Uma Amazônia plural, formada por diversas cores, culturas, rostos, formas, diversa na aparência e na essência, um verdadeiro campo missionário. Foi a face revelada pelo Sínodo para a Panamazônia. Fauna, flora e povos originais encontram no solo da floresta o alento e o amparo de uma mãe, a mãe terra, que protege, sustenta e provê o necessário diante das necessidades da vida. Há uma relação muito maior que a mera dependência para o sustento da vida. Trata-se de uma relação afetiva, sagrada que define a identidade dos povos amazônicos (cf. n. 25). A Amazônia é uma grande região, berço de diversas culturas e formas de vida, capaz de viverem em harmonia por muito tempo, mas que agora se encontra ameaçada pela voracidade e ambição do homem (cf. n. 45).
Diante dos ataques a natureza, a biodiversidade e aos povos indígenas, a Igreja sinodal ali reunida, formada por bispos, padres, religiosas e religiosos, leigos e leigas de boa vontade, dedicam boa parte do relatório final para descrever a realidade enfrentada pela vida ameaçada em suas mais diversas formas. Em tom profético, o relatório final denúncia as inúmeras situações de injustiça cometidas em nome de interesses políticos e econômicos dominantes (cf. n. 10). “A vida dos povos indígenas, mestiços, ribeirinhos, camponeses, quilombolas ou afrodescendentes e comunidades tradicionais está ameaçada” (n. 47). Ataques a natureza, crise socioambiental, privatização de ativos naturais, tais como a água, desmatamento, caça e pesca predatória, construção de hidrelétricas, estradas e rodovias sem o menor critério, destruição da biodiversidade em nome da monocultura, são problemas denunciados pelo sínodo (cf. n. 10, 11).
O crescimento desordenado das grandes cidades é outro problema apresentado pelo relatório, associado aos já mencionados acima, que exige o olhar da Igreja. O êxodo da população rural e dos povos indígenas, muitas vezes iludidos pelo falso brilho do espaço urbano, se não movidos a força, expulsos de suas terras, resulta em uma grande massa de sobrantes que se aglomera nas periferias das grandes cidades (cf. n. 12, 13). Sem trabalho, sem comida, sem acesso a saúde, a saneamento básico, a educação, e enfrentando a desintegração da realidade familiar, esta população migratória tende a cair no mundo da criminalidade (cf. n. 28).
Esta realidade humana na Amazônia revela o rosto de Jesus Cristo empobrecido e faminto (c. Mt 25,35) sobretudo nos jovens. A realidade carcerária na Amazônia constitui outro sério problema, consequência dessas situações. O relatório final destaca o crescimento da população jovem encarcerada, bem como os crimes entre e contra os jovens, especialmente afrodescendentes e de origem periférica (cf. n. 30). A massa de marginalizados, sem direitos, que se amontoa nas periferias só faz crescer a pobreza, a violência, a proliferação de doenças, a prostituição infantil, a exploração sexual, o uso e o tráfico de drogas, o desemprego e a gravidez precoce, os inúmeros casos de tráfico de pessoas e órgãos (cf. n. 30, 34).
A violência e a criminalidade não são intrínsecas ao ser humano, tão pouco aos povos indígenas e outras culturas. Assim como qualquer outra pessoa, estes jovens possuem sonhos, aspirações, desejos e necessidades. Gostariam de estudar e trabalhar, sendo protagonistas de suas vidas (cf. n. 30). No entanto, este direito lhes é negado por uma cultura de morte (cf. n. 35, 48, DAp n. 95). Segregados, marginalizados e perseguidos, essas pessoas são condenadas por cederem ao sistema vigente na sociedade da exploração e do consumo. Enquanto massa de encarcerados, se aglomeram nos presídios, constituindo mais um número para o sistema carcerário.
Como falar de evangelização, de espiritualidade, de celebração onde o direito à vida é negado? Nesse campo de missão da panamazônia, a Pastoral Carcerária se faz indispensável. “Para a Igreja, a defesa da vida, da comunidade, da terra e dos povos indígenas é um princípio evangélico, em defesa da dignidade humana (cf. Jo 10,10)” (n. 47). A Igreja reunida no sínodo deixa explicita, no relatório final, a relação de interdependência entre Evangelho e justiça social (cf. n. 35). “É necessário defender o direito de todas as pessoas” (n. 35). Nesse sentido, o objeto da Pastoral Carcerária se mostra em plena sintonia com a proposta do sínodo. “Evangelização e promoção da dignidade humana por meio da presença da Igreja nos cárceres, através das equipes de pastoral na busca de um mundo sem cárceres!” Evangelizar significa promover a dignidade da vida humana, fazendo-se presente/participante, deixando-se envolver/interpelar pela realidade enfrentada. Para que isso aconteça a Igreja é chamada a ser presença ativa na realidade social e sobretudo carcerária, organizando sua pastoral, articulando uma metodologia eficaz na construção do Reino de Deus, através da qual gere consciência, edifique e promova a vida e concretize seu ideal: um mundo sem cárceres!
É necessário promover a salvação integral da pessoa humana e não apenas espiritual (cf. n. 48). Nesse sentido, a presença da Pastoral Carcerária constitui um serviço para a vida plena dos povos indígenas. Falar no Evangelho de Cristo significa promover a vida, lutar pelos direitos, sendo profeta da esperança ao denunciar os abusos cometidos contra os irmãos encarcerados e ao proclamar que é possível pensarmos e executarmos um projeto de combate à criminalidade e a violência através da educação e da garantia dos direitos básicos a uma vida digna, sem apelarmos para o sistema punitivo. Isso é viável e palpável através da Agenda pelo Nacional Desencarceramento, uma proposta consistente que se fundamenta e estrutura em dez pilares dos quais o pilar da Justiça Restaurativa se destaca como caminho para a superação de uma mentalidade retributiva em vista de UM MUNDO SEM CÁRCERES!
Leonardo Envall Diekmann
Secretário da Pastoral Carcerária
do Regional Sul 3 da CNBB
Vera Lúcia Dalzotto
Assessora Nacional da Pastoral Carcerária
para a questão da Justiça Restaurativa