de ver as presas torturadas, apontando que a direção das unidades estão ciente das violações cometidas, mas não tomam qualquer atitude.
Ao fim da oficina, foi acordado que os presentes deveriam pressionar a Defensoria Pública, os juízes e o Ministério Público, pois estes órgão são responsáveis por fiscalizar as condições nos presídios, e lutar contra a própria prisão, pois combater essas violações estruturais de direitos é lutar por um mundo sem prisões.
No que se refere à saúde e maternidade dentro dos presídios, as mulheres que dão à luz na prisão temem pelos seus filhos, pois o Estado não reconhece que há crianças dentro dos presídios, que falta fraldas, roupas, material de higiene e tratamento adequado, tanto para mães quanto para filhos. Além disso, há o trauma psicológico de quando o filho é retirado da mãe.
Muitas dessas mães estão presas sem serem culpadas por qualquer crime: foram relatados casos nos quais a Polícia entrou sem mandado nas casas. Se os policiais encontraram drogas, prenderam a família toda. Há casos de avó, mãe e filha que foram presas juntas. Além disso, muitas usuárias de drogas são presas como se fossem traficantes.
Foi destacado também os suicídios de mulheres presas que tem ocorrido, e que as visitas íntimas nos presídios femininos são raridade.
Ao fim da oficina sobre saúde, as pessoas presentes afirmaram que decisões dos juízes nos processos de execução, negando benefícios e formas alternativas de cumprimento da pena, como a prisão domiciliar, são em grande parte responsáveis por produzirem suicídios, rebeliões e a situação atual nos presídios femininos.
A questão dos LGBTTTS no cárcere também foi tema de oficina. Dentre as questões colocadas e debatidas, compreender como se aproximar dessa parte da população carcerária e como os/as agentes tem de derrubar seus próprios preconceitos foi uma parte fundamental do debate.
A isso se seguiu um estudo de porcentagens de morte, torturas sofridas e como essa população é tratada nas unidades prisionais. Foi constatada a violência sofrida nos cárceres, sem respeito a sua identidade de gênero, dificultando ainda mais a vida nas prisões. A ausência de atendimento médico, alimentação e acompanhamento psicológico estão entre as muitas torturas sofridas.
No dia final, foram apresentadas e debatidas as principais legislações que dizem respeito à mulheres presas, como as Regras de Bangkok, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, o decreto de indulto, para que se verifique se as mulheres que são visitadas pela Pastoral podem receber o benefício, e a Súmula vinculante 56, que diz que não se pode manter alguém em regime mais gravoso do que deveria estar.
A importância de conhecer essas leis é para que se possa pressionar pela sua aplicação, com o diretor da unidade, a Defensoria Pública e outros órgãos, para saber se eles seguem essas normas.
A avaliação do encontro foi positiva na visão de todos e todas presentes. O aprendizado e a partilha de informações foram ricas e, depois de tudo que foi trabalhado e discutido, a luta por um mundo sem cárceres deve estar sempre presente no horizonte de agentes, familiares e egressos.