2025: O Ano de Ser Paz para Construir a Paz

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2025: O Ano de Ser Paz para Construir a Paz

A frase “O mundo só será de paz se tu fores paz” é um chamado profundo à autorresponsabilidade. Ela nos lembra que a transformação global começa no interior de cada ser humano. Em um tempo marcado por conflitos, divisões e incertezas, 2025 surge como uma oportunidade para semearmos a consciência de que a paz que desejamos no mundo depende, acima de tudo, da paz que cultivamos dentro de nós mesmos.

A Paz Começa no Coração

A paz não é um estado passivo, mas uma prática diária de escolhas conscientes. Ser paz significa abandonar ressentimentos, perdoar, acolher, dialogar e enfrentar a vida com serenidade, mesmo diante das adversidades. O próprio Cristo nos deixou este ensinamento:

“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize.” (João 14,27)

Essa paz interior, que transcende circunstâncias externas, é o que nos capacita a sermos agentes de transformação em nossas famílias, comunidades e no mundo. No entanto, a paz que Cristo nos convida a viver também nos desafia a reconhecer nossas próprias falhas, a necessidade de sermos coerentes com o que pregamos e a importância de construir relações baseadas na justiça e no respeito mútuo.

Para exprimir o amor de Jesus Cristo, recorre-se frequentemente ao símbolo do coração. Há quem se interrogue se isto atualmente tenha um significado válido. Porém, é necessário recuperar a importância do coração quando nos assalta a tentação da superficialidade, de viver apressadamente sem saber bem para quê, de nos tornarmos consumistas insaciáveis e escravos na engrenagem de um mercado que não se interessa pelo sentido da nossa existência.

Deste modo, fala-nos de um núcleo, o coração, que se esconde por detrás de todas as aparências, e até mesmo de pensamentos superficiais que nos confundem. Os discípulos de Emaús, na sua misteriosa caminhada com Cristo ressuscitado, viviam um momento de angústia, confusão, desespero, desilusão. Mas, para além disso e apesar de tudo, acontecia algo no seu íntimo: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho?» (Lc 24, 32).

Justiça Restaurativa: Ser Paz em Ação

A Justiça Restaurativa nos oferece um caminho concreto para transformar a paz interior em ação no mundo. Seus princípios — como o diálogo, o acolhimento, a empatia e a valorização das histórias individuais — nos ensinam a viver a paz de forma ativa e transformadora. Ser paz implica reconhecer que não existem verdades absolutas e que cada pessoa carrega sua própria verdade, que merece ser ouvida e respeitada.

O coração é igualmente o lugar da sinceridade, onde não se pode enganar ou dissimular. Costuma indicar as verdadeiras intenções, o que se pensa, se acredita e se quer realmente, os “segredos” que não se contam a ninguém, em suma, a verdade nua e crua de cada um. O que não é aparência ou mentira, mas autêntico, real, inteiramente “pessoal”.

O coração restaurativo:

Papa Francisco na sua última encíclica DILEXIT NOS [Ele nos amou], no primeiro capítulo ajuda-nos a compreender a importância do coração como lugar mais profundo e verdadeiro de nós mesmos e nos propõe de voltar a ele com algumas reflexões e considerações que não são nada intimistas, mas realistas concretas, e por isso restaurativas e fonte de paz. Escutemos e ouçamos suas sabias palavras: 

Ao não se dar o devido valor ao coração, desvaloriza-se também o que significa falar a partir do coração, agir com o coração, amadurecer e curar o coração. Quando não se consideram as especificidades do coração, perdemos as respostas que a inteligência por si só não pode dar, perdemos o encontro com os outros, perdemos a poesia. E perdemos a história e as nossas histórias, porque a verdadeira aventura pessoal é aquela que se constrói a partir do coração. No fim da vida, só isto contará.

É preciso afirmar que temos um coração e que o nosso coração coexiste com outros corações que o ajudam a ser um “tu” […] Porque é o coração que origina a proximidade; é pelo coração que me encontro junto dos outros e os outros estão igualmente junto de mim. Só o coração pode acolher, dar refúgio. A interioridade é o ato e esfera do coração. O homem está em intimidade com o seu íntimo no coração, não no espírito. Estar em intimidade com o íntimo, no espírito, não é do domínio humano. Mas quando o coração não vive, o homem encontra-se ao lado de si mesmo. 

