Há razões para acabar com as prisões femininas?

 Em Mulher Encarcerada

Reproduzimos a seguir artigo publicado no site do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), de autoria de Patricia O’Brien, professora Associada da Faculdade de Serviço Social Jane Addams da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, que analisa as viabilidades e justificativas para acabar com as prisões femininas.
O porquê de acabar com as prisões femininas
Parece uma ideia radical. Parar de encarcerar mulheres e fechar os presídios femininos. Mas no Reino Unido existe um movimento que está crescendo, com o apoio de um dos membros da Casa dos Lordes, para fazer isso.
Na verdade, o argumento é muito objetivo: para começar, existem muito menos mulheres do que homens na prisão – elas representam apenas cerca de 7% do total da população carcerária. Isso significa que essas mulheres são afetadas de forma desproporcional por um sistema concebido para os homens.
Mas poderiam ser as prisões femininas realmente eliminadas dos EUA, onde o encarceramento feminino cresceu 646% nos últimos 30 anos? O contexto é diferente, mas muito dos argumentos continuam os mesmos.
Essencialmente, o motivo para fechar prisões femininas é o mesmo para encarcerar menos homens. É a luta contra o complexo industrial prisional e a favor de tratamentos baseados nas comunidades, que funcionam melhor do que o encarceramento. Mas existem evidências de que a prisão machuca mais as mulheres do que os homens, então por que não começar por lá?
Qualquer análise acerca das mulheres que estão em situação de prisão nos Estados Unidos, revela que em sua maioria, elas são infratoras não-violentas com pouca educação, assim como têm pouca experiência de trabalho e múltiplas histórias de abusos sofridos desde a infância até a maioridade. Além disso, em comparação com os homens, é mais comum que as mulheres de tenham filhos ou filhas que dependam diretamente do apoio delas – 147,000 crianças estadunidenses têm suas mães em situações de prisão.
Nação-Prisão
Os Estados Unidos são uma “Nação-Prisão”, ou seja, uma nação que se baseia no encarceramento. Mais de 1,5 milhão de pessoas estão encarceradas nos Estados Unidos da América. E essa obsessão com punição é também financeiramente cara para o Estado. Cumulativamente, os estados gastam mais de 52 bilhões de dólares por ano com seu sistema prisional. O governo federal também gasta dezenas de bilhões para policiar, processar e aprisionar pessoas, embora pesquisas demonstrem que o encarceramento traz danos para o bem-estar individual e também não é um fator de melhora para a segurança pública como um todo.
Qual o propósito servido ao submeter as mulheres mais desamparadas, abusadas e não violentas ao ambiente eternamente negativo das prisões?
Esforços de fazer a prisão “funcionar” para as mulheres têm apenas perpetuado o crescimento do complexo industrial prisional. Essas supostas reformas ajudaram alguns indivíduos e possivelmente deram mais destaque para o encarceramento em massa dos pobres e negros, mas mesmo assim o número de pessoas presas continua a aumentar.
Intervenções Comunitárias funcionam
Então, qual seria a alternativa ao encarceramento feminino no ritmo em que fazemos? No Reino Unido, advogados propuseram serviços comunitários para infratores não violentos, enquanto infratores que usaram violência cumprem pena em pequenos centros de privação de liberdade perto de suas famílias.
Existem algumas evidências que essas abordagens podem funcionar também nos Estados Unidos. Oportunidades para testar as alternativas à prisão têm crescido dentre os estados e algumas delas têm demonstrado resultados benéficos para as mulheres que participaram.
Por exemplo, o Projeto Redeploy, financiado pelo Estado de Illinois, foi desenvolvido baseando-se na evidência de que os infratores não violentos são tratados mais eficazmente em suas comunidades e, desde seu começo, em janeiro de 2011, até o final de 2013, a iniciativa já havia desviado 1.376 infratores não violentos da prisão.
O estado de Oklahoma é atualmente o maior estado com encarceramento feminino per capita nos Estados Unidos. Aproximadamente 80% das mulheres presas em Oklahoma cometeram crimes não violentos, estando presas principalmente por abuso de drogas, distribuição de substâncias controladas, prostituição e crimes contra o patrimônio.
Um programa que começou há cinco anos, “Women in Recovery” (Mulheres em Recuperação), oferece uma alternativa à prisão para mulheres sentenciadas por crimes ligados ao vício de bebidas ou drogas. O programa possui um amplo conjunto de tratamentos e serviços, incluindo serviços de empregabilidade, moradia e volta aos laços familiares. Mães de crianças pequenas têm prioridade para serem admitidas no programa. As mulheres que terminam o programa, que dura aproximadamente 18 meses, possuem uma grande chance de sucesso depois do término de cumprimento de pena, não voltando a se envolver com a justiça.
A coordenadora do programa “Women in Recovery” disse que 68% das mulheres que completaram o programa desde o início, em 2009, não reincidiram.
Começando com mulheres
Mesmo que aprendamos sobre os programas para mulheres com potencial para alternativa à prisão, estamos mesmo preparados para fechá-las? Se enxergarmos o abolicionismo como um esforço dos cidadãos e acreditarmos que mulheres deveriam poder ter prioridade para recuperação e cura, essas medidas devem ser pensadas sob uma perspectiva feminista.
Precisamos compreender o mal intrínseco ao sistema prisional atual e explorar as alternativas que já existem. Por exemplo, Susan Burton, fundadora do “A New Way to Life” (Uma Nova Forma de Vida), um grupo de casas temporárias para mulheres saindo de prisões em Los Angeles, diz que uma perspectiva abolicionista transforma a vida das egressas. Assistência direta desse programa reconecta as mulheres com suas famílias, comunidades e cidadania. Processos de círculos restaurativos usados por comunidades indígenas nos Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia dão as bases para essas práticas.
A produção sistemática de encarceramento em massa não é simplesmente resolvida ajudando mulheres que sofrem ou que causam problemas individualmente. Outro passo para o abolicionismo exige que a discussão seja levada além dos indivíduos e comunidades diretamente prejudicadas, controladas e apagadas pelo complexo de prisão industrial para o público que tem aceitado isso de forma passiva. Ou seja, precisamos parar de ver a prisão como uma parte inevitável da vida.
Outro modo
Se nós não podemos fechar as prisões femininas, nós podemos, no mínimo, diminuir a sua expansão. Esforços para isolar as mulheres de suas comunidades devem ser identificados e devemos ir contra eles.
Em Denver, por exemplo, a campanha “Fail the Jail” (“Falhar a Prisão” – tradução livre) ajudou a derrotar a adição de novas camas nas celas. Ao invés disso, o diretor do projeto de ressocialização comunitário do Estado me contou que algumas alternativas têm ajudado individualmente as mulheres e mudado atitudes da comunidade.
A questão do fechamento das prisões femininas está sendo desenvolvida através de experiências de mulheres que já foram encarceradas e de ativistas que reconhecem que as mulheres, que são mães e fundamentais para o desenvolvimento das comunidades, podem encontrar um novo caminho se forem respeitadas e apoiadas. É possível imaginar um futuro sem mulheres presas; para isto se tornar realizável, será necessária uma grande mudança de pensamento.
Autora: Patricia O’Brien, professora Associada da Faculdade de Serviço Social Jane Addams da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos.

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