Setor da Mulher Encarcerada da Pastoral Carcerária Nacional
O Dia da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha, memorado em 25 de julho, reforça a luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade estruturalmente racista, misógina, machista, e nos faz refletir sobre a vida dessas mulheres.
Lembremos da líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo de luta e resistência da comunidade negra e indígena, que representava, enfrentando a escravidão por mais de 20 anos.
Em seu nome e de tantas mulheres que foram e são importantes para nossa história, é que também seguimos.
Mais da metade da população brasileira é negra, segundo dados do IBGE, e em especial as mulheres negras protagonizam os piores indicadores sociais do país.
De acordo com o Atlas da Violência de 2019, 66% de todas as mulheres assassinadas no país naquele ano eram negras.
Além disso, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com a última Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Contudo, uma vez garantida a vida e superada a miséria, os desafios continuam.
Apesar de, pela primeira vez, os negros serem maioria nas universidades públicas, como aponta a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” do IBGE, mulheres negras ainda recebem menos da metade do salário de homens e mulheres brancas no Brasil, independente da escolaridade.
E são a principal vítima de feminicídio, das violências doméstica, obstétrica e da mortalidade materna, além de estarem na base da pirâmide socioeconômica do país.
O sistema prisional também é seletivo e tem cor. De acordo com o Infopen Mulheres (2017), somadas as mulheres encarceradas de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,55% da população carcerária nacional, ou seja, grande parte dos presídios femininos são compostos por mulheres negras.
Esse pode ser considerado um perfil de mulheres que ilustra o reflexo de décadas de escravidão. As regiões norte e nordeste são as mais impactadas pelo regime coronelista até os dias de hoje, concentrando um maior número dessa população: no Acre, trata-se do total de 100%, na Bahia, 92% e no estado do Ceará, 94% das mulheres encarceradas são negras.
As mulheres negras precisam enfrentar, além do preconceito racial, o de gênero, e aqui fazemos alguns recortes do ser mulher negra cis e mulher LGBT, sobretudo o grupo T, que são alvos de diversas práticas preconceituosas e por vezes violentas.
Além da sobrecarga estigmatizada por serem mães, são tidas como “irresponsáveis” ou “oferecem riscos às suas crianças”. Em sua maioria, elas se veem sozinhas quando inseridas na prisão, pois, o abandono de seus parceiro(as) e familiares é ainda maior devido a um julgamento a respeito do suposto fracasso como mulher, esposa e mãe.
A mulher negra é invisibilizada diante da sociedade, não possui voz, e precisamos fazer essa reflexão de como o presídio feminino pode agravar ainda mais esses estigmas, ao invés de cuidar para que essa mulher negra consiga se ver sendo parte da sociedade, com seus direitos respeitados e oportunidade de mudança de vida.
Apesar de estarmos apontando um lugar de dor experienciado por essas mulheres negras, é importante que a reflexão volte algumas casas, resgatando o processo histórico de escravização, onde corpos negros foram dominados, encarcerados e mercantilizados.
Vínculos familiares foram rompidos e foi plantada a semente da discórdia entre as diversas nações africanas, amontoadas em cubículos apertados. Esta cena se reflete no antiquado novo processo de dominação. Um sistema penal implantado para controlar e lucrar com pessoas colocadas em situação de marginalidade e vulnerabilidade. Após 130 anos da falsa abolição, ainda é possível se deparar com os descendentes daqueles corpos negros outrora arrancados do continente africano sendo dominados, encarcerados em massa e colocados nos planos de privatização, gerando rendimentos lucrativos às instituições que administram as unidades prisionais.
As mulheres mães e gestantes se assemelham ao processo que foi a Lei do Ventre Livre, uma vez que seu corpo é dominado/encarcerado mas apenas o útero é livre, possibilitando a libertação do nascituro. Libertação essa que por vezes é brusca, rompendo violentamente os vínculos familiares, a relação e culpabilização entre mães e filhas(os).
O racismo estrutural ainda atravessa nossas relações e as instituições das quais fazemos parte. A prisão feminina no Brasil é um exemplo de instituição que reproduz essa realidade com violência, pois apresenta de forma escancarada a reprodução da exclusão e marginalidade das mulheres negras.
O sistema de encarceramento é seletivo e o Poder Judiciário brasileiro prende, julga e condena as mulheres sem nem ao menos levar em consideração possíveis medidas alternativas.
Ao visitarmos os presídios femininos do Brasil, nos deparamos com a feminização e o enegrecimento nas prisões, sugerindo a perpétua dominação e consequentemente o aumento prejudicial dessa população.
Os supostos motivos que as aprisionam estão relacionados sobretudo à participação no mundo do tráfico, roubos e furtos; relacionados muitas vezes à parte econômica, desemprego e a classe social.
A população negra sofre opressão e exclusão social antes mesmo de adentrar ao sistema. Precisamos refletir a respeito das vivências das mulheres negras que se encontram no regime fechado e colaborar no desenvolvimento de políticas públicas para potencializar essas vidas no seu retorno à sociedade, tendo em vista o quão estigmatizante é este sistema.
As experiências e vivências das mulheres negras deveriam ser levadas em consideração pelo sistema prisional e não se pautar em uma sociedade estruturada no racismo, sexismo, lgtbfobia e machismo.
É necessário pensar em vias alternativas e na correta execução da Constituição Federal, bem como de portarias específicas para o desencarceramento das mulheres: as condições de cidadania necessárias à prevenção a todas as violências que sofrem, o atendimento social às demandas de formação para o trabalho, saúde e educação, na busca de um mundo sem cárceres.
Referências
BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Infopen Mulheres, Ministério da Justiça, 2017. Disponível em : http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf .
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao.htm .