Falar de perdão, de reconciliação, justiça que restaura, círculos de construção de paz na busca da solução de conflitos por meio do diálogo entre pessoas, povos e nações é hoje ir na contramão da história, desafiar a realidade e a própria sociedade que escolheu resolver todas as questões e contendas por meio da força das armas mais diversas, desde as mais sofisticadas em campo militar a àquelas mais simples que é a caneta com a qual, por meio de um simples traço, pode mudar o rumo de uma vida inteira.
Na justiça restaurativa, através das práticas circulares, a escuta é uma ferramenta indispensável na resolução de conflitos ou até mesmo para reconstrução de laços quando feita em círculo de construção de paz. Um fator de peso nisso é a tecnologia que, sendo um excelente suporte no tempo de pandemia, tornou-se agora a grande vilã social com a criação de um universo paralelo que tem dado pulos gigantescos e colocando as pessoas debaixo de uma cúpula de vidro onde ninguém mais comunica e nem escuta o outro.
Nesse novo universo altamente sofisticado e imperceptível, quase ninguém está se dando conta porque ainda não existem parâmetros éticos sociais que exerçam um controle e averiguação do impacto real que ele tem sobre os seres humanos, sobre as relações sociais, sobre a sociedade como um todo na desconstrução da paz universal .
O exemplo mais impressionante disso é a Inteligência Artificial, da qual um grupo de pessoas, inclusive cientistas, pedem que se dê uma freada em seu avanço para poder aprofundar qual seu impacto sobre nosso tempo e para as gerações futuras e inclusive preparar instrumentos que acompanhem seu processo e saibam evidenciar os possíveis limites para onde ela nos quer levar.
Para Francisco, na Laudate Deum, retoma o tema da Laudato Si e seu esquecimento, com as consequentes mudanças ambientais, de forma direta diz-nos que, o paradigma tecnocrático está na base do processo atual de degradação ambiental. E explica: Trata-se de um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar. Consiste, substancialmente, em pensar como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia.
Em tudo isso temos que ter clara a ideia que ninguém, nem a tecnologia, nem a economia poderão substituir o ser humano nas escolhas e determinações do que é o presente e do que será o futuro da humanidade, seja no bem como no mal. E isso é fundamental não apenas na questão ambiental, mas no universal, onde a visão holística dos povos será um contributo fundamental para alcançar, mesmo usando os recursos da inteligência humana, uma nova civilização que não devemos nos cansar de nomear e que profeticamente Papa Paulo VI disse ser o Amor.
A justiça restaurativa entra neste contexto tecnológico apontando o retorno vivencial a espaços de diálogo em vista de banir a punição para uma restauração legítima , efetiva e curadora aos desafios e conflitos existentes no tempo atual. Quem sabe consigamos convencer-nos disso e traduzi-lo na prática do dia a dia. Reconhecer, responsabilizar-se e reparar é o tripé determinante para que enxerguemos nossa responsabilidade em tudo isso. “O poder não pode dominar o ser e por consequência destruir o bem viver.”