Nessa sexta-feira (18), o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar uma ação que pede a suspensão dos efeitos do decreto 9.831/19, do presidente Jair Bolsonaro. A medida tem dificultado o funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), principal órgão anti-tortura do país.
De autoria da então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, a ADPF 607 questiona o ato presidencial de 2019 que determinou a exoneração dos 11 peritos que atuavam no MNPCT, transformando suas atividades em trabalho não remunerado. De acordo com entidades de direitos humanos, o decreto atingiu em cheio a independência funcional do órgão, responsável por monitorar, além de prisões, locais de acolhimento de crianças e idosos, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e unidades de cumprimento de medidas socioeducativas.
Como tratam de violações cometidas por agentes públicos em espaços de custódia, os mecanismos de prevenção e combate à tortura precisam de autonomia para fazer denúncias e notificar autoridades. Entre as atribuições dos peritos está realizar inspeções, requisitar informações e exames periciais para prevenir, documentar e promover a responsabilização de tortura e maus tratos.
Hoje, o MNPCT funciona graças a uma decisão cautelar da justiça federal, proferida em agosto de 2019. Na Câmara, projetos de decreto legislativo contra o ato do presidente tramitam há mais de dois anos com poucas chances reais de irem à votação. Cabe, portanto, ao STF decidir sobre a legalidade do decreto no julgamento da ADPF 607, ação de 2019 pautada para apreciação no Supremo somente na semana passada.
ONU e OEA já repudiaram decreto
Em fevereiro deste ano, o Brasil recebeu uma visita oficial de representantes do Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) das Nações Unidas, também motivada pelo decreto de Bolsonaro. O grupo internacional de peritos se reuniu com autoridades brasileiras, entre elas a ministra Damares Alves; os presidentes das Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, Humberto Costa (PT-PE) e Carlos Veras (PT-PE); representantes do STF; e o procurador-geral da República, Augusto Aras. A principal demanda do SPT era que o Brasil cumprisse seus compromissos com o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que prevê a instalação do mecanismo.
“Pedimos ao Brasil que abandone sua decisão de desmantelar seu mecanismo nacional de prevenção à tortura”, disse Suzanne Jabbour, que chefiou a delegação do SPT, à época da visita do grupo em fevereiro.
Antes, em junho de 2019, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos), também já havia manifestado seu repúdio e preocupação com o decreto presidencial.
No STF, organizações de direitos humanos brasileiras e internacionais devem participar do julgamento como amici curiae (instrumento jurídico que permite que especialistas compartilhem conhecimento com o tribunal, para informá-lo sobre assuntos de interesse público). São elas Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Associação para a Prevenção da Tortura (APT), Conectas Direitos Humanos, Justiça Global, Educafro Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), Pastoral Carcerária Nacional – CNBB, Instituto Brasileiro De Ciências Criminais (IBCCRIM), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (GAETS).
As entidades vão alertar os ministros para os riscos do esvaziamento do principal órgão de combate a tortura, em relação a piora nas condições de vida nos espaços de privação de liberdade e ao não cumprimento de compromissos assumidos pelo Brasil com acordos internacionais.