Intolerância religiosa: as restrições ao culto da fé sofridas no cárcere

 Em Igreja em Saída, Notícias

No dia 21 de janeiro, foi celebrado o dia nacional de combate à intolerância religiosa. Para além dos preconceitos que diversas religiões e religiosos sofrem cotidianamente apenas por querer cultuar a sua fé, o dia foi um importante momento de reflexão para se pensar as restrições sofridas no cárcere à entrada de organizações e religiões que prestam assistência religiosa aos presos.

Irmã Petra, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, lembra que a assistência religiosa está assegurada aos presos na constituição. “É um direito da pessoa encarcerada receber um amparo religioso independente do credo e da igreja”.

Mesmo assim, as restrições à entrada de agentes da pastoral, ou de itens religiosos nas prisões tem aumentado por todo o país. “São relatos absurdos, como não poder levar folha de canto, retirar as bíblias dos presos, os sacerdotes não poderem levar um pouco de vinho para celebrar a eucaristia”, comenta Petra.

Segundo a coordenadora, as restrições às visitas que a PCr vem sofrendo podem ser uma perseguição. “Especialmente em locais onde a PCr faz denúncias e é voz das pessoas presas”.

As restrições não só são uma humilhação aos agentes da PCr, que muitas vezes tiram o dinheiro para se deslocar ao presídio do seu próprio bolso, apenas para serem barrados na entrada, como afetam diretamente os presos.

 

“A pessoa presa é afetada bastante com a falta da assistência religiosa. É preciso muita força para aguentar todas as dificuldades nesses infernos que os cárceres são, e uma palavra de consolo, celebrações, a partilha de uma palavra, orações em  conjunto, tudo isso importa muito”.

Uma outra questão que muitas vezes não é discutida é como a liberdade religiosa dentro da prisão é violada, por conta das condições torturantes do cárcere. Irmã Petra cita que “há religiões em que o corte de cabelo é sagrado, por exemplo, e no presídio todos tem que cortar os cabelos. São restrições bem íntimas, desrespeitando a fé”.

Por fim, a coordenadora vê com preocupação a não entrada de outras religiões nas prisões. “As religiões de matrizes africanas, por exemplo, não entram. Como essas pessoas presas podem exercer sua religião?”

“Não receber assistência religiosa é uma rejeição”

Batia Jello Shinzato é candomblecista e sacerdotisa do Ilê Axé Opô Olodoydé, localizado em Sapopemba (SP). Ela também é apoiadora da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar) e integrante da Frente Estadual pelo Desencarceramento de SP e MG.

Ela conta que ainda não entrou no presídio como religiosa, pois está fazendo o curso de capelania, que é requerido pelo Estado. Mas ela analisa que há muito preconceito com  religiões de matrizes africanas na sociedade em geral, o que se reflete na não entrada desses religiosos no cárcere.

“Até três anos atrás, estávamos lutando para provar para o Estado que o nosso culto é uma religião, porque o Estado não considerava nosso culto como religião”.

Apenas uma casa de candomblé no Brasil tem autorização para fazer visitas no cárcere: a da Mãe Flávia, localizada no RJ.

Batia afirma que um grande número de Axés, Babás e Iás estão começando a ir atrás de tudo o que é necessário para fazer as visitas, começando a cobrar do Estado o direito à assistência religiosa.

Ela conta que foi presa há 10 anos atrás, e pôde sentir na pele a falta que a assistência religiosa faz, além de todo o preconceito dentro da prisão.

“Você se sente totalmente rejeitada sem o direito à assistência. Lá dentro existe uma cultura que classifica nosso culto como satânico, nos chamam de ‘feiticeiras’. E se aqui fora já tem muito preconceito, imagina lá dentro. Nós sabemos que Deus é um só, não existem vários. Cultuamos nossos orixás como a igreja católica cultua os santos dela”.

Segundo ela, muitas mulheres escondem a sua religião, para não sofrer perseguições. “Muitas irmãs acabavam se escondendo, negando seu culto, para não ter conflitos e não ser ofendida. Outras acabavam entrando em choque com elas mesmas. E tinha coisas que não podiam acontecer lá, como as ubandistas não poderem se reunir, o que era uma punição severa”.

Batia vê as restrições sofridas pela pastoral e pelas religiões de matrizes africanas como muito graves, mas acredita que há uma diferença grande no caráter dessas restrições.

“A Pastoral sofrer restrições vem da necessidade do Estado de cumprir seu objetivo de eliminar o povo preto, pobre e periférico, por causa das denúncias que ela faz. Enquanto que nós, matrizes africanas, somos a religião desse povo que deve ser eliminado, então também querem nos eliminar. Somos preto por excelência, e ser preto nesse país é crime”.

Texto: José Coutinho Júnior
Artes: Bruna Caetano

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