Por Marcelo Naves*
A política de “guerra às drogas” é, infelizmente, um dos eixos centrais daquilo que se denomina “segurança pública” no Brasil. O proibicionismo de drogas classificadas atualmente como ilícitas, além de não alcançar a sua declarada e oficial intenção de inibir o uso e o comércio de determinadas substâncias, produz, isso sim, homicídios e hiperencarceramento, atingindo majoritariamente, nesses dois casos, jovens pobres, pretos e periféricos e mulheres empobrecidas, marginalizadas e responsáveis pelo sustento de seus familiares.
Afirma Maria Lúcia Karam, em “Drogas: a necessidade da legalização”, que a “guerra às drogas” não é exatamente uma guerra contra as drogas. Não se trata de uma guerra contra coisas. (…) como quaisquer outras guerras, dirige-se sim contra pessoas (…). Seus resultados são mortes, prisões superlotadas, doenças contagiosas se espalhando, milhares de vidas destruídas, atingindo especialmente os mais vulneráveis dentre seus alvos – os pobres, marginalizados, não brancos e desprovidos de poder. (…) O mais evidente e dramático dos riscos e danos diretamente provocados pela proibição é a violência, resultado lógico de uma política baseada na guerra”. O alvo seletivo dessa “guerra” é inerente à sua criação, precisamente no governo estadunidense de Richard Nixon, nos anos 1970.
A política de drogas no Brasil insere-se nesta seletividade penal/criminalizadora. Conforme estudo de Vera Malaguti Batista, “a visão seletiva do sistema penal para adolescentes infratores e a diferenciação no tratamento dado aos jovens pobres e aos jovens ricos, ao lado da aceitação social que existe quanto ao consumo de drogas, permite-nos afirmar que o problema do sistema não é a droga em si”. (“Difíceis ganhos fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro”).
A justiça criminal e o proibicionismo, instrumentos da política de “guerra às drogas”, inscrevem-se nesta seletividade. A atual lei de drogas (Lei 11.343/2006), que visava oficialmente delimitar o tratamento médico ao usuário e o tratamento criminal para o traficante acabou por arrefecer a criminalização das camadas mais pobres da sociedade, especialmente nas periferias, lá onde desaparece a abordagem médica e prevalece a criminal. Ali, o tratamento penal se impõe e o veredito criminalizador já se inicia na abordagem policial, conforme estudo desenvolvido pelo professor Marcelo Campos em “A atual
política de drogas no Brasil: um copo cheio de prisão”. Como desastrosa consequência, cerca de 30% da população carcerária sentenciada no país estão enquadradas na atual lei de drogas. No caso das mulheres, o índice sobe para 64%.
Descriminalizar e regulamentar (o que não significa, obviamente, incentivar o consumo) o uso e o comércio das drogas hoje classificadas como ilícitas, assim como acontece com o tabaco, o álcool, a cafeína e as milhares de outras drogas vendidas nas farmácias, configura-se tanto o caminho razoável e civilizado para a contenção do uso abusivo de quaisquer substâncias, como um freio nas inadmissíveis e bélicas estatísticas homicidas e carcerária causadas pela iníqua política de “guerra às drogas”.
*Artigo publicado na Revista Mundo e Missão de junho de 2017