Por Karla Maria
O número de mulheres encarceradas no Brasil cresceu cerca de 567%, entre 2000 e 2014. Estes são dados do relatório “Levantamento nacional de informações penitenciárias – Infopen Mulheres”, o último disponível. São aproximadamente 37.400 mulheres que engrossam as fileiras – ou amontoados – do cárcere pelo país e, destas, 30% são presas provisórias, ou seja, ainda aguardam o julgamento.
Em 70% dos casos essas mulheres estão enquadradas no artigo 33 do Código Penal, por envolvimento com tráfico de drogas. Mas o que a lei não revela é que na grande maioria dessas prisões, estas mulheres, brasileiras ou estrangeiras, serviram de mulas para seus filhos e companheiros, sendo o lado mais fraco e facilmente substituível do sistema.
As inúmeras violações de direitos humanos a que a mulher está submetida no sistema prisional brasileiro foi objeto de estudo e discussão do sexto e último encontro regional de formação oferecido pela equipe Nacional da Pastoral Carcerária da CNBB.
Destinado aos agentes da Pastoral Carcerária que trabalham com as mulheres encarceradas, o curso intitulado “Maria e as tantas Marias nos Cárceres” aconteceu de 4 a 6 de agosto, na cidade de Palhoça, região metropolitana de Florianópolis (SC).
O evento contou com cerca de 55 participantes, na grande maioria mulheres, que a partir de suas realidades, de suas visitas aos presídios, denunciam o caos e o abandono a que as mulheres estão submetidas em seus estados.
Situações como falta de água e itens básicos de higiene, falta de trabalho para remissão de pena, partos com algemas, crianças cumprirem penas com suas mães, superlotação, umidade nas galerias, falta de saneamento, maus-tratos e tortura, entre outros foram discutidos.
O curso reservou espaço para o estudo da legislação vigente, para as regras de Bangkok – regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – e ficou evidente que o Estado Brasileiro não as cumpre.
Divididos em três grupos – Tortura, Saúde da Mulher e Comunidade LGBT – os agentes compartilharam impressões, indignações e ideias para atuação na promoção da dignidade humana no cárcere. A denúncia foi destacada como uma prática a ser feita.
“É preciso denunciar a tortura, os maus tratos e temos ferramenta para fazer isso. No nosso site há uma área específica. Lá você insere todas as informações, essa denuncia cai no setor jurídico da Pastoral e nosso advogado encaminha a denuncia para o promotor e juiz. É importante registramos isso”, orientou a irmã Petra Silvia Pfaller, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária para a Questão da Mulher Presa, responsável pelo grupo Tortura.
O Grupo de Saúde da Mulher foi guiado pelo padre Almir José de Ramos, coordenador estadual da Pastoral Carcerária em Santa Catarina. Enfermeiro e parapsicólogo, o padre informou que a tuberculose, a AIDS, as hepatites virais e as doenças mentais são as – nesta ordem – as doenças que mais acometem as mulheres presas. “Essas mulheres não tomam banho de sol, não têm acompanhamento médico. Muitas reclamam de dor de dentes e nós sabemos que o Estado tem de garantir o acesso à medicação e tratamentos, mas não acontece”, diz o padre.
Diante desse abandono, a Pastoral Carcerária de Florianópolis criou em sua sede, que fica dentro do Complexo Agronômico da cidade, uma espécie de clínica odontológica com dentista pago pela pastoral para atender os presos e as presas. “Nós queremos um mundo ser cárcere, mas enquanto ele não chega, tentamos minimizar a tortura que estes homens e mulheres vivem em suas prisões”, termina o padre.
No grupo voltado à população LGBT, Elaine Lima e Marcio Zamboni esclareceram a Resolução Conjunta Número 1 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCPC) e do Conselho Nacional de Combate à discriminação (CNDC), de 2014, que traz alguns parâmetros mínimos para o tratamento de presos e presas LGBT em todo o país, como o uso do nome social.
“Este preso ou esta presa, que chega ao Sistema Carcerário, já traz uma série de preconceitos e no cárcere ele se encontra com outros, o machismo e a própria estrutura na qual ele não se encaixa. Chamá-lo pelo nome e possibilitar que ele escolha ficar no espaço no qual ele se identifica é uma forma de minimizar os impactos a tortura que é ser preso neste país”, disse Elaine, que é professora na prefeitura de São Paulo e assessora da Pastoral da Juventude também em São Paulo.
O encontro terminou com reflexões sobre os diferentes modos de aplicação da Justiça Restaurativa, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo Brasil, e com o reforço Da missão da Pastoral que é evangelizar e promover a dignidade humana por meio da presença da Igreja nos cárceres através das equipes de pastoral na busca de um mundo sem cárceres.