Em encontro realizado em 14 de março, em Porto Alegre (RS), os Juízes das Varas de Execuções Criminais (VECs) em comarcas com presídios no Rio Grande do Sul alertaram para o colapso das unidades prisionais gaúcha. Os apontamentos foram expressos em uma carta, cuja íntegra reproduzimos a seguir:
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Os magistrados da execução criminal do Estado do Rio Grande do Sul, reunidos em 14 de março de 2017 em Porto Alegre, com a finalidade de discutir a crescente taxa de encarceramento, a insuficiência de vagas em presídios e a ineficácia da pena de prisão, externam sua preocupação com a grave crise que assola o sistema prisional gaúcho, em especial por afetar diretamente a segurança pública e a vida em sociedade.
Os presídios do Estado, em maioria, estão superlotados, com taxas de ocupação de presos muito acima da capacidade de engenharia. Os efeitos da superlotação, somados à ineficiência do Estado, implicam não somente a violação de direitos da pessoa privada da liberdade, mas também o fortalecimento das facções e o aumento da criminalidade e da violência.
No Rio Grande do Sul, quase 7.000 presos encontram-se em prisão domiciliar por carência de vagas nos regimes semiaberto e aberto. Destes, 2.900 estão monitorados eletronicamente. Como se não bastasse, na Região Metropolitana de Porto Alegre, detentos têm permanecido irregularmente em carceragens de delegacias de polícia, em viaturas oficiais e até mesmo algemados em lixeiras e corrimãos de escadas, situação inaceitável.
Além disso, a população prisional gaúcha, que em meados da década de 90 era de 11.000 presos, hoje supera 35.300 presos entre homens e mulheres. Existe um déficit superior a 11.000 vagas.
Considerados os últimos 04 anos (2013-2016), constata-se um aumento real médio, por ano, de 6,8% de pessoas presas. Se mantida essa tendência, o Estado terá, em 2027, uma população carcerária próxima de 60.000 presos e, em 2037, de 90.000 presos.
Para absorver essa demanda, haveria a necessidade de disponibilizar no mínimo 2.500 vagas por ano, ao custo projetado e aproximado de R$ 60.000,00 cada uma, segundo valores informados pela SUSEPE, o que representaria um investimento anual de R$ 150.000.000,00, sem considerar o custo com manutenção dos estabelecimentos e a nomeação de novos servidores, o que parece inimaginável frente à crise financeira do Estado, que sequer logrou concluir, em dois anos, 5% faltantes da obra do Complexo Prisional de Canoas, com capacidade para 2.808 presos.
Não se ignora, também, a existência de aproximadamente 12.300 mandados de prisão pendentes de cumprimento, os quais, se cumpridos fossem, esbarrariam na falta de vagas no sistema prisional.
A propósito, nota-se que o elevado número de prisões não tem exercido qualquer freio à criminalidade. Ao contrário, tem servido apenas para fortalecer grupos criminosos, que ocupam os espaços relegados pelo Estado e exercem o controle de fato dos estabelecimentos, de lá comandando a prática dos mais variados crimes. Não por acaso, 70% dos indivíduos que ingressam no sistema prisional possuem, no mínimo, uma passagem anterior em algum presídio. Em outras palavras, o sistema se retroalimenta a partir de suas próprias deficiências.
O cenário, portanto, é crítico, inspira cautela e impõe a adoção de medidas urgentes e eficazes pelo Poder Executivo, responsável pela gestão do sistema prisional, para coibir a reprodução de rebeliões, como as recentemente ocorridas nos Estados de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte.
No Rio Grande do Sul, desde dezembro de 2016, eclodiram rebeliões nos Presídios de Getúlio Vargas, Bagé, Três Passos, Carazinho, Sarandi, Uruguaiana e São Borja, das quais resultaram mortes, feridos e danos ao patrimônio público.
Advertimos, com base nas informações do mapa carcerário divulgado pela SUSEPE, que 30 presídios do Estado, de regime fechado, apresentam taxa de ocupação superior a 200% de sua capacidade de engenharia.
A persistir a inércia do Estado, corre-se o risco de outras rebeliões, talvez com resultados ainda mais graves e violentos e que ultrapassem, inclusive, os muros do sistema prisional, atingindo diretamente a população.
Alertamos que a construção de novos estabelecimentos prisionais, isoladamente, não basta. É preciso muito mais do que isso. Torna-se imprescindível assegurar condições mínimas e dignas para o cumprimento da pena privativa de liberdade, mediante oferta de trabalho e estudo e assistência à saúde. Do contrário, os presídios somente produzirão mais violência em prejuízo da almejada paz social.
Reconhecemos que o Tribunal de Justiça, na esfera de sua competência, tem empreendido esforços para amenizar a crise instalada no sistema prisional. Nesse sentido, destacamos a importância dos projetos que visam à criação de cinco Varas Regionais de Execução Penal e à implantação do sistema de videoaudiência, inclusive em estabelecimentos prisionais, bem como das políticas voltadas à realização de mutirões para agilização dos processos de execução criminal e à destinação de recursos oriundos das penas pecuniárias para projetos de relevo ao Estado, como a reforma do Instituto Psiquiátrico Forense no valor aproximado de R$ 5.000.000,00.
Informamos que, somente nos anos de 2014 e 2015, foram destinados pelos magistrados da execução penal quase R$ 9.000.000,00, provenientes das penas pecuniárias, a entidades vinculadas à segurança pública, especialmente para manutenção e ampliação de presídios e reaparelhamento das polícias.
Enfim, instamos o Poder Executivo a apresentar um plano de ação eficaz e reafirmamos nosso compromisso com a preservação da ordem pública, com o respeito aos direitos e deveres da pessoa privada da liberdade e com o cumprimento da Lei de Execução Penal e da Constituição Federal.
Porto Alegre, 14 de março de 2017.