A situação do sistema penitenciário nacional foi debatida em uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, em 18 de junho.
Participaram representantes do Ministério Público, das Nações Unidas, da OAB, do governo federal, dos governos estaduais e de entidades sociais, entre as quais a Pastoral Carcerária, representada pelo Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral.
ASSISTA À ÍNTEGRA DA AUDIÊNCIA PÚBLICA NO SENADO
Padre Valdir iniciou sua exposição enfatizando que “quanto mais se prende, quanto mais se aumenta a pena, mais aumenta a criminalidade no País, assustadoramente”. Ele garantiu que o sistema prisional não tem a capacidade de ressocializar e de reintegrar as pessoas, e opinou que todos os governos no Brasil – federal e estaduais – erram nas políticas de resolução de conflitos. “As respostas dadas até agora para as questões da violência têm sido altamente equivocadas, gerando retorno de violência ainda maior para a sociedade brasileira”.
O coordenador nacional da PCr recordou que o recrudescimento das punições às pessoas presas, como a adoção do RDD, não tem levado à redução da violência, mas sim redundado em mais tensão dentro e fora dos cárceres e no aumento na quantidade de presos que sofrem com transtornos mentais. “O sistema prisional está enlouquecendo muita gente”, sintetizou.
Valendo-se dos dados mais recentes do CNJ, Padre Valdir lembrou que no Brasil já há mais de 602 mil presos, sendo que destes, 233,8 mil são presos provisórios. Ele citou, ainda, pesquisas que indicam que 37% dos presos já cumpriram o período de pena ou estão encarcerados mesmo sendo inocentes, e que uma minoria dos encarcerados estuda, 12%, ou trabalha nas prisões, 8%,
“A respostas que têm sido dadas nos estados ao conflito de violência é aumentar presídios e aumentar o número de vagas. Bastaria o Judiciário trabalhar e colocar em dia esses processos. Não precisaria construir mais vaga alguma em estado nenhum, pelo contrário” , afirmou.
Padre Valdir criticou, ainda, a postura do Judiciário, que não age de modo efetivo diante do caos das prisões, mesmo conhecendo a realidade da superlotação carcerária, e sabendo que boa parte dos presos ainda não foi julgada e convive em isolamentos, sem banho de sol, sem assistência jurídica e de saúde. “Se houvesse uma inspeção de saneamento básico nas prisões do Brasil, eu queria ver quantas ficariam em pé”, apontou.
O coordenador nacional da PCr também foi enfático ao falar que a eficácia dos presídios privatizados é uma falácia. Ele citou o caso de Minas Gerais, onde estão a maioria desses presídios, mas neste estado, a população carcerária cresceu 624% entre 2005 e 2012, bem acima da média nacional, de 74%.
“Dizem que as ONGs de presídio privatizado têm o maior índice de recuperação, mas existe algum instituto que pesquise isso no Brasil? Não existe! Para as ONGs e para os privatizados vão somente os presos selecionados. Quando alguém comete uma falta grave nesses presídios é devolvido para as unidades prisionais do Estado. E no final ainda querem comparar quem sai mais reintegrado?”, comentou.
O Padre defendeu que se discuta a descriminalização do uso das drogas no País, visto que quem acaba preso é o pequeno usuário e não o traficante. “Enquanto não houver uma lei para a descriminalização do usuário de droga, não teremos redução de prisões. A questão tem que ser tratada como de saúde pública. O usuário é preso em um lugar em que terá o uso garantido, só que mais caro. Então, qual é a finalidade de prender o usuário de droga?”.
Por fim, Padre Valdir lembrou que a Pastoral Carcerária é favorável à criação de uma ouvidoria externa do sistema prisional e à instalação de comitês estaduais de combate à tortura.
‘Em vez de trabalhar pelo desencarceramento, Governo aumenta vagas’
Entre os que acompanharam a audiência no dia 18, estava Luciano Borges dos Santos, advogado, que já foi procurador no Estado do Ceará, e que entre 2009 e 2011 presidiu a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (ANADEF).
Em entrevista ao Site da PCr, Luciano lamentou que o governo federal esteja liberando mais de R$ 1 bilhão para a construção de novas unidades prisionais. “Isso significa que em vez de estar preocupado com a quantidade exagerada de presos provisórios, que corresponde a mais de 40% dos custodiados no Brasil, o governo federal, em vez de trabalhar o desencarceramento em massa, está construindo mais unidades para receber mais presos”.
O advogado também comentou que há grande dificuldade em fazer chegar aos tribunais superiores os processos referentes aos presos. “Os tribunais superiores filtram a possibilidade de impetração de habeas corpus e isso vem a chancelar as ilegalidades cometidas nos tribunais de justiça. Hoje, para impetrar um habeas corpus no STJ e no Supremo Tribunal Federal, há uma jurisprudência consolidada de que só é possível acessar os tribunais superiores se houver julgamento do colegiado dos tribunais de origem, mas este julgamento, às vezes, demora um dois, três anos. Então, o STJ e Supremo Tribunal Federal estabeleceram filtros processuais para análise de habeas corpus, o que gerou uma jurisprudência perniciosa que está contribuindo para o encarceramento em massa, porque as ilegalidades praticadas nos tribunais de origem não têm como ser discutidas”.
“Reforço o papel do Padre Valdir que apontou as mazelas do sistema carcerário e que realmente precisa ser ouvido pelo governo federal, que tem a incumbência de estabelecer uma política pública nacional contra o encarceramento, mas o Poder Executivo federal está indo na contramão: em vez de trabalhar pelo desencarceramento, está aumentando as vagas com a liberação de mais de R$ 1 bilhão para isso”.