Pe. Vitor César: “São comuns os casos de tortura dos irmãos detentos”

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Em entrevista à Pastoral Carcerária, Padre Vitor César, Diretor Espiritual da PCr da Arquidiocese de Vitória (ES) denuncia as condições torturantes no cárcere do Espiríto Santo, chamando atenção especial à questão das mulheres encarceradas, que costumam ser abandonadas, e da população LGBTQIA+, tão marginalizada: “Quando temos um irmão homem encarcerado em geral está com ele a presença da sua mãe, a presença da sua namorada, da esposa, companheira, seja o que for. No caso das mulheres, grande parte delas são abandonadas por todas as pessoas da família”. (…) O que nos deixa ainda mais apreensivos é o fato da questão da saúde mental, de modo especial na sua unidade LGBTQAI+, pelo histórico de abandono e discriminação, são pessoas que chegam muito fragilizadas e vivendo sob essa estrutura de moer gente, de homofobia”.

Abaixo você confere a entrevista na íntegra. Para ler a primeira parte da entrevista com Padre Vitor, sobre a importância da juventude na Pastoral Carcerária, clique aqui.

Nas visitas pastorais às unidades prisionais, o que vocês têm visto lá em relação a questões mais graves? Tem superlotação, caso de tortura, o que vocês tem captado dessas situações, desse pós pandemia inclusive?

A situação é muito grave, muito triste. Ela tem uma complexidade, porque cada unidade prisional é como uma espécie de estado paralelo, como se o diretor fosse um mini ditador amparado pela Secretaria de Justiça, de modo que a coisa funcione através da cabeça dele, da política dele, das regras dele, e não raras vezes essas regras são absolutamente incompatíveis com o Estatuto do Homem, da Mulher, com dignidade de pessoa humana e com a Constituição Federal, com a Lei de Execução Penal, enfim.

Temos visto fatos lamentáveis dos mais diversos tipos. São comuns os casos de tortura dos irmãos detentos, são mais comuns ainda os casos de humilhações. Eles são tratados de modo absolutamente desrespeitoso, humilhante, degradante e nós temos observado inclusive formas de tortura utilizando armamento não letal.

Isso cada vez se torna mais comum, utilizando bala de borracha, bomba de gás lacrimogêneo dentro da célula fechada, abafada já em condições muito insalubres. Temos casos de pessoas que desmaiaram, temos casos de pessoas que tiveram que ser hospitalizadas por causa disso.

Existe também a questão das populações específicas. Em relação, por exemplo, às mulheres, especialmente essa unidade que fica em Cariacica. Nós temos muita dificuldade de ser presença pras mulheres. Nós sabemos que pelo machismo, pelo patriarcado, as mulheres em geral são muito abandonadas pelas famílias, e são as que não abandonam.

Quando temos um irmão homem encarcerado em geral está com ele a presença da sua mãe, a presença da sua namorada, da esposa, companheira, seja o que for. No caso das mulheres, grande parte delas são abandonadas por todas as pessoas da família.

Nós da PCr queremos estar ainda mais próximos delas. Queremos acolhê-las com mais fervor, conversar, abraçar, estar próximos, mas nessa unidade prisional nós somos impedidos de exercer o nosso direito de assistência religiosa e um direito do detento de receber assistência religiosa.

As detentas ficam dentro das celas isoladas e nós, com a caixa de som, ficamos num lugar absolutamente distante. Neste lugar a gente consegue ver os rostinhos das duas primeiras celas e só as mãos das demais.

Portanto, sem a troca, a proximidade, a partilha, nós não conseguimos exercer o nosso direito de assistência religiosa, porque nosso modelo é Cristo Jesus e ele abraçava, ele tocava, ele tava próximo, escutava.

Não conseguimos fazer escuta, nos aproximar, não conseguimos fazer o encontro nesse sentido. Nós recebemos ali uma violação do nosso direito de assistência religiosa e violação do direito daquelas mulheres receberem. Isso também é violação de direitos humanos, claro.

Poderia também dizer em relação à população LGBTQAI+ que, inclusive, muito recentemente numa parceria da Pastoral Carcerário Nacional, através do seu departamento jurídico e nós enquanto PCr da arquidiocese de Vitória, protocolamos uma denúncia que relata a grande dificuldade de vida dessa população na medida que são atacadas constantemente com frases homofóbicas, têm seus corpos violentados, não tem acesso a certos elementos que garantem a sua identidade, por exemplo, às vezes não permite que entre o xampu ou creme, isso é algo construtivo da dignidade das nossas irmãs transexuais e mulheres.

O que nos deixa ainda mais apreensivos é o fato da questão da saúde mental, de modo especial na sua unidade LGBTQAI+, pelo histórico de abandono e discriminação, são pessoas que chegam muito fragilizadas e vivendo sob essa estrutura de moer gente, de homofobia, essas pessoas acabam sofrendo ainda mais e é muito comum a automutilação, pessoas que se cortam, é muito comum casos de suicídio, a pessoa vive uma situação tão insuportável que ela não suporta viver. E o poder público contribui para situação de morte.

É muito difícil em todos os sentidos.

E como é a situação dos familiares nesse cenário?

A maioria das visitantes são mulheres, mães e companheiras. Nós tivemos um aumento muito significativo de casos de revista vexatória, que é absolutamente ilegal e violador de direitos.

Nós implementamos em todas as unidades o body scan, que era uma promessa do fim da revista vexatória. O body scan é uma grande máquina de raio X ultra especializada, e mesmo com isso tantas mulheres são despidas, tantas mulheres têm seus órgãos genitais violados.

Nós temos também casos de machismo nesse processo de revista e até de assédio, na medida que o policial homem vai passar o detector de metais e faz insinuações com o corpo da mulher e às vezes tocam esse aparelho no corpo dela de modo desrespeitoso e intencional.

Várias familiares não suportam continuar visitando e isso leva a um abandono de tantos irmãos encarcerados e, como sabemos, quanto mais abandonados eles são, mais dificuldade eles terão de voltar e conseguir restabelecer sua vida no processo do pós cárcere. A situação é muito dura.

Para encerrar, nós observamos um aumento exponencial e expressivo da população carcerária, o processo de encarceramento em massa que temos em todo o Brasil, no caso em Espírito Santo nós vivemos isso de modo muito duro, muito significativo.

As autoridades públicas não têm feito o mínimo esforço para que métodos de desencarceramento, mesmo que insuficientes, sejam utilizados. Ainda há uma pouca utilização de tornozeleira, por exemplo, há uma população relativamente pequena que estuda ou trabalha, há poucos métodos de resolução de conflito que não passam pela prisão.

Ainda é um processo muito grande de criminalização, de adoção de penas em casos que era possível buscar outras possibilidades, outros métodos alternativos.

Nós temos uma população carcerária imensa e o governo, observando a superpopulação, o excesso de pessoas nas celas e nas unidades prisionais e às vezes até com mais de 200% de lotação, apresenta como solução a construção de novos presídios e pra nós é inaceitável. Nós temos uma luta firme de nenhum presídio a mais e defendemos uma política forte e eficaz a partir da justiça restaurativa de desencarceramento. Enfim, então acho que esse é um pouco o cenário que temos no Espírito Santo.

 

Entrevista e edição de texto: José Coutinho Júnior
Edição de vídeo: Maria Ritha Paixão
Transcrição: Isabela Menedim

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