Rafael Braga tem recurso negado em segunda instância na Justiça do RJ

 Em Combate e Prevenção à Tortura

Por Leonardo Coelho
Da Ponte Jornalismo
Por 2 votos a 1, o TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) considera o ex-catador de materiais recicláveis Rafael Braga Vieira culpado das acusações de tráfico e associação ao tráfico de drogas, em segunda instância, nesta terça-feira (12/12). Com essa decisão, Rafael terá que voltar à prisão assim que terminar o tratamento de saúde. A desembargadora Katya Monnerat, da 14ª Vara de Família do RJ, foi a primeira a votar contra a apelação da defesa de Rafael. Para ela, não há evidência de contradição nos depoimentos dos PMs.
“O réu afirma que recebeu 3 reais da mãe para comprar pão para si e seus irmãos. Presume-se que, sendo uma pessoa humilde, não poderia dispor de tal valor para adquirir a quantidade de cocaína que foi encontrada, o que reforça a tese de comercialização. E o que também derruba a tese de que a droga era apenas para seu consumo. É de conhecimento geral que em uma comunidade como a Vila Cruzeiro, sob domínio de facção como o Comando Vermelho, não seria possível o réu se apresentar aqui como um vendedor autônomo”, disse a desembargadora na sustentação oral do voto. Katya já havia votado pela manutenção da prisão de Rafael, em agosto, quando a defesa pedia o habeas corpus. A desembargadora Sandra Kayat seguiu o voto de Katya. O único voto a favor da apelação da defesa foi o do desembargador Marcos Basilio.

Preso em 2016 por tráfico e associação ao tráfico, o ex-catador foi condenado a 11 anos e 3 meses, mas atualmente estava em prisão domiciliar para tratamento de uma tuberculose contraída no superlotado sistema penitenciário brasileiro. No recurso interposto pela defesa, os advogados tentavam a revogação da condenação do jovem por tráfico e associação ao tráfico, alegando que a decisão se baseava apenas em depoimentos dos policiais militares.
Através da defesa feita pelo IDDH (Instituto de Defensores de Direitos Humanos), Rafael conseguiu liberação para se tratar em uma clínica da família pelo período integral do tratamento, que dura seis meses e termina no dia 18 de fevereiro de 2018. Com a negativa diante da apelação da defesa, após o fim do tratamento, Rafael terá de voltar imediatamente ao presídio para cumprir sua pena, que chega a 11 anos e 3 meses.
Um dos advogados do IDDH, João Tristão, explica que os recursos ainda não se esgotaram. “O próximo passo são os embargos de declaração, que visa sanar dúvidas, contradições de declarações no acordão. Como várias das coisas que a relatora falou são pontos nebulosos, até inverossímeis, diante do que foi apresentado ao longo do processo. Depois disso, é interposto os embargos infringentes, que tratam da sustentação do voto vencido em uma outra câmara criminal”, explicou. “Ele está em prisão domiciliar, ou seja, continua em tratamento. E não há nenhum mandado de prisão expedido”, concluiu Tristão.
Outro advogado de defesa de Rafael, Carlos Eduardo Martins, também do IDDH, disse que já esperava que não fossem conseguir reverter totalmente a condenação. “Eu já esperava, mas sob certo aspecto esperava que as outras duas que votaram pela manutenção da condenação, reformassem alguma parte da sentença aplicada. A gente acredita que, infelizmente, a questão (da acusação de tráfico) ficou um pouco de lado, na falta de apreciação das contradições das provas”, disse à Ponte.
O caso
O processo pelo qual Rafael responde é diferente daquele de 2013, que ficou nacional e internacionalmente conhecido. Preso em 20 de junho de 2013 por supostamente portar material explosivo, Rafael Braga Vieira foi condenado em primeira instância após sua detenção e prisão preventiva que durou cinco meses. Na realidade, o jovem estava com dois frascos de produtos de limpeza. Atualmente, ele continua sendo o único preso condenado no contexto das manifestações de junho de 2013.
Em setembro do mesmo ano, a Defensoria Pública pediu revogação da prisão preventiva de Rafael, que foi julgada improcedente pelo juiz da 32ª Vara Criminal. No dia 2 de dezembro de 2013, ele foi condenado a 5 anos e 10 meses de reclusão, sendo transferido para Bangu 5.
Pouco menos de um ano depois, em outubro de 2014, Rafael conseguiu progressão de regime para o semiaberto, que lhe permitia trabalhar durante o dia e voltar à noite para a prisão. Porém, em novembro, Rafael teve o benefício anulado após aparecer em frente à uma pichação de cunho político. Por causa disso, ele passou cerca de um mês na solitária.
No final de 2015, Rafael conseguiu acesso ao regime aberto, sendo-lhe permitido voltar a morar com a família, na Vila Cruzeiro, com o uso de uma tornozeleira eletrônica. Cerca de um mês depois, enquanto saía para comprar mantimentos, Rafael foi preso novamente, por quatro policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local, sob a acusação de tráfico de drogas. Os PMs justificaram a detenção pela suposta posse de 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína e um rojão.
No dia 20 de Abril de 2017 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou Rafael à 11 anos e três meses de prisão por tráfico e associação ao tráfico de drogas, conforme decisão do juiz Ricardo Coronha Pinheiro. As únicas testemunhas ouvidas foram os PMs envolvidos no caso, através do dispositivo chamado de Súmula 70. Na audiência de instrução, Rafael chegou a dizer em depoimento que os policiais tinham forjado provas contra ele: “Mandaram eu abrir a mão, botaram pó na minha mão, me forçando a cheirar”.
A defesa do ex-catador entrou com um pedido de habeas corpus para que Rafael respondesse o processo em liberdade. Pediu ainda novas diligências, uma vez que os policiais que o prenderam caíram em contradição durante as audiências em que depuseram como testemunhas de acusação, todas acompanhadas pela Ponte.
A defesa pediu também acesso ao registro legível do GPS da tornozeleira eletrônica que Rafael usava e também as imagens da câmera da viatura em que ele fora levado pelos PMs e da câmera da UPP Vila Cruzeiro, para onde fora conduzido antes de seguir para a delegacia. O Juiz negou o pedido sob o argumento de que o registro do GPS e as imagens das câmeras seriam desnecessárias para o desfecho do processo.
Entenda a Súmula 70
A Súmula 70 é um artigo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que autoriza o uso de depoimentos de policiais como prova oral exclusiva para condenações. Atualmente, ela é vista de modo extremamente crítico no meio jurídico
A condenação em primeira instância de Rafael Braga se deu com base nessa súmula, com testemunhos de quatro policiais militares: Pablo Vinícius Cabral, Victor Hugo Lago, Farley Alves de Figueiredo e Fernando de Souza Pimentel.
Em janeiro de 2016, poucas semanas depois após a prisão por tráfico de drogas de Rafael, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro lançou a campanha #revogasumula70, explicando, em uma de suas redes sociais, que ”defende a revogação da Súmula 70, enunciado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por não acreditar que a palavra dos policiais seja o bastante para condenar uma pessoa à prisão, mas que outros fatores devem ser analisados para que isso ocorra.”

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