A Pastoral Carcerária, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e a Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas produziu uma série de entrevistas e vídeos com Cristiano Maronna, secretário executivo da Plataforma, para discutir e ampliar o debate sobre um dos pontos da Agenda Nacional Pelo Desencarceramento: o combate à criminalização do uso e comércio de drogas.
Nesta parte, Cristiano esclarece as diferenças entre descriminalização, legalização e regulamentação das drogas, e afirma que políticas que proíbem o uso de drogas não são alternativas viáveis para diminuir o seu consumo.
“Na década de 1980 o Brasil tinha 35% de usuários de tabaco entre 14 e 65 anos, e hoje temos pouco mais de 10%. Então houve uma redução significativa do consumo de tabaco, e não foi preciso colocar ninguém na cadeia, não foi preciso dar um único tiro. Apenas campanhas educativas, preventivas, a aplicação da convenção quatro contra o tabaco, que restringe o uso de tabaco em lugares fechados, entre outras normas e restrições.”
O que é descriminalização?
Descriminalizar significa deixar de considerar crime. Hoje no Brasil a posse de drogas para uso pessoal é crime e pode ser punida com penas como advertência e prestação de serviços. É um crime ínfimo que torna desnecessária a ação penal. Mas a lei de drogas tem também o crime de tráfico, que é considerado muito grave. As penas variam de cinco a quinze anos de prisão. É um crime que a pessoa de fato corre o risco de ser presa.
Um dos pressupostos para que algo seja considerado um crime é a questão da alteridade, ou seja, que a conduta de alguém atinja o interesse de terceiros. Por exemplo, no homicídio o autor tira a vida da vítima e com isso atinge o que ela tinha de mais valioso.
Então há justificativa para um crime. No caso da tentativa de suicídio, apesar de ser uma conduta socialmente nociva, ela não é incriminada. A lei pune quem instiga uma pessoa a cometer o suicídio. Se a tentativa de suicídio, que é o mais grave em termos de auto lesão não é punida, como você pode punir o uso de drogas ilegais, que podem causar prejuízos à saúde individual, mas não à saúde pública?
E quando a gente pensa que vivemos numa sociedade em que a pessoa pode saltar de paraquedas, lutar artes marciais que facilmente levam alguém a morte, comer gordura trans, dirigir um carro de fórmula 1 a 300 km/h numa corrida, pode praticar uma série de esportes radicais que trazem risco à vida, é hipócrita, é desproporcional e sem sentido querer proteger a pessoa de um risco associado a uma substância.
E hoje se sabe que a maconha tem um risco associado ao seu uso menor do que o álcool e o tabaco, que são substâncias legais. Tudo isso nos mostra que não faz sentido essa proibição. Não faz sentido o estado proibir o uso de drogas para consumo pessoal. Se o STF decidir que o estado não tem legitimidade para incriminar essa conduta, a posse de drogas para uso pessoal terá sido descriminalizada.
E a legalização e regulamentação?
No Brasil a descriminalização se discute apenas para posse e consumo de uso pessoal, o tráfico continuaria sendo crime. No Uruguai, em que houve a legalização pela regulação, o tráfico continua sendo crime, porém quem deseja pode comprar a maconha nas farmácias, ingressar nos clubes canábicos ou pode plantar na sua própria casa.
No Uruguai há um modelo com regras que regulam o acesso da pessoa à cannabis. O estado pode produzir, distribuir e comercializar, há regras que dizem respeito à potência da cannabis, nenhuma sepa pode ultrapassar 15% de THC de potência, há regras que proíbem o consumo de cannabis e o uso de veículo automotor e menores de 18 anos não podem ter acesso.
Há uma série de regras definidas em lei. É um processo que retira da ilegalidade essas atividades de produção, distribuição, comércio e consumo, e cria regras para que os danos sejam reduzidos. Legalização e regulação são dois versos da mesma moeda.
Você pode ter uma legalização sem restrições ou com pouquíssimas restrições, como é o caso da bebida alcoólica no Brasil, ou pode ter uma regulação mais estrita, como é o caso do tabaco no Brasil, que é uma política de drogas bem sucedida.
Na década de 1980 o Brasil tinha 35% de usuários de tabaco entre 14 e 65 anos, e hoje temos pouco mais de 10%. Então houve uma redução significativa do consumo de tabaco, e não foi preciso colocar ninguém na cadeia, não foi preciso dar um único tiro. Apenas campanhas educativas, preventivas, a aplicação da convenção quatro contra o tabaco, que restringe o uso de tabaco em lugares fechados, entre outras normas e restrições.
Apenas com medidas administrativas e regulatórias se conseguiu ter um resultado em termos de saúde pública muito satisfatório, e não foi necessário proibir. A política brasileira em relação à diminuição do consumo de tabaco é, ao meu ver, um caminho a ser seguido para a construção de uma política de droga mais global, geral em relação a outras substâncias.