Clecia Rocha
Zenir Gelsleichter
Revisão: Pe. Almir Ramos
A Pastoral Carcerária Nacional, através do Grupo de Trabalho (GT) de Saúde, divulga os resultados de uma pesquisa que foi realizada em 2024, e revela a situação em questão submetidas as pessoas em privação de liberdade, o cenário é assustador: as prisões brasileiras enfrentam um verdadeiro colapso sanitário. Os números indicam um grave quadro de doenças que afetam milhares de pessoas detentas, muitas das quais não recebem diagnóstico nem tratamento adequado.
De acordo com os dados da pesquisa:
79,4% das pessoas presas sofrem de depressão; 52,6% têm hipertensão;
52,2% enfrentam tuberculose; 47,4% lidam com pneumonia;
40,3% possuem diabetes; 32,8% convivem com HIV/Aids.
A pesquisa reforça o que a Pastoral vem denunciando há décadas: o Estado brasileiro tem abandonado a população carcerária à própria sorte, violando continuamente seu direito à saúde.
Sobre a Pesquisa
Os dados desta pesquisa foram coletados em 2024, por meio de visitas presenciais realizadas por agentes da Pastoral Carcerária em diversas cidades do país. O estudo nasceu do compromisso com a escuta verdadeira e do desejo de compreender, de forma respeitosa e direta, a realidade vivida dentro dos presídios do Brasil.
O diagnóstico dos dados apresentados foram coletados através de conversas individuais, observações no cotidiano das unidades prisionais e questionamentos feitos aos agentes de pastoral. Muito além de números, o levantamento priorizou escutar histórias, identificar sentimentos e dar visibilidade a vozes continuamente ignoradas.
O projeto foi guiado por um compromisso ético minucioso, social e humano, um olhar cuidadoso à dignidade das pessoas encarceradas, marcado pela escuta atenta e qualificada e pelo respeito à sua condição de ser humano.
O estudo foi muito além de uma simples coleta de dados sobre doenças, até porque todo trabalho é feito por voluntários/as. Foram registradas diversas denúncias, como omissão de atendimento médico, recusa de encaminhamentos para exames e ausência de remédios essenciais. Esses relatos reforçam a ideia de que a crise sanitária é piorada por práticas institucionais que naturalizam a falta de atenção com a vida carcerária.
Outro aspecto relevante da pesquisa é o seu alcance geográfico. Apesar da diversidade regional, os dados confirmam um padrão nacional de negligência, precariedade e violação de direitos. A crise não é localizada: é estrutural e lamentavelmente já enraizada nas políticas de exclusão.
O Trabalho Voluntário dos Agentes de Pastoral
O diferencial deste levantamento consiste em o trabalho ter sido realizado sociedade civil organizada. Os agentes da Pastoral Carcerária são o alicerce dessa produção de conhecimento. Os agentes que, semanalmente, visitam o sistema carcerário em todas as regiões do país. Movidos por fé, senso de justiça e compromisso social escutam denúncias, relatos e experiências de quem vive a realidade do cárcere. Esse trabalho de escuta transforma dados em histórias concretas — rostos, e vidas, que muitas vezes ficam invisíveis nas estatísticas. Quase sempre sem apoio institucional, a pesquisa se confirma como um instrumento legítimo de denúncia e mobilização. Mais do que números, ela expressa vozes que há muito tempo estão caladas.
Condições Estruturais que agravam a Situação
As condições no sistema carcerário brasileiro constitue um ambiente ideal para o agravamento da saúde física e mental: Superlotação; Falta de ventilação; Ausência de saneamento básico; Escassez de água potável; entre outras.
Diante desta realidade, doenças como a tuberculose se espalham com facilidade, afetando não apenas as pessoas privadas de liberdade, mas também os/as funcionários/as, visitantes e familiares que transitam pelos presídios. O descaso com a saúde das pessoas encarceradas não fica restrito aos muros da prisão, ele alcança a sociedade. A falta de médicos, exames, diagnósticos e medicamentos revelam não apenas uma falha no sistema, mas o sofrimento humano que ela gera. O Sistema Único de Saúde (SUS), que deveria assegurar cuidado integral a todos, parece esquecer que dentro das prisões também existem pessoas com corpo, dor e dignidade.
Desigualdades Refletidas no Cárcere
De acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, em 2023, 69,1% das pessoas encarceradas no Brasil eram negras. Uma população pobre e oriundas das periferias. A crise sanitária nas prisões não é um fenômeno isolado, é a continuação, entre muros, de desigualdades históricas enraizadas na sociedade brasileira, que se perpetuam desde o escravagismo. Ignorar essa realidade é dar continuidade a exclusão, a violência e a injustiça social.
Um Apelo por Compromisso e Verdade
A Pastoral Carcerária reafirma com estes dados levantados na pesquisa que não é possível falar em saúde pública no Brasil sem enfrentar a situação das prisões. Enquanto o Estado seguir negligenciando a vida de quem está encarcerado, nenhuma política de saúde será verdadeiramente universal, muito menos justa.
Para além dos dados, esta pesquisa representa um grito por justiça. É o testemunho de milhares de pessoas que clamam por dignidade, cuidado e reconhecimento. É também um apelo à sociedade e aos gestores públicos: a saúde pública começa justamente onde o poder insiste em não enxergar.
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/07/anuario-2024.pdf
https://www.brasildefato.com.br/2024/07/18/quase-70-da-populacao-carceraria-do-brasil-e-negra/