O título da Exortação é a conclusão das “Bem-aventuranças”: Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,1-12). Jesus quer que sejamos santos e santas, não quer que nos resignemos a uma vida medíocre, superficial e indecisa.
Objetivo: fazer ressoar uma vez mais o chamado à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós “para sermos santos e íntegros diante dele, no amor” (Ef 1,4).
CAPÍTULO I – O CHAMADO À SANTIDADE
Santidade não é sinônimo de perfeição. Convite a lembrarmos da mãe, avó, alguém próximo de nós que, mesmo no meio das suas imperfeições e quedas, continuou a caminhar e agradou ao Senhor. Os santos e santas mantém conosco laços de amor e comunhão – não caminhamos sozinhos.
Não pensemos só nos santos beatificados ou canonizados. E não pensemos a santidade individualmente apenas – ninguém se salva sozinho. Santidade “ao pé da porta” e “classe média da santidade”: pais que educam os filhos com amor, homens e mulheres que trabalham para trazer o pão para casa, nos doentes e nas consagradas idosas que continuam a sorrir.
A santidade é o rosto mais belo da Igreja. Deus “me” chama, e não devo desanimar querendo viver a santidade segundo um modelo de outro – devo trazer à luz o que Deus colocou em mim de muito pessoal. Os estilos femininos de santidade são indispensáveis para manifestar a santidade de Deus neste mundo.
Não é necessário ser bispo, padre, religiosa(o) para ser santo. Santidade não é afastar-se das ocupações comuns. “Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais”. Na Igreja, formada de santos e de pecadores, encontramos o que é necessário para crescer em santidade.
“Quando estava na prisão, o Cardeal Francisco Xavier N. van Thuan renunciou a desgastar-se com a ânsia da sua libertação. A sua decisão foi ‘viver o momento presente, cumulando-o de amor’”.
Santidade que Deus quer de nós: não seres autossuficientes, mas “bons administradores da multiforme graça de Deus” (1Pd 4,10).
Cada santo e santa é uma missão nesta terra. É um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, em um momento determinado da história, um aspecto do Evangelho. “O desígnio do Pai é Cristo, e nós nele. Em última análise, é Cristo que ama em nós, porque a santidade ‘não é mais do que a caridade plenamente vivida’. Assim, cada santo é uma mensagem que o Espírito Santo extrai da riqueza que Jesus Cristo dá ao seu povo”.
Contemplemos o conjunto da vida de cada santo. Nem tudo o que diz é plenamente fiel ao Evangelho, nem tudo o que faz é autêntico ou perfeito. Tu também precisas ver a totalidade da tua vida como uma missão. O que Deus quer dizer ao mundo de hoje com a tua vida?
Não é possível conceber Cristo sem o seu Reino; tua missão também é inseparável da construção do Reino de amor, de paz e de justiça para todos. “Não é saudável amar o silêncio e esquivar o encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade, buscar a oração e menosprezar o serviço”.
Precisamos de um espírito de santidade que impregne tanto a solidão como o serviço, a intimidade e a tarefa evangelizadora. Não tenhas medo da santidade. Não te tirará forças nem vida nem alegria. Serás, pelo contrário, o que Deus pensou quando te criou e serás fiel ao teu próprio ser.
CAPÍTULO II – DOIS INIMIGOS SUTIS DA SANTIDADE
Dois perigos: o Gnosticismo (reduzir o cristianismo a um conhecimento sobre Deus) e o Pelagianismo (reduzir o cristianismo àquilo que nós fazemos, centrar na iniciativa humana o êxito da ação). Jesus abre, na complexidade das leis religiosas, uma brecha que permite enxergar dois rostos: o do Pai e o do irmão. Não nos dá mais fórmulas (gnosticismo) nem mais preceitos de ação (pelagianismo); ele nos entrega dois rostos, ou melhor, um só: o de Deus que se reflete em muitos, porque em cada irmão e irmã, especialmente no menor, frágil, indefeso e necessitado, está presente a própria imagem de Deus.
CAPÍTULO III – À LUZ DO MESTRE
Bilhete de identidade do Cristão: as bem-aventuranças (Mt 5,3-12; Lc 6,20-23). ‘Feliz’, ‘bem-aventurado’ e ‘santo’ tornam-se sinônimos, porque expressam que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade. As bem-aventuranças vão na contracorrente, e não são um caminho suave ou um compromisso superficial.
Ser pobre no coração, isto é santidade. Jesus viveu assim.
Reagir com humilde mansidão, até diante dos adversários: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Saber chorar com os outros: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Buscar a justiça com fome e sede: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Olhar e agir com misericórdia: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Semear a paz ao nosso redor: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Abraçar diariamente o caminho do Evangelho mesmo que nos acarrete problemas: isto é santidade. Jesus viveu assim.
