Entre tantos discursos importantes sobre “centro versus periferia”, queremos partilhar nossa experiência realizada em uma das mais extremas periferias geográficas de nosso país, desde o município de São Gabriel da Cachoeira, também chamado Cabeça do Cachorro – município no qual convivem mais de 23 etnias, e onde são compreendidas 18 línguas distintas. Um laboratório antropológico-linguístico-sociológico de primeira grandeza!
De fato, afirmamos com certeza que morar em São Gabriel significa estar em um paraíso… e somos muito felizes aqui! No entanto, neste paraíso em que vivemos – não diferente de toda concepção ambivalente de “bem” que assumimos ainda – podemos perceber facilmente o outro lado, que não o paraíso! É aventurados neste terreno escuro e desesperançado (tantas vezes des-esperado!) que contamos sobre nosso servir – bem aí, onde se deve encontrar a Pastoral Carcerária, que procura ser um pequeno foco de luz em meio a escuridão do abandono, da exclusão, da marginalização! Sabemos que é esta uma pastoral que poucos querem assumir, mas nós queremos, e com alegria! Não temos medo de nos colocarmos diante de nossos próprios medos e limitações para, desse modo, sermos cada dia mais desejosos de amar e acolher!
Há muitos anos, neste município, se vem efetivando o serviço de pastoral carcerária com as/os irmãs/ãos privadas/os de liberdade. Porém, estivemos deveras limitados à dimensão religiosa desta pastoral. Este ano, porém, nos aventuramos mais radicalmente. Contentes, contamos do progresso que a equipe vislumbra deslumbrada: ao grupo estão somadas outras forças importantes, além da presença sempre amiga do “bispo do mato”, Dom Edson Damian, estimado e parceiro de todas as horas (inclusive nas visitas e reflexões!). Contamos também com a presença da própria delegada de São Gabriel, Dra. Grace Jardim, além de mais uma advogada, entre outras lideranças interessadas e competentes, capazes de se doar com esmero e em grande medida, avançando na compreensão dos Fundamentos da Justiça Restaurativa e sendo presença fraterna/materna/paterna entre aqueles que necessitam!
O objetivo de unir várias forças, inclusive de outras denominações religiosas que existam em nosso município, é o de quem compreendeu que ou a Paz é para todos/as, ou ela será sempre uma mera ilusão! O grupo anseia, agora, atuar também nas dimensões social e jurídica ainda com mais força! Queremos fazer valer o Objetivo Geral de “acompanhar”, “atendendo às necessidades pessoais e familiares”, “priorizando a defesa intransigente da vida”. Por isso, assumimos também o compromisso de jamais sermos coniventes com (des)governos que adiram políticas de morte, substituindo o real valor da Vida na Paz e na Não Violência, por importâncias meramente monetárias!
Somos mais de dez integrantes, acreditando em sentimentos que são extremamente desacreditados e desprezados no mundo “globalizado” em que nos encontramos: Restauração, Reconciliação, Perdão, Não-Violência! Realizamos visita semanal ao presídio. A situação do presídio de são Gabriel da Cachoeira é deplorável. Primeiro, que não deveria ser um presídio, mas uma delegacia – porém, recordamos o que foi alertado inicialmente, é possível estar na periferia e não ser marginalizado? Sabemos que são inúmeros, em muitos lugares, os problemas estruturais de um país que se ilude com a ideia de “prender para ter segurança”, porém, do município que faz fronteira com a Colômbia e Venezuela, gritamos: até quando o descaso e o desprezo será o que resta àqueles que estejam condenados por uma ou mais atitudes cometidas no passado?
Superlotada, a “nossa” penitenciária abriga mais de 40 presos, entre os quais, homens e mulheres, indígenas da região e muitas pessoas de outras cidades/estados. Um desafio que, sim, poderia ser visto com des-espero, mas, por nós da Pastoral Carcerária, ao contrário, é visto com Esperança – Sagrada Esperança, aquela que “Não nos decepciona” (Rm 5,5) -, é visto como terreno fecundo para se lançar sementes de amor, de paz, de perdão, a fim de que um dia seja (a)colhida a Terra Sem Males, a Civilização do Amor.

Arte confeccionada pelos próprios irmãos que estão encarcerados
Cientes do alerta que tantos/as já fizeram, inclusive Dom Helder quando disse que: “Um dia, a humanidade se envergonhará de não ter outro tratamento para quem cometeu crime a não ser trancafiar um filho de Deus como se fosse animal selvagem”, perseveraremos na luta por um mundo sem cárceres. Queremos ser aliados/as pela paz! Queremos seguir Jesus que disse: “Estive preso e foste me visitar” (Mt 25, 36).
Edson Boff, AM, 07 de novembro de 2019.