Padre Gianfranco: ‘O sistema carcerário nacional é o ápice da perversidade humana’

 Em Combate e Prevenção à Tortura

A edição de novembro da Revista Rogate, do Centro Rogate do Brasil, que atua na animação vocacional, traz uma entrevista com o Padre Gianfranco Graziola, vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária.
Padre Gianfranco fala sobre a situação do sistema carcerário brasileiro e sobre o trabalho realizado pela Pastoral Carcerária junto aos presos, bem como de sua vocação religiosa como Missionário da Consolata.
CLIQUE AQUI E LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DO PADRE GIANFRANCO
‘Curvar-se, carregar e cuidar’
Segundo o Padre Gianfranco, o trabalho da Pastoral Carcerária consiste em “reconhecer Cristo que, nesses nossos irmãos e irmãs, continua sendo encarcerado, oprimido, excluído, escarnecido, violado, torturado, flagelado, escravizado, descartado; é uma presença samaritana que realiza os três ‘Cs’ que encontramos na parábola do bom samaritano: curvar-se, carregar, cuidar. Curvar-se: é parar diante das situações concretas, de suas histórias de vida, para escutar, acolher e dar atenção a cada um; é doar um tempo, deixando os afazeres para colocar o irmão no centro. Carregar: é sentir todo o peso do produto de nosso sistema econômico, egoísta, individualista, excludente; é compartilhar e sentir a dor que os encarcerados e encarceradas sentem, que suas famílias carregam, não ficando indiferentes ou simplesmente no assistencialismo e paternalismo ‘humano-religioso’. Cuidar: é fazer-se cargo da situação de morte que é o cárcere, trabalhando, seja com os meios humanos e a partir da fé para o desencarceramento, e ousando sonhar por um mundo sem prisões”.
Sistema prisional perverso
Na entrevista, o Padre Gianfranco foi enfático:  “O sistema carcerário nacional é o ápice da perversidade humana”.
Ele detalhou como a expansão na quantidade de pessoas encarcerados tem deixado a sobrevivência no ambiente prisional à beira do impossível. “Nos últimos 14 anos (2004-2014), a população prisional teve um aumento de 267,32%, muito acima do crescimento populacional, calculado em 67%. Além disso, 40% dos presos e presas brasileiros são provisórios, ainda não foram condenados em definitivo. Sempre no mesmo período, o crescimento das mulheres encarceradas foi de 567,4%, e 68% estão envolvidas com tráfico de drogas; a maior parte delas é jovem com filhos; são responsáveis pelo provimento e sustento familiar, possuem baixa escolaridade e provêm de estratos sociais desfavorecidos; antes do aprisionamento exerciam trabalho informal”.
Ainda segundo o Padre, além da superlotação carcerária, outros desafios impostos por esse sistema prisional são: “espírito punitivista e vingativo do sistema carcerário, a lentidão e descaso do judiciário, seu corporativismo e absolutismo, a militarização do sistema, a invisibilidade e pouco conhecimento por parte da sociedade, e a mercantilização do cárcere com a privatização e terceirização dos serviços”.
Por um mundo sem prisões
Padre Gianfranco também comentou sobre a Agenda Nacional de Desencarceramento, que, segundo ele, “constitui o decálogo, o ABC da Pastoral, com propostas concretas que procuram enfrentar as causas do encarceramento”. Ele citou pontos centrais da Agenda, como o fim da construção de presídios, a valorização da Justiça Restaurativa, a descriminalização do uso das drogas, a desmilitarização das polícias, do sistema carcerária e do próprio Estado.
Outra urgência é a condição de vida das mulheres presas. “Se o tema da violência e do descaso com a mulher na sociedade é gritante, no sistema carcerário é dramático, porque nesse ambiente, fortemente e prioritariamente machista, a mulher é mais uma vez castigada, desprezada punida de várias formas desde a estrutura física das celas, o uso do uniforme, concebida apenas por homens, a negação da sua feminilidade, da maternidade, privando-a de seus filhos e dos cuidados de higiene e saúde. Em tudo isso, o estereótipo da mulher ‘anjo do lar’ e a quebra dele pesa ainda mais e aumenta a fúria do espírito de punição”.
Ainda segundo o Padre, é mentira falar que existe qualquer tipo de humanização nos cárceres, independentemente do modelo prisional que seja adotado. “O sistema prisional, em si, é desumano, tem uma caraterística de punir, culpar e fazer sofrer a pessoa para que pague para sua ação. A única saída é o desencarceramento e desaparecimento do sistema prisional. Em síntese, um mundo sem prisões”.
 
 

DEIXE UM COMENTÁRIO

Volatr ao topo