Babiy: “Sou prova de que Brasil é racista”

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Desde o dia 15 de janeiro de 2018, a vida de Barbara Querino de Oliveira, a Babiy, não é a mesma. A modelo e dançarina de 21 anos teve que abrir mão de seus sonhos, família e amigos quando foi presa sem provas em sua casa. A prisão de Barbara foi motivada por duas acusações: um roubo em 10 de setembro de 2017, que vitimou um casal, e outro em 26 de setembro, contra dois irmãos.

Em 10 de agosto de 2018, Babiy foi condenada a cinco anos e quatro meses de reclusão pelo roubo ao casal. Já pela outra acusação, a juíza Lilian Lage Humes, da 21ª Vara Criminal de São Paulo, absolveu Barbara em 12 de novembro de 2018. Ambas as acusações foram baseadas no reconhecimento de vítimas brancas que disseram à polícia ter identificado a jovem por causa do cabelo ou da pele negra. Atualmente, a jovem recorre em segunda instância pela condenação que a mantém presa.

Barbara Querino, a Babiy, foi presa há um ano e três meses, depois ser reconhecida pelo cabelo e pela pele negra; apesar de ter provas de sua inocência, ela continua presa, mas teve a primeira saída temporária de Páscoa e pode rever a família

Por causa da saída temporária de Páscoa, pela primeira vez, depois de um ano e três meses longe das ruas, Babiy pode deixar a prisão. A jovem recebeu a Ponte em sua casa, em Vila Constância, na zona sul de São Paulo, na manhã deste Sábado de Aleluia (20/4). Em uma entrevista cheia de emoção, Barbara contou à reportagem detalhes da sua prisão, do momento do vazamento das imagens feitas pelos policiais e a vida dentro do sistema carcerário, além da alegria de estar de novo com as pessoas que ama.

Barbara é a filha mais velha de Fernanda Regina Querino, que tem mais quatro filhos, todos homens. Antes da prisão, ela tinha o sonho de viver da dança, sua verdadeira paixão, apesar de ainda querer cursar uma universidade – jornalismo ou psicologia. Aliás, pouco tempo antes de ser presa, Babiy largou um emprego fixo para se dedicar à dança. Com empenho e determinação, a jovem esperava conquistar o seu lugar nesse universo. Ela chegou a realizar um workshop de dança, em que ela apresentava coreografias autorais.

“Quando eu saí, levei um susto. Se passou um ano e três meses e eu via minha mãe nos finais de semana, mas não via meus irmãos. Quando eu vi meus irmãos, pensei ‘ou eu diminui ou eles estão crescendo demais’. Eles estão tudo virando homem. Foi pouco tempo longe, mas o mundo deu uma mudada. Ver o pessoal e conversar foi… eu tô rindo até agora. Tô vendo tudo o que está acontecendo e não estou acreditando”, desabafou a jovem assim que recebeu a Ponte.

O reconhecimento de Barbara aconteceu depois que fotos tiradas por policiais vazaram e foram divulgadas no WhatsApp e no Facebook. Quando a foto foi tirada, no entanto, não havia qualquer acusação contra Babiy. Pouco tempo depois, a imagem da jovem foi compartilhada e divulgada inúmeras vezes com mensagens que garantiam que ela era uma criminosa. Babiy usou as redes sociais para se defender das acusações.

“Eu lembro que tudo aconteceu em um sábado, quando meu irmão foi preso. No domingo (5/11/18), eu fui fazer o Enem e na segunda-feira eu fui trabalhar. Quando eu voltei do serviço, na época eu trabalhava registrado, um amigo meu, que já é falecido, me chamou no Instagram e falou ‘você reconhece essa menina aqui?’ e eu fiquei ‘oxi, quem?’. Na hora ele me mandou a foto. Quando eu vi aquilo, eu tomei um susto, por que as fotos estavam no celular da policial, que tirou e guardou. Então, pra mim, pensei que não vazaria, que seria só mais um caso de mal entendido”, relembra Babiy.

Querino conta à Ponte que ficou sem entender o que estava acontecendo e por que sua foto estava associada com uma suposta quadrilha. Uma reportagem de televisão agravou a situação. “Falavam na matéria que eu estava foragida, que eu era pirata do asfalto, falando que eu era perigosa. E eu falando ‘gente, eu fui na delegacia no sábado, dei meu endereço e ninguém veio na minha casa, por que eu estou foragida?’. Quando fui ver a gravidade do que estava acontecendo, principalmente nas redes sociais, eu pensei que precisava ir atrás disso. Era a minha imagem, e eu trabalho com a minha imagem. Até que eu fui presa. Foi tudo muito rápido, nem deu tempo de pensar”, relata.