Ao mesmo tempo, o coração torna possível qualquer vínculo autêntico, porque uma relação que não é construída com o coração não pode ultrapassar a fragmentação do individualismo. Restariam apenas duas mônadas que se justapõem, mas não se ligam verdadeiramente. Uma sociedade cada vez mais dominada pelo narcisismo e pela auto referencialidade é uma sociedade “anti-coração”. E, por fim, chega-se à “perda do desejo”, porque o outro desaparece do horizonte e nos fechamos no nosso egoísmo, sem capacidade para relações saudáveis.

Vemos assim como no coração de cada pessoa se produz esta ligação paradoxal entre a valorização do próprio ser e a abertura aos outros, entre o encontro muito pessoal consigo mesmo e o dom de si aos outros. Só nos tornamos nós próprios quando adquirimos a capacidade de reconhecer o outro, e só encontra o outro quem é capaz de reconhecer e aceitar a própria identidade.

O coração é também capaz de unificar e harmonizar a própria história pessoal, que parece fragmentada em mil pedaços, mas na qual tudo pode adquirir sentido. É isso que o Evangelho exprime no olhar de Maria, que olhava com o coração. Ela foi capaz de dialogar com as experiências que conservava, meditando-as no seu coração, dando-lhes tempo: simbolizando-as e guardando-as no seu interior para as recordar. 

Maria e as marias mulheres de coração restaurativo 

Todos nós encontramos e fazemos na vida a experiência de ter uma mulher que é nossa mãe, além de tantas outras que encontramos em nosso caminho. Costuma-se dizer que na mulher encontra-se o coração e a experiência das portas dos presídios e de tantas outras portas da vida nos dizem e confirmam que o coração delas tem sempre lugar por um filho ou filha que nos caminhos da vida pegou caminhos que elas não esperavam e não compreendem. 

No Evangelho, a melhor expressão do que pensa o coração é oferecida por duas passagens de São Lucas que nos dizem que Maria “guardava (synetérei) todas estas coisas, ponderando-as (symbállousa) no seu coração” (cf. Lc 2, 19.51). O verbo symbállein (do qual provem a palavra “símbolo”) significa ponderar, unir duas coisas na mente, examinar-se, refletir, dialogar consigo mesmo. Em Lc 2, 51, dietérei é “conservava com cuidado”, e o que ela guardava não era apenas “a cena” que via, mas também o que ainda não compreendia, conservando-o presente e vivo, na esperança de unir tudo no seu coração.

A Justiça Restaurativa nos convida a:

Reconhecer o impacto de nossas ações nos outros e buscar reparação quando necessário.

Abandonar preconceitos e estereótipos que dividem e ferem.

Construir espaços de diálogo onde a diferença seja uma oportunidade de aprendizado, não uma ameaça.

Viver aquilo que pregamos, promovendo justiça e amor em todas as nossas relações.

Essa prática nos desafia a abandonar qualquer uso da fé como ferramenta de opressão ou julgamento. A verdadeira fé é libertadora, e não controladora; ela acolhe, em vez de excluir. Como agentes de paz, somos chamados a construir pontes, não muros.

Este núcleo de cada ser humano, o seu centro mais íntimo, não é o núcleo da alma, mas da pessoa inteira na sua identidade única, que é alma e corpo. Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede do amor com todas as suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas. Em última análise, se aí reina o amor, a pessoa realiza a sua identidade de forma plena e luminosa, porque cada ser humano é criado sobretudo para o amor; é feito nas suas fibras mais profundas para amar e ser amado.

Ser Paz é uma Escolha Diária

O mundo muitas vezes nos convida ao contrário da paz: ao ódio, à competição, ao julgamento e à pressa. Mas a paz verdadeira não é algo que encontramos fora de nós; ela é fruto de um trabalho interior. Isso exige humildade para reconhecer nossas falhas, coragem para mudar e determinação para agir com amor.