Mt 25,35-36 – a grande regra de comportamento. Faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente e preso: neles está o Cristo. O texto bíblico de Mt não é um mero convite à caridade, mas uma página de cristologia que projeta um feixe de luz sobre o mistério de Cristo.
Reagir a partir da fé e da caridade, reconhecer no outro um ser humano com a mesma dignidade que eu, uma criatura infinitamente amada pelo Pai, uma imagem de Deus, um irmão redimido por Jesus Cristo. O cristão deve ser sempre saudavelmente insatisfeito. Não basta fazer algumas ações boas, mas procurar uma mudança social.
Não podemos transformar o Evangelho numa ideologia. Devemos defender o inocente nascituro de uma maneira clara, firme e apaixonada. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta e nos doentes privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte. Migrantes – São Bento. O culto que prestamos a Deus é fundamental. Contudo, o critério de salvação passa pelo que fizermos ao próximo.
CAPÍTULO IV – ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA SANTIDADE NO MUNDO ATUAL
Meios que já conhecemos: métodos de oração, sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação, oferta de sacrifícios, devoções, direção espiritual e muitos outros. Outros meios:
Suportação, paciência e mansidão: manter-se fiel, não se deixar levar pela própria ansiedade, permanecer ao lado dos outros mesmo sem receber satisfação imediata. Evitar redes de violência verbal pela internet. Ser juízes dos outros sem piedade, considerá-los indignos e pretender dar lições é uma forma sutil de violência. Chega-se à humildade passando por algumas humilhações: evitar falar bem de si mesmo, escolher tarefas menos vistosas, suportar até algo injusto. Não é masoquismo, mas saber evitar a tentação do sucesso, do prazer, da boa imagem social.
Alegria e sentido de humor: o santo vive assim. Mau humor não é sinal de santidade. Tristeza pode ter a ver com ingratidão. Não é alegria consumista e individualista. Alegria de quem se sabe amado e ama.
Ousadia e ardor: ousadia, entusiasmo, falar com liberdade, ardor apostólico. “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”. Precisamos do impulso do Espírito para não ser paralisados pelo medo e calculismo, para não caminhar só dentro de confins seguros. Deus é sempre novidade! Por isso, se ousarmos ir às periferias, lá o encontraremos. Os santos surpreendem, desinstalam, chamam a sair da mediocridade tranquila e anestesiadora.
Em comunidade: sozinhos sucumbiremos. A santificação é caminho comunitário. Partilhar a Palavra e celebrar juntos a Eucaristia nos vai tornando mais irmãos e irmãs, comunidade santa e missionária. Cuidar dos detalhes: o vinho a faltar, a ovelha fora do rebanho, as moedinhas da viúva, o azeite reserva da lâmpada… Não deixar o individualismo nos contaminar.
Em oração constante: os santos são pessoas abertas a Deus, necessitadas dele. “Não acredito em santidade sem oração”. É a contemplação da face de Jesus morto e ressuscitado que recompõe a nossa humanidade. Não podemos domesticar o poder da face de Cristo. Contemplemos nossa história ao rezar, e encontraremos misericórdia.
CAPÍTULO V – LUTA, VIGILÂNCIA E DISCERNIMENTO
Luta contra a mentalidade puramente mundana. Luta contra as próprias fragilidades e inclinações. Luta contra o demônio, príncipe do mal. “Livrai-nos do mal.” O demônio nos pode “possuir” pelo ódio, tristeza, inveja, vícios. Com o que nos prevenimos: oração, meditação da Palavra de Deus, celebração da Missa, adoração, Reconciliação, obras de caridade, vida comunitária e compromisso missionário. “Quem anda em ponto morto não vai resistir”. Cuidar para não cair na corrupção espiritual: cegueira cômoda e autossuficiente, em que tudo parece lícito – egoísmo, calúnia, engano, autorreferencialidade.
Discernimento: forma para saber se algo vem do Espírito Santo e dom que precisamos pedir. Hoje viajamos consectados em três telas ao mesmo tempo, distraídos… Jesus nos deu liberdade, e com ela devemos analisar o que está ao nosso redor e dentro de nós. O discernimento é graça, dom – é preciso pedir, silenciar, interpretar. O interesse não é “tirar mais proveito da vida, mas reconhecer como cumprir a missão que recebemos no batismo”.
Maria viveu como ninguém as bem-aventuranças de Jesus. Ela caminha conosco. Não precisamos falar-lhe muito nem explicar o que se passa conosco. É suficiente sussurrar uma vez e outra: “Ave Maria…”