O caso de Barbara repercutiu muito, principalmente depois que sua amiga, Mayara Vieira, 23 anos, a quem Babiy chama de “um anjo que caiu do céu”, criou a página Todos Por Babiy. A dançarina chegou a ser homenageada no funk Marielle Franco, da MC Carol, e recebeu um livro enviado pelo ator Lázaro Ramos. Babiy acredita que a sua história possa ter impacto positivo no sistema judicial.

“Minha história tá tendo impacto para mudar, não só por mim, mas outros casos estão com mais visibilidade. A gente sabe que o Brasil é um país racista, é um país que se faz de louco. Pela sua cor, pela sua classe social, pela sua família que você tem. Eu sou a prova viva disso”, defende a jovem.

Querino espera por um pedido de desculpas e conta que não guarda mágoas. “Dinheiro nenhum vai poder pagar o tempo que eu perdi. Foi me tirado isso e até hoje ninguém me pediu desculpa, ninguém foi humano de reconhecer o erro. A revolta que eu tinha, eu tô aprendendo a lidar com ela, porque eu sei que é algo que vai fazer mal para mim. Não é nada no meu tempo, é tudo no tempo de Deus. A gente é ser humano, erra e temos que pagar por isso. Esse tempo todo eu vi gente muito amarga, há 7 ou 16 anos sem ver a rua, mas a gente ainda via amor ao próximo no olhar delas”, desabafa.

O momento da prisão

O dia da prisão, em 15 de janeiro de 2018, foi difícil. Até o momento de ser encaminhada para o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Franco da Rocha, na Grande SP, a ficha de Barbara ainda não tinha caído.

“A abordagem que eles tiveram, na hora eu nem me toquei, mas hoje em dia eu paro pra pensar. Se me colocaram no chiqueirinho e no curral, eu já ia ser presa. Então o funcionário me chamou pra assinar os papeis e minha bisa perguntou ‘moço, pra onde ela vai?’ e ele respondeu ‘ela vai descer’, eu perguntei descer para onde e ele respondeu ‘para Franco da Rocha’. E eu entrei em choque, sem entender o que estava acontecendo. Depois ele pegou minhas digitais e eu fiquei lá sentada”, conta.

“Fiquei pensando: por que eu tô sendo presa? Na hora eu não entendi nada, mas conforme ia passando o tempo batia mais desespero. Eu ficava: ‘Eu tô sendo presa, o que está acontecendo? Minha família nem sabe’. Eu sabia da situação da minha família, não podia exigir muito, mesmo eu sendo inocente as condições não são boas”, relembra Querino.

Nesse momento, Babiy só pensava na família. “Minha prima chegou lá era umas 3 horas da manhã, pra levar umas roupas e algo pra eu comer. Me cortou o coração quando ela disse ‘deixa eu ir no lugar dela, ela não vai ter emocional pra isso’. Foi onde eu pensei ‘meu mundo acabou’. Comecei a chorar. A primeira semana foi a semana que eu mais chorei em toda minha vida, pensando no que estava acontecendo. Depois de um mês que eu fui entender o motivo de eu estar ali”, desabafa.

A vida na prisão

O pior momento foi a chegada ao CDP de Franco da Rocha. Só quando entrou na ala chamada de inclusão, onde as mulheres passam pela revista e são encaminhadas para as celas, Babiy percebeu que realmente estava sendo presa.

“Quando eu desci pra convivência com as outras meninas fiquei olhando sem entender o que estava acontecendo. Vi aquele monte de menina sentada e decidi ficar quieta, estava com medo de me baterem. Eu achava que seria assim. Me colocaram na cela nova, eu cheguei assustada e olhando tudo. A cela de Franco da Rocha é maior do que a do Butantã, porque ali é onde você vai sumariar um processo, então é um pouco maior, tem mais camas. Na cela que eu tava, tinha 23 pessoas, um monte de mulher falando”, recorda.

Barbara ficou 10 meses em Franco da Rocha. Ela conta que foi a fase em que passou por mais audiências: ao todo seis. Cada vez que saía para uma audiência, tinha a esperança de ser libertada. Mas a liberdade não chegou. No dia da sua condenação, Babiy ficou inconsolada. Passou dois dias sem comer e conversar com as colegas de cela.

“Lá pro dia 13 ou 14 de agosto, eu recebi uma carta da Mayara falando da minha sentença e me acabei. Mas eu não acreditei. Só fui acreditar quando o oficial chegou com a sentença, na mesma semana. Pensei: ‘Deus, eu não aceito, mas respeito’ e me tranquei, fiquei deitada, pedi pra ninguém falar comigo pra eu não destratar ninguém. Estava nervosa, pagando por algo que eu não fiz”, conta.

