“Quem vê de longe o burburinho da fila e a ansiedade dessas mulheres e crianças, todas carregando sacolas lotadas de comida e utensílios de higiene pessoal, muitas vezes nem imagina o constrangimento a que todas são submetidas na hora de visitar um parente preso. Elas são revistadas nuas, algumas vezes conjuntamente, são submetidas a inspeções em cavidades corporais e obrigadas a fazer esforços físicos independentemente da idade e da saúde”, aponta reportagem do jornal Estado de Minas, publicada em 30 de novembro, após acompanhar, do lado de fora dos presídios de Ribeirão das Neves (MG), um dos dias de visita.
A revista vexatória é uma prática condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que considera esse procedimento, principalmente em caso de revista da genitália feminina, uma forma de violência contra a mulher. A mesma posição adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que considera a revista uma violação aos direitos fundamentais e às garantias do ser humano. E em Minas Gerais há até uma lei que proíbe tal procedimento.
“A Lei Estadual 12.492, criada em 1997 em nosso estado para acabar com a revista íntima abusiva realizada nos visitantes de pessoas reclusas, nunca foi cumprida. Ao contrário, a prática dessa revista íntima conhecida como revista vexatória foi e é amplamente aplicada nos estabelecimentos prisionais de Minas, expondo pessoas, principalmente mulheres idosas e, muitas vezes, jovens e crianças a situações degradantes e humilhantes”, afirmou Massimiliano Russo, advogado da Pastoral Carcerária de Belo Horizonte.
Segundo a reportagem, em setembro deste ano, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) editou uma resolução normatizando a revista para abolir procedimentos agressivos e humilhantes e determinando que se preserve a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada. Ela também determina que a revista seja realizada por meio de aparelhos eletrônicos (detectores de metal, raio-x e scanner corporal) e veda todo procedimento degradante, como inspeções que exijam o desnudamento do visitante, parcial ou totalmente, introdução de objetos em cavidades corporais, uso de cães farejadores, agachamentos ou saltos.
Em novembro, a Pastoral Carcerária de Minas Gerais pediu ao Ministério Público que ajuíze uma ação civil pública contra o estado por causa da manutenção desse procedimento considerado humilhante e agressivo, principalmente contra as mulheres. Um dos documentos que integram o pedido de providência jurídica é uma carta assinada pelos 27 bispos da CNBB Leste, que engloba Minas e o Espírito Santo.
A Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi) afirmou, em comunicado ao jornal Estado de Minas, que a recomendação do (CNPCP) ainda está sob avaliação; e alegou que a revista íntima ajuda na manutenção da segurança nas unidades prisionais e o impedimento da entrada de materiais ilícitos. No entanto, em Minas Gerais, em 2013, a média mensal de visitas nas maiores unidades prisionais do estado foi de 73.685 pessoas, sendo que foram registradas, apenas, 35 apreensões de celular e 68 de drogas.
Há de se perguntar se a quantidade apreendida de ilícitos justifica o constrangimento que passam os visitantes dos presos, como M.J.L, 38 anos, cujo marido está preso há três anos em Ribeirão das Neves. “Tem gente que até passa mal nessa hora [a da revista vexatória] e outras que nunca mais voltam porque ficam com vergonha. É humilhante para todas nós, para qualquer mãe de família. Muitas vezes, isso afasta a gente do preso. Minha irmã largou meu cunhado por causa disso tudo aqui. Não aguentou”.
Segundo a reportagem, além dos constrangimentos com a revista vexatória, por vezes, os parentes têm sido surpreendidos com a transferência dos presos sem que a família seja comunicada, só descobrem no dia da visita. “Já aconteceu de eu chegar para visitar e ele ter sido transferido”, disse uma jovem, companheira de um preso detido no presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves. Lá, segundo ela, funciona um scanner corporal, mas isso dispensa a revista vexatória em caso de visita íntima. “Eu já desisti da visita íntima por causa desse procedimento. É muita humilhação ter suas partes intimas vasculhadas”, contou.
Entrevistada, Anna Eliza Faleiro, 29 anos, advogada e militante da Pastoral Carcerária, alertou que a manutenção do vínculo familiar é um dos principais caminhos de ressocialização do preso. “A família é fundamental para reintegração, mas ele não pode marchar cadeia com o preso”, disse, usando uma expressão cunhada nos presídios.
REPORTAGENS DO JORNAL ESTADO DE MINAS SOBRE O TEMA:
Visita a presídios expõe mulheres e crianças a revistas vexatórias
Bispos querem proibir revista vexatória no País
Transferências em presídios são feitas sem aviso a parentes