Prisão domiciliar de Queiroz revela seletividade penal do sistema carcerário

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“Acredito que esse seja um problema sério em várias partes do mundo. Eu queria que hoje rezássemos pelo problema da superlotação dos presídios. Onde há a superlotação, tanta gente, há o perigo de que essa pandemia acabe em uma calamidade grave. Rezemos pelos responsáveis, aqueles que devem tomar as decisões, para que encontrem uma estrada justa e criativa para resolver o problema”

Papa Francisco (06/04/2020)

Na última sexta-feira (20), Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, deixou o complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde se encontrava preso desde 18 de junho. 

A defesa alegou que Queiroz está fazendo um tratamento contra um câncer, e isso o colocaria como grupo de risco no “atual estágio da pandemia do coronavírus”. Sendo assim, Queiroz irá cumprir prisão domiciliar. 

A Pastoral Carcerária Nacional entende, e vem defendendo desde o início da pandemia, que presos devem ser libertados, ou que penas alternativas sejam concedidas, para que não sejam infectados pelo coronavírus; tanto presos que se enquadram nos grupos de risco por conta de alguma doença pré-existente, como presos que não se enquadram, afinal o cárcere e suas condições torturantes, como superlotação, racionamento de água, alimentação insalubre e atendimento de saúde precário é em si um fator de risco. A mudança de pena de Queiroz é correta, mas revela a seletividade do poder Judiciário e do sistema penal, que prioriza as classes sociais mais altas e pessoas com poder e influência.

Pedido de Habeas Corpus Coletivo feito pelo CADHu (de Advogados em Direitos Humanos) após a mudança de pena de Queiroz ser concedida, revela essa seletividade: 

“Tribunal Regional Federal da 4ª Região: negativa para preso com hepatite C, diabete, hipertensão arterial e sequela de tuberculose pulmonar. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: negativa para preso com câncer. Tribunal de Justiça de São Paulo: negativa para preso com câncer. Tribunal de Justiça do Acre: preso hipertenso e diabético. Tribunal de Justiça do Amazonas: preso portador de HIV. Negar a presos em idêntica situação a mesma ordem é violar o direito à igualdade; beneficiando apenas alguns investigados e réus ricos, amigos de poderosos, e esquecendo a enorme massa de presos e presas preventivas em nosso inconstitucional sistema prisional, em demonstração de inaceitável seletividade do Poder Judiciário”.

No STF, até o dia 15 de maio, dos 1.386 habeas corpus examinados pela Corte, houve soltura ou prisão domiciliar em apenas 87 casos, o que representa apenas 6,28%, número este bem aquém da necessidade epidemiológica.

Em São Paulo, segundo pesquisa do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito de São Paulo, das 6.781 decisões de habeas corpus que mencionam a Covid-19, entre os dias 18 de março e 4 de maio, em 88% dos casos o pedido foi negado.

Por que outros presos com saúde comprometida, em situação similar à de Queiroz, mas que pertencem à massa carcerária, majoritariamente preta, pobre e periférica, não não são soltos? 

Isso sem mencionar os presos provisórios, que não tem uma sentença, mas já vivem como condenados: 253.963 pessoas se encontram nesta situação, representando 33,47% do total de presos no país. Seria um ato de no mínimo bom senso tirar essa população da prisão, para que não se exponha a um vírus letal.

Caso similar ocorreu em 2017, quando Adriana Ancelmo, mulher do ex governador Sérgio Cabral, teve sua pena convertida para prisão domiciliar, para poder cuidar dos filhos, enquanto que grande parcela da população carcerária feminina continuou presa e longe de seus filhos.

A PCr fez uma pesquisa avaliando a efetividade da medida do indulto presidencial do mesmo ano, que mostrou que apenas 3,5% das mulheres que poderiam ser abarcadas pela medida foram realmente beneficiadas. E um dos principais motivos disso foi que os  juízes atravessam a atribuição da Presidência, inserindo outros critérios não previstos no decreto para barrar a declaração do indulto, ferindo gravemente o direito das mulheres encarceradas.

E em 2020, essas mulheres continuam presas, longe de suas famílias e sob a ameaça de contrair a COVID-19. No dia 06/05/2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio de ofício, disponibilizou um dado preocupante a respeito de um dos principais grupos de risco da COVID-19. De acordo com o documento, fruto de um levantamento feito nas 27 unidades da federação, ainda existem 208 mulheres grávidas presas em todo o país, às quais se soma 44 puérperas e 12.821 mães de crianças menores de doze anos, sendo muitas destas últimas ainda lactantes. Além disso, 434 mulheres têm idade igual ou superior a 60 anos, e 4.052 mulheres possuem doenças crônicas ou doenças respiratórias.

A Pastoral Carcerária Nacional, seguindo a sua missão profética e na luta por um mundo sem cárceres, faz voz junto a entidades parceiras e coletivos, pedindo o fim de tamanha seletividade penal, e que se concedam formas alternativas à prisão a presos provisórios e que se encontram em grupo de risco.  


“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo. 10,10)

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