A adaptação na cadeia não foi muito difícil, pois Barbara tem facilidade para fazer amizades – comunicativa e sorridente o tempo todo. “Eu cheguei na cadeia e não sabia como funcionava. Às vezes falava palavras que são proibidas lá dentro. Na rua a gente pode falar o que quiser, mas lá tem que ter um respeito. Eu fui falar com as meninas e elas foram me ensinando como eu falava com as pessoas lá dentro. Não é sempre que vai ter uma pessoa pra sentar com você e explicar como é uma cadeia, então as pessoas que me ensinaram, eu levo comigo até hoje, escrevo até hoje, sou muito grata porque me ensinaram o que é uma cadeia e até hoje eu vou levando com o pouco que aprendi. Nunca fiz inimizade lá, mas discussão já teve. Mas pensa, é um monte de mulher, tudo aquilo de TPM”, brinca a jovem.

De contrapartida, relata Barbara, há situações bem ruins na cadeia. “Tem muito descaso. Na alimentação, na água, na energia. Descaso com as visitas, descaso com a gente. A cadeia é muito humilhante para a mulher. Passava noites solitárias escrevendo pra minha família, vendo as fotos e chorando. Quando eu via as pessoas indo embora ficava pensando quando seria a minha vez”.

Aquariana nascida em 3 de fevereiro, Barbara passou dois aniversários no sistema prisional. O primeiro foi poucos dias depois de sua prisão, ainda no CDP (Centro de Detenção Provisório) de Franco da Rocha. O segundo, quando completou 21 anos, ela já havia sido levada ao CPP (Centros de Progressão Penitenciária) Feminino do Butantã, onde está desde janeiro deste ano. Para ela, esses foram um dos momentos mais tristes ao longo desse ano de reclusão.

“O primeiro foi um baque. A Kenya Odara, minha amiga, faz aniversário dia 6/2, três dias depois do meu, e a gente estava organizando de fazer uma festa juntas, mas fui presa dia 15/1. Meu primeiro aniversário caiu num sábado e eu decidi que não falaria nada, mas o pessoal veio e me deu parabéns. Eu tinha acabado de chegar na cadeia. O segundo foi um pouco mais complicado, eu tinha esperança de ir embora antes dele. Eu fiquei na cela e, como tava muito quente aquele dia, coloquei meu colchão no chão para poder dormir. Aí fui dormir e as meninas me acordam meia noite pra dar feliz aniversário. Eu também tinha acabado de conhecer elas. De manhã as meninas cantaram parabéns pra mim. Fiquei feliz em parte, a gente quer ser lembrado. Foi um pouco difícil, porque eu queria estar com quem eu amo, minhas famílias e amigos”, conta Babiy.

Esse afeto, para Barbara, é um dos alicerces para sobreviver à vida reclusa. “Isso ameniza um pouco o peso que é uma cadeia. A cadeia é como todo mundo fala, onde o filho chora e mãe não vê, então quando a gente vê alguém triste, sem querer conversar, a gente vai senta e conversa, pra aliviar um pouco daquilo. A gente tenta se tratar como uma família lá dentro, pras pessoas aliviarem tudo o que sentem. Lá, cada uma sente a dor da outra, apesar de ser sentenças diferentes. O companheirismo lá dentro é muito grande. Muitas vezes, você olha no olhar das pessoas e não vê a maldade, vê o arrependimento”, avalia.

A saída temporária, apesar de ser um momento de alegria, também traz outros pensamentos na dançarina. “A gente tenta matar um pouco da saudade, mas a volta é pior. Eu tenho certeza que as famílias que esperaram seus parentes nessa saidinha que não tiverem, devem estar se remoendo. Essa saidinha é unificada com a das mães, quem não saiu agora não vai sair. Cadê a justiça? Vamos trabalhar. Tem vários processos parados pras pessoas ganharem esses benefícios. A cadeia é um depósito de presas e eles não pensam nisso. A cada minuto só enche e não esvazia. Se eu vejo cinco alvarás de soltura por semana é muito e olhe lá. Eu não vejo o que eles falam que fazem”.

Para Barbara, as cadeias têm cor e classe social. “São pessoas que moram perto da minha casa, pessoas da Brasilândia, do Itaim Paulista, de Suzano. Por que só nesses lugares tem coisa errada? Parece que eles querem mostrar serviço. Vou ver o neguinho ali na rua, sem camisa, com cara de maloqueiro, vou falar que é traficante. A gente sabe que muitas das vezes acontece isso. A justiça não é 100% certa, se fosse não teria tanta gente inocente na cadeia. É um ciclo muito vicioso, mas vai ser quebrado. Vai ser quebrado com tudo que tem acontecido, não falo só por mim, eu sozinha não tenho força, mas juntos com todos os casos a gente consegue”.

Paloma Vasconcelos
Da Ponte Jornalismo

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