Padre Bosco: “Não há diferença entre uma prisão de adultos e uma de adolescentes”

 Em Combate e Prevenção à Tortura

Por José Coutinho Júnior
No início deste mês, sete adolescentes foram mortos e um foi ferido em uma rebelião ocorrida no centro socioeducativo Lar do Garoto, na Paraíba. O Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (CEDH) havia realizado uma visita ao local e apontado diversas violações de direitos humanos e condições insalubres, como superlotação, inexistência de qualquer atividade socioeducativa, a falta de banheiros, dentre muitas outras violações.
De acordo com o Padre João Bosco, coordenador da PCr no estado e membro do CEDH, essas condições e a falta de ação do estado em resolver os problemas apontados são as principais causas da rebelião e das mortes que se sucederam.
“Não resta dúvidas que a causa dessa insatisfação toda é a superlotação, as condições,  o tratamento dispensado, então os adolescentes acabam se revoltando. O estado olha de forma muito lenta para essa situação. O estado poderia ter evitado sim essa tragédia se ao longo do tempo priorizasse ações mais importantes, levasse em consideração as recomendações”.
Confira abaixo a entrevista de Pe. Bosco ao site da pastoral sobre as violações de direitos no Lar do Garoto:
Quais são as condições no lar do garoto?
As condições no lar do garoto são péssimas. Difícil acesso para as famílias realizarem as visitas, uma vez que a unidade se encontra fora da cidade, praticamente numa área rural. Bastante lixo, uma casa sem manutenção, péssimas condições nas estruturas físicas.
A unidade provisória dentro da unidade de internação, que ficam por oito meses até, não existe banheiro dentro das celas. Eles fazem xixi dentro de uma garrafa e precisam chamar os agentes para outras necessidades.
A superlotação foi muito criticada pelo CEDH. Quantos jovens estão presos lá, e qual é a capacidade do Centro socioeducativo?
A superlotação é visível, a unidade comporta 40 adolescentes e se encontram em torno de 200 adolescentes. A realidade essa superlotação contribui para os grandes problemas existentes na unidade.

Quais foram as recomendações feitas pelo CEDH e outras organizações que visitaram o Lar do Garoto?
Ano passado a CEDH fez inspeção e já constatava toda essa realidade, e no relatório apresentado, que está disponível no site do MPF, foi amplamente divulgado recentemente, as recomendações são 17, direcionadas ao estado enquanto gestor, mas para MPE,judiciário, defensoria pública.]
E o que lamentamos é que elas não são levadas em conta, dentro de um ano muitas mudanças podiam ter acontecido levando em conta essas recomendações, e essa tragédia poderia ter sido evitada.
A nota do CEDH menciona violações de direitos humanos. Que tipos de violações ocorrem?
Temos muitas violações de direitos. Há adolescentes que já poderiam ter saído da unidade, o judiciário reclama do corpo técnico, que não produz relatórios convincentes sobre cada adolescente, as atividades são mínimas, como acontece nas prisões comuns.
Os adolescentes ficam trancados o dia inteiro, reclamam do banho de sol quase inexistente, da comida, como em qualquer prisão.
Os agentes socioeducativos não são agentes socioeducativos, são membros de uma empresa de segurança, então a preocupação não é fazer esse processo de assistência para que os adolescentes possam de fato voltar para o convívio das suas famílias e da sociedade. Essa é uma grave violação. O ambiente completamente inadequado para a finalidade a que se propõe a unidade.
Estamos falando de um centro socioeducativo, mas essas denúncias e o que ocorreu no Lar do Garoto se assemelham muito ao que ocorre nas prisões brasileiras. Há alguma diferença no tratamento de jovens nos centros socioeducativos para adultos nas prisões?
A gente não consegue ver diferença entre uma prisão de adultos e uma de adolescentes, as celas de castigo existem, apenas com um nome diferente, cela de reflexão, mas não faz diferença entre um isolado de uma unidade ou prisão.
Não conheço unidade prisional de adulto que não tenha ao menos o lugar para fazer xixi. E ali, por ironia do destino, na ala dos provisórios nem sequer um banheiro existe disponível para ser utilizado nas celas.
Pode-se dizer que essas condições de violações de direitos humanos causaram a rebelião?
Não resta dúvidas que a causa dessa insatisfação toda é a superlotação, as condições,  o tratamento dispensado, então os adolescentes acabam se revoltando. Citam nomes de agentes que são mais truculentos.
A nota do CEDH também menciona a terceirização dos agentes socioeducadores. Qual o impacto dos agentes serem terceirizados?
O grande problema é que são agentes de segurança e às vezes até penitenciários que são reaproveitados. A empresa às vezes afasta o agente de uma unidade para recolocá-lo em outra logo em seguida.
O que o Estado poderia ter feito para impedir esta rebelião?
As causas são naturalmente relacionadas com toda essa estrutura da prisão.  O estado poderia ter evitado sim essa tragédia se ao longo do tempo priorizasse ações mais importantes, levasse em consideração as recomendações. Porém, o estado olha de forma muito lenta para essa situação. O que nos preocupa é se medidas não forem tomadas de forma urgente, essa situação poderá se repetir, inclusive em outras unidades do estado.

Já aconteceram outras rebeliões pelo estado, inclusive com a morte de um adolescente que seria transferido para Brasília e o estado não fez essa remoção com o tempo, e ele veio a óbito.

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