Por Hugo Oliveira
Do Mais Goiás
Pouca ventilação, calor, umidade, superlotação e falta de higiene são fatores que, unidos, propiciam o surgimento e alastramento de doenças contagiosas, como a sarna, em penitenciárias. Entidades sociais revelam que o problema sempre existiu nos encarceramentos, mas tende a aumentar com a chegada da época de chuvas. É a situação da Casa de Prisão Provisória (CPP) em Aparecida de Goiânia. Com uma média de 3 mil reeducandos – mas com capacidade para apenas 800 – a estimativa, feita entre 15 e 19 de outubro, é de que 25% da população esteja contaminada. A informação é da presidente do Conselho da Comunidade na Execução Penal daquele município, Berenice Genito.
Porém, segundo ela, que fiscaliza frequentemente as unidades prisionais, o caso ainda não se trata de surto ou epidemia. “Não constatamos surto ou epidemia naquele período, mas, de fato, a situação precisa ser controlada para que não chegue a esse ponto. Sarna é um problema constante e a superlotação é o principal desencadeador. Nunca acabou, nem com a campanha que fizemos em 2016. Lá é úmido e em época de chuva, alastra ainda mais. Por isso, estamos sempre fornecendo medicamentos para a CPP e POG (Penitenciária Odenir Guimarães, antigo Cepaigo). No último mês, foram R$ 7 mil em remédios”, sublinha.
Conforme expõe Genito, esta semana a entidade deverá realizar novas visitas para constatar a gravidade dos problemas nas unidades. “Não sabemos dizer como é a situação atual na POG, mas deveremos realizar um novo levantamento no local. O que sabemos, é o que familiares estão dizendo: está tudo como sempre”.
Durante a referida campanha, a Comunidade doou R$R 30.920 em medicamentos como Ivermectina 6ml e loção Permetrina, voltados ao combate da doença cutânea. Entretanto, a verba, advinda de penas pecuniárias, multas aplicadas pela Justiça – e destinadas pela entidade à DGAP –, foi reduzida nos anos subsequentes, o que, segundo Berenice, evidencia o controle feito pela Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP). “Em 2017, doamos R$ 2.592 e, em 2018, apenas R$ 1.950. A diminuição dos recursos é um sinal de que a demanda reduziu bastante desde a campanha”.
De acordo com a DGAP, a gerência de Assistência Psicossocial realiza ações contínuas para evitar que a patologia exista no ambiente prisional. “A partir da chegada na Central de Triagem ou na Casa de Prisão Provisória, os reeducandos são examinados e, caso estejam com a doença, recebem o medicamento Ivermectina e aplicação de loção nas feridas. Em outubro, mais de 7 mil comprimidos foram adquiridos para fazer o controle de forma permanente”.
Alerta de superlotação
Outra entidade com presença semanal nas unidades é a Pastoral Carcerária Arquidiocesana de Goiânia. Segundo o coordenador Diego Vinícius Gomes de Almeida, a situação é delicada. “Tem muita gente em uma cela só. Junta-se roupas, colchões e, nessa época de chuva, os detentos ficam se coçando sem saber o que fazer. Agentes de saúde e de assistência social tentam minimizar, mas não conseguem combater porque a superlotação é flagrante. Assim, é claro que vai ter sarna”, aponta.
Chamada erroneamente de Zica pelos presos, a escabiose – outro nome para a doença – é propiciada, conforme expõe Diego, pela falta de higiene. Todavia, para ele, o que assusta mais, não é a possibilidade de epidemia, mas de motim, dada a insatisfação dos encarcerados. “É uma doença de pele e eles dividem toalhas e colchões. Como chamariam atenção das autoridades, do lado de fora da cadeia, para uma situação dessas? Eles acham a situação injusta e vemos essas iniciativas, como a rebelião que ocorreu no início do ano, como mensagens. Eles querem ser ouvidos, além de higiene e saúde”.
Doença
De acordo com a dermatologista do Hospital de Doenças Tropicais (HDT) Priscila Chaves, a sarna é causada por um ácaro, conhecido no meio científico como Sarcoptes scabiei. Contagiosa entre humanos, a patologia é de fácil transmissão, principalmente em ambientes fechados. “Causa coceira intensa, mais no período noturno, com lesões em forma de bolinhas, principalmente em áreas quentes do corpo, como axila, abdome, punho e região genital. Não traz risco à vida, mas pode propiciar infecções secundárias, bacterianas”.
Para ela, é necessário tratamentos individuais e também controle da presença do vetor no ambiente. “No indivíduo, o tratamento pode ser por meio de medicação em comprimido e loção aplicada na região. Vai depender da manifestação clínica. No ambiente, a literatura orienta que sejam feitas trocas constantes de roupas de cama e toalhas. Após lavadas, as peças devem ser expostas constantemente ao sol ou ao calor, com ferro de passar, visto que a temperatura alta, acima de 100° mata o ácaro. O mesmo deve ser feito com colchões”. Ela ainda ressalta: “Se ficar um contaminado, os outros voltam a contrair patologia novamente”.