Corte da OEA ordena que Brasil acabe com violações no maior presídio do país

 Em Combate e Prevenção à Tortura

A Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou, em 14 de outubro, resolução pela qual ordena o Estado brasileiro a implementar novas medidas urgentes para garantir a vida e integridade dos presos, visitantes e funcionários da maior unidade prisional do país, o Complexo do Curado (antigo Aníbal Bruno), em Recife (PE).

LEIA A ÍNTEGRA DA RESOLUÇÃO DA CORTE DA OEA

Entre os problemas a serem solucionados no presídio – que hoje contém mais de 7 mil pessoas em espaço para menos de 1.900 – destacam-se a tortura, a corrupção, a superlotação e a falta de proteção a presos LGBT e outros grupos que sofrem discriminação.  A Resolução é fruto de uma audiência no dia 28 de setembro em que o tribunal exigiu explicações do Estado sobre a crescente onda de violência no Complexo do Curado.
O processo contra o Brasil foi iniciado em 2011 por uma coalizão formada pela Pastoral Carcerária, o Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (SEMPRI), a Justiça Global e a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard.
“A Resolução da Corte impõe o rigor necessário ao Estado brasileiro, que insiste em manter uma política prisional deteriorada, sucateada, discriminatória, humanamente improdutiva e insegura”, disse Wilma Melo, coordenadora de direitos humanos do SEMPRI.
A decisão do tribunal é obrigatória, já que o Estado brasileiro aceitou a competência da Corte em 1998. Para a advogada Natália Damazio, da Justiça Global, ao ser novamente citado internacionalmente pela situação do Complexo, o Brasil se vê pressionado a agir. “Há um discurso do Estado de que a situação no Curado vem melhorando desde a primeira Resolução da Corte, em 2014. Essa nova ordem mostra o tamanho da omissão, obrigando o Brasil não apenas a rever seu discurso público sobre o caso, mas também suas ações para interromper as graves violações de direitos no local”, afirmou a advogada.
Declarando a “completa falta de eficácia” do Estado na coibição de ilícitos no Complexo, a Corte observa na Resolução que “continuam sendo apreendidas centenas de armas, drogas de vários tipos, centenas de litros de bebida alcoólica, centenas de celulares, entre outros”, reparando, ainda, denúncias de que “se venderia uma faca por R$300,00 (trezentos reais) e uma pistola por R$10.000,00 (dez mil reais)”.
Segundo a ordem, “a Corte considera imperativo que o Estado investigue de maneira diligente as denúncias de corrupção e comércio de armas por parte de funcionários e internos e que informe o Tribunal a esse respeito”.
“É um pronunciamento histórico”, disse o advogado Fernando Ribeiro Delgado da Clínica de Harvard. “Um tribunal internacional de direitos humanos ordenando a investigação de corrupção é algo inovador no direito, uma distinção infelizmente dúbia para o Brasil”.
Entre as medidas determinadas pela Corte para o país, é possível também destacar as seguintes: adoção de uma política preventiva sobre HIV, tuberculose e outras doenças transmissíveis; fim da função dos ditos “chaveiros”, que são presos que controlam os pavilhões e possuem chaves das celas no presídio; fim dos castigos extraoficiais e espaços indignos de detenção; adequação do número insuficiente de agentes de segurança; e fim da proibição da entrada da coalizão com câmeras no Complexo para monitoramento da implementação da ordem da Corte.
Foram numerosas as provas entregues à Corte para fundamentar a Resolução, e elas levantam questionamentos sérios.  Por exemplo, a coalizão relatou que “[e]m 18 de junho de 2015… as enfermarias não tinham medicamentos básicos (soro e analgésico) e há falta de luvas”, sendo esse apenas um de múltiplos exemplos parecidos.  Segundo o Portal da Transparência, o Governo Federal repassou para o Governo do Estado de Pernambuco nos meses de fevereiro, maio e julho de 2015 a quantia de R$7.220.783,14, especificamente para serem investidos na área da saúde de pessoas privadas de liberdade no estado.
Várias denúncias também foram ilustradas com um vídeo exibido aos juízes durante a audiência de 28 de setembro.  Outras denúncias levadas em consideração pela Corte incluem:
“[e]m uma visita realizada em 8 de outubro de 2014, alguns internos relataram a existência de um sistema ilegítimo de aluguel de espaços (barracos) nos Pavilhões para que eles possam dormir”;
“[e]m 24 de fevereiro de 2015…foi reportado um interno que dormia amarrado às barras da janela da cela disciplinar, devido à falta de espaço na cela”;
“[o]s funcionários usam coletes à prova de balas ‘vencidos’”;
“o estupro coletivo de um detento LGBT na cela de castigo, o qual seria produto de uma sanção aplicada por um ‘chaveiro’; O detento em questão teria sido contagiado com HIV como consequência desse estupro”;
“[o] interno Vilmário de Souza havia denunciado ameaças de morte contra sua pessoa. Os representantes comunicaram a situação e solicitaram atenção urgente à direção do Complexo, mas o Estado não adotou medidas para protegê-lo. Em agosto de 2015, esse interno foi assassinado dentro do Complexo do Curado”;
“[o] Estado autorizou o uso de armas letais contra presos em caso de tentativas de fuga”;
“[e]m 27 de setembro de 2015, uma pessoa que vive nos arredores do Complexo Penitenciário faleceu por um disparo de arma de fogo proveniente de Curado”;
“os representantes documentaram dezenas de incidentes de violência, entre eles motins, brigas entre internos, tentativas de homicídio, tentativas de fuga, espancamentos e atos de tortura”.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos – outro órgão que, assim como a Corte, é ligado a Organização dos Estados Americanos (OEA) – começou a monitorar o Complexo Aníbal Bruno em 2011. Durante quatro anos, a coalizão de organizações da sociedade civil catalogou centenas de violações à dignidade humana dos presos, funcionários e visitantes do Complexo.
A falência do Complexo é um reflexo não somente da situação calamitosa do sistema prisional pernambucano, que possui uma das piores e crescentes taxas de encarceramento no Brasil, mas também de uma realidade prisional nacional que historicamente encarcera violando direitos. O caso do Complexo gerou também um grande acervo com mais de 700 páginas de provas coletadas ao longo do litígio: http://arquivoanibal.weebly.com.

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