Por Jeniffer Mendonça
Da Ponte Jornalismo
As últimas horas de vida de Jesus Cristo foram relembradas em procissão, nesta sexta-feira (10/4), na vazia Praça de São Pedro, no Vaticano, por causa da pandemia do coronavírus. Comandada pelo Papa Francisco, a tradição contou com apenas dez pessoas, integrantes dos sistemas de saúde e prisional, carregando a cruz e tochas reluzentes e meditações de 14 pessoas, sendo cinco delas encarceradas, além de um juiz, um guarda, um educador do sistema prisional, parentes de presos e pais de uma filha assassinada.
Proposta pela capelania da prisão de Pádua, a convite do pontífice, os escolhidos enviaram mensagens sobre a paixão de Cristo em suas vidas. Uma das meditações é de um preso que tem a esperança de conhecer a neta. “Na prisão, tornei-me avô: perdi a gravidez da minha filha. À minha neta, um dia, não contarei o mal que cometi, mas apenas o bem que encontrei”, diz trecho da mensagem lida. “Na prisão, o verdadeiro desespero é sentir que já nada da tua vida tem sentido: é o ápice do sofrimento, sentes-te a pessoa mais sozinha de todos os solitários no mundo. É verdade que fiquei desfeito em mil pedaços, mas o belo é que estes pedaços ainda se podem, todos, recompor. Não é fácil; mas é a única coisa que ainda tem um significado aqui dentro”, prossegue.
Para a coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra Pfaller, destacar neste ano as meditações de encarcerados é “dar voz” a uma população silenciada. “Foi uma cerimônia muito forte, que não é só um gesto bonito, é uma atitude com essas pessoas, porque ele já visitava pessoas nas prisões”, afirma.
Mesmo que a escolha da leitura das meditações tenha sido feita antes do surto do novo coronavírus, a religiosa destaca que essa visibilidade acende um alerta às condições dessa população no cenário atual. “A mensagem que o Papa traz é de uma profunda preocupação com essas pessoas encarceradas, não só na Itália, mas em todo o mundo, de que não é só uma pandemia, mas o anúncio de um grande massacre”, explica a religiosa.
Irmã Petra critica a postura do presidente, que, reiteradamente, tem feito pouco caso da pandemia.”Eu não sei para qual Jesus ele reza, ele acredita, mas o que eu acredito é que aquele que misericordioso, que está com os pobres, com os excluídos”, declara.
No contexto brasileiro, a coordenadora da Pastoral Carcerária afirma que a entidade está recebendo denúncias de parentes de presos sobre falta de assistência dentro das unidades. “Nós recebemos relatos de familiares de que os presos estão com febre, com tosse e os casos são tratados como se fosse tuberculose, de presos sem receber itens básicos, sem ter informação”, declarou. “A gente considera prudente a suspensão das visitas, mas pedimos que as varas de execução penal fiscalizem as unidades”.
Desde março, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) determinou a suspensão de visitas para familiares e advogados. De acordo com reportagem do Gênero e Número, todas as unidades prisionais seguem a determinação, sendo que três estados só adotaram a medida três semanas após início da pandemia. A Ponte também já havia noticiado a preocupação de encarcerados, por meio de cartas, sobre o risco de contaminação da Covid-19 por falta de itens básicos de higiene e alimentação fornecidos pelas visitas, em São Paulo, já que a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) determinou a entrega dos itens pelos Correios.