Relatório divulgado em 8 de março pelo especialista de direitos humanos da ONU sobre tortura, Juan E. Méndez, criticou a prática frequente de tortura e maus-tratos nos presídios e delegacias brasileiras, apontando ainda um “racismo institucional” do sistema carcerário do País, no qual quase 70% dos presos são negros. O documento será ainda este mês ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, na Suiça.
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O relatório foi produzido após visita do relator especial da ONU aos estados de São Paulo, Sergipe, Alagoas e Maranhão em agosto do ano passado a convite do governo brasileiro. No período, o relator visitou presídios, delegacias e instituições socioeducativas para adolescentes, e se reuniu com autoridades e organizações da sociedade civil.
O relator coletou depoimentos em presídios que apontaram o uso frequente da tortura e dos maus-tratos tanto no contexto do momento da prisão como no interrogatório feito pela polícia nas delegacias, assim como nas penitenciárias.
Chutes, agressões com cassetetes, sufocação, choques elétricos com armas ‘taser’, uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha, abusos verbais e ameaças foram reportados como os métodos mais frequentes utilizados pela polícia e agentes carcerários, que não costumam ser punidos por tais práticas, disse o relatório.
Os atos de tortura somam-se à situação de superlotação nos presídios. Com 711,5 mil detentos, o Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária per capita do mundo, o equivalente a 193 pessoas para cada 100 mil habitantes, segundo dados citados no relatório.
“O contínuo aumento da população carcerária, combinado à capacidade dos presídios de abrigar 376,7 mil detentos, criou um sistema marcado pela superlotação endêmica”, segundo o documento. “O relator especial encoraja fortemente o governo a focar em reduzir a população carcerária, mais do que aumentar o número de presídios”, completou.
“As condições de detenção frequentemente remetem a tratamento cruel, desumano e degradante. A superlotação severa leva a condições caóticas nos presídios e impactos nas condições de vida dos presos e seu acesso a comida, água, defesa legal, assistência médica, apoio psicológico, oportunidades de educação e trabalho, assim como banho de sol, ar fresco e recreação”.
O relatório também citou a existência de uma prática de “racismo institucional” no sistema carcerário do país. De acordo com o documento, em 2014, em torno de 67% dos presidiários brasileiros eram classificados como negros ou mulatos.
“Negros enfrentam risco significativamente maior de encarceramento em massa, abuso policial, tortura e maus-tratos, negligência médica, de serem mortos pela polícia, receber sentenças maiores que os brancos pelo mesmo crime e de sofrer discriminação na prisão – sugerindo alto grau de racismo institucional”, afirmou o documento.
O relator especial da ONU manifestou ainda preocupação com o alto número de detentos sem julgamento (40% do total) e com a alta incidência de presos por tráfico de drogas (27% do total).
Apesar de a Lei 11.343 prever o direcionamento de usuários de drogas para clínicas de atendimento médico e tratamento, o relator afirmou que, na prática, pequenos traficantes e viciados são presos indevidamente pela polícia.
“O Brasil descriminalizou a posse de drogas para consumo próprio, mas para determinar o propósito da posse, os tribunais não aplicam uma quantidade fixa padrão, considerando a (suposta) intenção de traficar baseada no relatório policial da apreensão”.
O relator da ONU também visitou presídios com serviços parcialmente ou totalmente terceirizados, onde não verificou problemas como superlotação nem condições precárias. No entanto, de acordo com o relator, isso ocorreu porque os contratos dessas instituições com o poder público preveem que elas não podem ser obrigadas a receber um número de detentos muito superior à sua capacidade.
“Sob esses termos, as instituições privatizadas não ficarão superlotadas, porque esse arranjo será um fator adicional para agravar a superlotação das prisões públicas no mesmo Estado”, disse o relator, completando ser “cético” em relação aos presídios privatizados.
“Arranjos semelhantes em outros países resultaram em sérias violações aos direitos das pessoas privadas de liberdade”, disse. “As regras para prestação de contas no caso de má conduta de agentes não estatais podem ser confusas, e os serviços essenciais para os presidiários podem sofrer com as pressões para maximizar lucros”.
Recomendaçõe
O relator especial sugeriu que o governo brasileiro tome passos decisivos para a aplicação efetiva da legislação já existente no país para a prevenção e combate à tortura e maus-tratos nas prisões brasileiras.
Recomendou o uso mais efetivo dos poderes garantidos ao governo federal para acusar autoridades estaduais e federais que violarem os direitos dos presos, e condicionar o financiamento federal aos Estados ao cumprimento dessas leis.
Além disso, sugeriu a introdução de medidas efetivas de combate à superlotação, entre elas uma reforma nas leis de tráfico de entorpecentes com o desenvolvimento de padrões efetivos para determinar a posse de drogas com base em quantidades fixas.
Outra sugestão foi o estabelecimento de meios efetivos para monitorar e punir o uso abusivo da força por parte das forças policiais, além de abolir as revistas vexatórias nos presídios e garantir que as violações cometidas por agentes militares sejam julgadas por cortes criminais civis.
FONTE: Nações Unidas
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