Em 2025, que tal refletirmos: Como posso ser paz no meu dia a dia?

O evento jubilar convida-nos a empreender várias mudanças para enfrentar a atual condição de injustiça e desigualdade, recordando nos que os bens da terra não se destinam apenas a alguns privilegiados, mas a todos. Pode ser útil recordar o que escreveu São Basílio de Cesareia: «Mas que coisas, diz-me, são tuas? De onde as tiraste para as incluir na tua vida? […] Não saíste totalmente nu do ventre da tua mãe? Não voltarás, de novo, nu para a terra? De onde vem o que tens agora? Se dissesses que te veio por acaso, estarias a negar Deus, a não reconhecer o Criador, e não estarias grato ao Doador».

No lar: cultivando paciência, gentileza e diálogo com aqueles que convivem conosco.

No trabalho: promovendo respeito, cooperação e empatia.

Na sociedade: rejeitando preconceitos, reconhecendo a verdade do outro e construindo um espaço de convivência mais humano e restaurativo.

A Paz é Contagiosa

Quando nos tornamos paz, inspiramos os outros a fazer o mesmo. Uma atitude pacífica pode desarmar o ódio, neutralizar conflitos e criar um espaço de diálogo. É como Jesus ensinou no Sermão da Montanha:

“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5,9)

A Justiça Restaurativa também nos lembra que, ao reconhecer as dores e os erros de todos os lados, encontramos caminhos para reconstruir relações rompidas. Somos todos responsáveis pela transformação, e o perdão não é apenas um dom divino, mas também um ato humano que pode curar feridas profundas.

2025: Um Ano para Transformar o Mundo

Imaginemos um mundo onde cada pessoa escolhe ser paz e busca viver os princípios da justiça restaurativa. Esse sonho só se torna realidade quando cada um de nós faz sua parte. Pequenos gestos diários — como ouvir com empatia, evitar julgamentos, tratar os outros com respeito e buscar a verdade no diálogo — têm o poder de transformar realidades.

Levar o coração a sério tem consequências sociais. Como ensina o Concílio Vaticano 2°, «temos, com efeito, de reformar o nosso coração, com os olhos postos no mundo inteiro e naquelas tarefas que podemos realizar juntos para o progresso da humanidade». Porque «os desequilíbrios de que sofre o mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem». 

Perante os dramas do mundo, o Concílio convida-nos a regressar ao coração, explicando que o ser humano «pela sua interioridade, transcende o universo das coisas: tal é o conhecimento profundo que ele alcança quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta os corações (cf. 1 Sm 16, 7; Jr 17, 10), o espera, e onde ele, sob o olhar do Senhor, decide da própria sorte»

Neste novo ano, não esperemos que os governos, as instituições ou os outros sejam os primeiros a agir. Se queremos um mundo de paz, precisamos começar por nós mesmos. Como São Francisco de Assis orou:

“Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz.”

O Concílio Vaticano 2°, também diz que «o fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma irreprimível exigência de dignidade», ainda que não baste apenas conhecer o Evangelho, ou fazer mecanicamente o que ele nos manda, para viver de acordo com esta dignidade. Precisamos da ajuda do amor divino. Recorramos, pois, ao Coração de Cristo, o centro do seu ser, que é uma fornalha ardente de amor divino e humano, a mais alta plenitude que a humanidade pode atingir. É aí, nesse Coração, que finalmente nos reconhecemos e aprendemos a amar.

Coração Sagrado é o princípio unificador da realidade, porque «Cristo é o coração do mundo; a sua Páscoa de morte e ressurreição é o cerne da história que, graças a Ele, é uma história de salvação». Todas as criaturas avançam «juntamente conosco e através de nós, para a meta comum, que é Deus, numa plenitude transcendente onde Cristo ressuscitado tudo abraça e ilumina». 

Que 2025 seja o ano em que cada um de nós aceite esse desafio: ser instrumento de paz, vivendo e promovendo os valores da Justiça Restaurativa em um mundo que tanto precisa dela. Pois só haverá paz no mundo quando, verdadeiramente, tivermos paz em nossas vidas.

                 Vera Dalzotto

 

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