Onde estão as pessoas com transtorno mental no relatório Infopen 2016?

 Em Combate e Prevenção à Tortura

Em nota, o Grupo de Trabalho (GT) Saúde Mental e Liberdade da Pastoral Carcerária analisa o relatório do Infopen, que tem dados referentes à população carcerária brasileira no ano de 2016, e critica a falta de atenção do documento ao não considerar as pessoas presas nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) como parte da população prisional.
“Tais estabelecimentos compõem o imenso sistema penitenciário brasileiro, submetendo milhares de pessoas a condições verdadeiramente torturantes. Ao contrário da pena comum, a medida de segurança não possui prazo estabelecido: seu término é definido por um laudo psiquiátrico de ‘cessação de periculosidade’, que supostamente avalia se a pessoa deixa de representar perigo para a sociedade. Na prática, as pessoas em medida de segurança vivem uma condição de indefinição ainda mais radical do que as demais pessoas presas, podendo seguir privadas de liberdade por muitos anos a fio”.
Segundo a nota, os HCTPs são verdadeiros manicômios, e as pessoas presas neles estão sujeitas a diversas violações. Além disso, o GT afirma que a denominação ‘pessoas com deficiência intelectual’, usada no relatório para se referir a pessoas com transtornos, é imprecisa e arbitrária. “A definição não faz referência a qualquer documento de relevância sobre o tema e enquadra indivíduos que não tenham feito ensino superior nessa categoria, o que não configura, de modo algum, uma deficiência”.
Confira abaixo a nota completa, ou clique aqui para baixar a versão em PDF:
Onde estão as pessoas com transtorno mental no Infopen-2016? 
Grupo de Trabalho – Saúde Mental e Liberdade[1]
Pastoral Carcerária
Os manicômios judiciários – ou Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, como são formalmente chamados – são unidades prisionais que custodiam pessoas às quais se atribuiu a prática de atos análogos a crimes, mas que, por serem consideradas portadoras de transtorno mental, são inimputáveis e cumprem, portanto, medida de segurança ao invés de pena.
Tais estabelecimentos compõem o imenso sistema penitenciário brasileiro, submetendo milhares de pessoas a condições verdadeiramente torturantes. Ao contrário da pena comum, a medida de segurança não possui prazo estabelecido: seu término é definido por um laudo psiquiátrico de “cessação de periculosidade”, que supostamente avalia se a pessoa deixa de representar perigo para a sociedade.
Na prática, as pessoas em medida de segurança vivem uma condição de indefinição ainda mais radical do que as demais pessoas presas, podendo seguir privadas de liberdade por muitos anos a fio.
Ademais, contrariando todas as normativas relativas às pessoas com transtorno mental, sobretudo o marco da reforma psiquiátrica de 2001, os hospitais de custódia são verdadeiramente manicômios nos quais os(as) pacientes são submetidos(as) a todo tipo de violação.
Ocorre que grande parte das pessoas desconhece a existência de tais estabelecimentos. A falta de conhecimento público a respeito de dados institucionais é, certamente, um fator que contribui para a invisibilidade em relação aos manicômios judiciários e à população neles custodiada.
De modo a entender essa alarmante realidade, é preciso ir além dessas instituições e pautar, igualmente, a privação de liberdade de pessoas em sofrimento psíquico em unidades prisionais comuns.
Nesse caso, os(as) pacientes são amplamente invisibilizados(as), sendo privados(as) de liberdade em locais que agravam sua condição e que são absolutamente inadequados para um cuidado em saúde mental.
O último Infopen[2], relatório produzido e lançado no último dia 08 pelo Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, aprofunda a invisibilidade dos manicômios judiciários ao abordar tais estabelecimentos de maneira apenas tangencial.
Ao contrário do relatório de junho de 2014, o documento mais recente não traz sequer os números absolutos das pessoas em medida de segurança, de modo que temos apenas a informação de que essa população representa 0% das pessoas privadas de liberdade, criando uma impressão de inexistência dessa população.
Há, além disso, uma série de dados que não são disponibilizados no documento, tais como o número das pessoas com transtorno mental nas unidades prisionais comuns, o tempo médio de cumprimento das medidas de segurança e informações sobre as pessoas com transtorno mental no sistema penitenciário federal.
Da mesma maneira, na seção sobre acesso à saúde, não há nenhum recorte sobre o tipo de tratamento dispensado nos hospitais de custódia ou sobre o perfil populacional destes estabelecimentos.
Causa enorme estranheza, ainda, a definição utilizada para “pessoas com deficiência intelectual”. Nas palavras do relatório, essa categoria engloba pessoas com “limitações no funcionamento mental, afetando tarefas de comunicação, cuidados pessoais, relacionamento social, segurança, determinação, funções acadêmicas, lazer e trabalho” (p.36).
Imprecisa e arbitrária, a definição enquadra, por exemplo, indivíduos que não tenham feito ensino superior nesse escopo, o que não configura, de modo algum, uma deficiência do gênero.
Por fim, não é possível saber se, no relatório, a população em cumprimento de medida de segurança é compreendida na perspectiva da deficiência intelectual ou se são entendidas como categorias distintas.
Sabe-se que a ausência de dados e informações mais detalhadas sobre essa população decorre também da invisibilidade das pessoas com transtorno mental para os próprios gestores das unidades prisionais, de modo que um levantamento nacional dessa natureza seria comprometido.
Entretanto, ao não mencionar essa problemática, o Infopen 2016 alimenta a invisibilidade da população em sofrimento psíquico e, consequentemente, a manutenção de pacientes nestes locais estruturalmente violadores, incluindo os manicômios judiciários, que implicam em um sofrimento adicional para as pessoas com transtorno mental.
*[1] O Grupo de Trabalho Saúde Mental e Liberdade da Pastoral Carcerária, fundado em 2014, dedica-se à questão da saúde mental nos estabelecimentos prisionais, com especial atenção aos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). Por meio de visitas periódicas, prestamos assistência humanitária e religiosa aos(às) pacientes custodiados(as).
*[2] Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/relatorio_2016_junho.pdf

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