Confira a apresentação do Pe. Ivanir Antonio Rampon para o livro Drogas, crimes e prisões, de Alan Paiva, que investiga o fenômeno do encarceramento em massa diretamente relacionado com a política de guerra às drogas que atinge, principalmente, a juventude pobre e negra. Para comprar o livro, clique aqui.
Um dia, a humanidade se envergonhará de não ter outro tratamento para quem cometeu crime a não ser trancafiar um filho de Deus como se fosse uma hiena, um tigre selvagem, um leão raivoso.
Dom Helder Camara
A partir de três situações – drogas, crimes, prisões – o autor deste livro, Alan Paiva, nos apresenta de maneira acessível, uma reflexão profunda, crítica, profética e esperançosa de três fenômenos complexos de nossa realidade que, muitas vezes se cruzam, se complementam e se corroboram.
O comércio das drogas e sociedade capitalista neoliberal
As drogas movimentam um enorme mercado. Estudiosos dizem que os três grandes mercados da sociedade capitalista neoliberal são as armas, as drogas e a pornografia. Disto, podemos dizer que nossa sociedade é bélica, dopada e pornográfica. De fato, o capitalismo vive da morte e quando há uma “crise”, faz-se guerras para movimentar o comércio das armas e afins. Não estaria a chamada “guerra contra as drogas” nesta mesma lógica?
O vício das drogas (lícitas ou ilícitas) diminuem a liberdade humana e, quando a escravidão das drogas se impõem o ser humano é capaz até de roubar e matar para saciar o seu desejo insaciável… Organizações aproveitam-se desta dependência para aumentar seu montante financeiro, sem preocupar-se com as vidas e as famílias que, muitas vezes, são abatidas por grandes sofrimentos e até com assassinatos. Estas organizações, no entanto, são atrativas porque oferecem a possibilidade de uma ascensão social na sociedade capitalista, materialista, consumista e excludente que o Estado não oferece. A ausência do Estado enquanto garantidor de direitos, abre uma enorme brecha para o submundo do tráfico. Mas o caminho do tráfico, quase sempre, finaliza com o assassinato ou a prisão. E assim, o sistema vive da morte…
O encarceramento em massa
O aumento do consumo/comercialização de drogas e da criminalidade tem levando ao fenômeno chamado de “grande encarceramento” ou “encarceramento em massa”. É assustador o número de prisões efetivadas diariamente no Brasil. O aprisionamento oferece à sociedade a sensação de segurança, uma vez que o “criminoso está preso”. Porém, paradoxalmente, quanto mais seres humanos presos, mais aumenta a sensação de insegurança… A lógica da consciência ingênua, então, é exigir mais presídios como se estes, fossem de fato, a melhor resposta.
Não sabemos quase nada sobre encarceramento e nem o que se quer com o mesmo. Quem realmente é preso? O que acontece dentro da prisão? Qual é o tratamento que os presos recebem? Que apoio é dado aos agentes penitenciários a fim de desempenharem profissional e eticamente seu ofício? Que educação e recuperação os presídios oferecem? Será o encarceramento em massa a solução? Por que cresceu enormemente o aprisionamento das mulheres? Há quem interessa o aprisionamento em massa? Até que ponto o criminoso também não é vítima? A Pastoral Carcerária, conhecedora de parte da realidade carcerária, entende que o cárcere não é sinônimo de segurança, de paz e de justiça. É sim um instrumento para manter a desigualdade social e violentar as pessoas e classes menos protegidas e marginalizadas.
Uma vocação cristã
Conheci Alan Paiva, em 2016, na 62ª Feira do Livro de Porto Alegre durante lançamento do seu livro Amor sem Limites – A luta contra as drogas[1]. Na ocasião, eu estava lançando o livro Francisco e Helder – sintonia espiritual[2]. Conversamos, trocamos ideias, nos conhecemos. Fiquei feliz em saber que um advogado criminalista fez de sua profissão uma vocação cristã! Como assistente espiritual da Pastoral Carcerária, desejei a ele muitas bênçãos para continuar firme neste modo de seguir Jesus Cristo. Naquela ocasião, nem imaginávamos que agora estaria fazendo a apresentação deste seu segundo livro que visa contribuir para o debate que hoje se estabelece sobre drogas, crimes e prisões.
Este livro, além do conhecimento já produzido por intelectuais, impregna a experiência que o autor exerce junto as pessoas que buscam amparo na Fazenda do Amor Misericordioso[3]. Neste local, Alan relata que se encontrou com pessoas provenientes das camadas mais pobres da população que querem libertar-se da escravidão das drogas e construir uma nova vida e, também, com padres, religiosas e agentes de pastoral que assumem a missão de serem discípulos de Jesus Cristo nesta periferia social e existencial. Arrisco-me a dizer, que ele encontra o próprio Cristo (Mt 25,31-46).
Alan nos expõe que ali é possível descobrir três elementos que as drogas, os crimes e o encarceramento em massa tira dos filhos de Deus: a convivência comunitária, o trabalho como processo de construção de si mesmo e a espiritualidade cristã que desperta para novos valores permitindo encontrar um sentido para a própria vida e uma outra orientação de vivência em sociedade. Busca-se superar o egoísmo com uma vida altruísta.
De fato, sem altruísmo não haverá liberdade, perdão, justiça, paz… Neste sentido, quão profundas foram as palavras do Papa Francisco, durante a homilia no Jubileu dos Encarcerados (6.11.2016): “(…) suscitar em cada um de vós o desejo da verdadeira liberdade é uma tarefa a que a Igreja não pode renunciar. Às vezes, uma certa hipocrisia impele a ver em vós apenas pessoas que erraram, para quem a única estrada é o cárcere. Não se pensa na possibilidade de mudar de vida, há pouca confiança na reabilitação. Mas, assim, esquece-se que todos somos pecadores e, muitas vezes, também somos prisioneiros sem nos dar conta. Quando se permanece fechado nos próprios preconceitos, ou se é escravo dos ídolos dum falso bem-estar, quando nos movemos dentro de esquemas ideológicos ou se absolutizam leis de mercado que esmagam as pessoas, na realidade limitamo-nos a viver dentro das paredes estreitas da cela do individualismo e da autossuficiência, privados da verdade que gera a liberdade”[4].
Outro horizonte social: economia para a vida
As três situações – drogas, crimes e prisões – afetam nossas relações pois temos pessoas próximas a nós – e nós mesmos – envolvidos. Somos afetados por elas ou por suas consequências. As soluções não são simples e rápidas, mas são possíveis. Para tanto, é necessário se desfazer das soluções fáceis da política convencional e fracassada, como a mera repreensão ou a justiça vingativa que na verdade perpetua a desigualdade social, pois é um engano social acreditar que a segurança e a ordem só são alcançadas prendendo as pessoas[5].
É necessário o envolvimento, a participação efetiva de vários setores da sociedade, o diálogo, o compromisso com os seres humanos envolvidos, a força de vontade, a crença na justiça restaurativa, a confiança no poder do perdão, a construção de uma nova política criminal… Na verdade, a solução requer uma reeducação de todos – e não apenas dos usuários de drogas, dos criminosos e dos encarcerados – tendo em vista outro horizonte de sociedade, com nova perspectiva econômica, pois sabemos que uma economia que se firma e promove a desigualdade social não assegura o valor da vida: “esta economia mata”[6].
Acredito que a leitura deste livro contribuirá para a ampliação da nossa consciência crítica abrindo novos caminhos.
Boa leitura!
Pe. Ivanir Antonio Rampon