QUE A SAÚDE SE DIFUNDA SOBRE A TERRA.
“Viu, sentiu compaixão, e cuidou dele” (cf Lc 10, 33-34).
Como falar de saúde em tempos de pandemia? Como falar de saúde num cenário de dor, morte, sofrimento e medo?
Segundo a Organização Mundial da Saúde, “Saúde é um estado de pleno bem estar físico, mental e social”. Mais tarde a OMS acrescentou também a Espiritualidade na definição de saúde.
Olhando para o nosso próprio momento histórico, fica difícil entender que a humanidade esteja enfrentando essa situação. Basta ver os avanços da ciência, da tecnologia, da informação, etc. Torna-se quase incompreensível que estejamos passando por essa pandemia.
Em outros tempos, a hu00manidade enfrentou grandes pestes e epidemias que dizimaram boa parte da população mundial, como a peste negra, a gripe aviária, a gripe espanhola, entre outras. Diante desse cenário, é possível compreender que somos seres limitados. Quanto mais achamos que sabemos e podemos, mais temos certeza que somos essencialmente frágeis.
A saúde é um bem precioso. Devemos cuidar dela quase com veneração. Neste ano a Campanha da Fraternidade vem nos ajudar a refletir sobre a vida como dom e compromisso. A vida é um dom de Deus, por isso é sagrada e devemos todo o respeito por ela. A Campanha da Fraternidade também nos lembra que a vida é compromisso. Compromisso de cada pessoa pela sua e pela vida dos outros e também pela vida como um todo, seja ela, animal ou vegetal. Incrível que justamente nesse tempo em que deveríamos estar pregando, ensinando, fazendo muitos encontros, formações e tantas outras atividades relacionadas a vida dentro da temática da Campanha da Fraternidade, somos obrigados a não fazer nada em conjunto, ou seja, somos obrigados a fazer todo o esforço possível individualmente.
A pandemia nos obrigou, mais do que falar, pregar, debater, etc, a ficar quietos no nosso canto, cuidando e protegendo a nossa vida. Isso é algo incrível, talvez olhando para toda essa situação, tiraremos muitos aprendizados. O mundo, a sociedade, a Igreja não serão mais os mesmos depois do coronavírus. A nossa Campanha da Fraternidade deste ano e talvez as próximas que virão, são campanhas mais vivenciais.
A saúde é um bem precioso. Devemos cuidar de nossa saúde em todas as suas dimensões, através de exercícios físicos, através de uma boa alimentação, através de uma vida espiritual, através de atividades de lazer, através de uma vida social e comunitária. São muitos meios para termos vida e saúde
E a saúde no sistema prisional, como vai?
Uma das maiores preocupações da Pastoral Carcerária nesse tempo de pandemia é com a saúde das pessoas privadas de liberdade. Na missa na Capela Santa Marta, Papa Francisco também manifestou preocupação com os presos:
“Penso num grave problema que existe em várias partes do mundo. Gostaria que hoje rezássemos pelo problema da superlotação nos cárceres. Onde há uma superlotação – muita gente ali – há o perigo, nesta pandemia, de que se acabe numa grave calamidade. Rezemos pelos responsáveis, por aqueles que devem tomar as decisões nisso, a fim de que encontrem um caminho justo e criativo para resolver o problema”.
(Papa Francisco, missa na Capela Santa Marta, 06,04,2020).
O Sistema Prisional brasileiro, além de superlotado, o que já é por si só um fator de morte, é um sistema cruel, injusto, retrógrado e conservador. No dizer de alguns ele se assemelha ao holocausto. Lá dentro, escondido dos olhos da sociedade, vivem amontoados mais de 800 mil homens e mulheres. São filhos e filhas desta pátria amada, que os esqueceu ou finge não os ver.
No que diz respeito a saúde, pode-se dizer claramente que é uma das formas veladas de tortura que o Estado brasileiro impõe a essas pessoas. Em muitas unidades prisionais não existem remédios e quando existem se resumem em analgésicos e calmantes.
O acesso aos profissionais de saúde é muito difícil, pois muitas unidades não os tem. As patologias são as mais variadas, HIV/AIDS, tuberculose, doenças mentais, hepatites virais, doenças de pele, demências, etc.
Em tempos de coronavírus, este ambiente com tantas doenças crônicas se torna um local propício para fazer muitas vítimas. A Pastoral Carcerária vem acompanhando essa situação com muita preocupação.
Presos que poderiam ir para prisão domiciliar continuam trancafiados. Se o vírus se propaga dentro das unidades, o colapso nos hospitais será muito maior e a possibilidade de um grande número de infectados, doentes e mortos dentro do sistema prisional poderá se constituir em tragédia.
Caso isso venha a acontecer, podemos dizer que será uma tragédia anunciada. Nos preocupamos com a vida e a saúde dessas pessoas que já perderam quase tudo, e o pouco que lhes resta pode ser tirado se medidas robustas e urgentes não forem tomadas. Enquanto Pastoral Carcerária, continuamos atentos e vigilantes e não vamos nos calar.
Retomando as perguntas iniciais, como falar de saúde em tempos de pandemia? Como falar de saúde num cenário de dor, morte, sofrimento e medo?
Somos pessoas da esperança e nossa missão principal é transmitir a esperança em lugares sombrios. Nesses ambientes onde não há luz, queremos levar a luz que o Evangelho nos interpela. E no que diz respeito a saúde, estamos atentos e dispostos a denunciar todo tipo de desrespeito e negação da vida e da saúde no interior das Unidades Prisionais.
Saúde deve ser o assunto da hora. É preciso falar, ler, conversar sobre tudo o que diz respeito a saúde e a vida das pessoas. Mesmo diante do caos, não podemos desanimar. Precisamos manter a nossa vigilância. Mesmo que às vezes o medo, a dor e o sofrimento falem mais alto, nós temos que falar da vida e vida para todos, pois o Senhor mesmo nos diz
“Eu vim para que todos tenha vida e a tenha em abundância” (Jo. 10,10).
Pe. Almir José de Ramos
Vice coordenador da Pastoral Carcerária Nacional